quarta-feira, abril 24, 2024

O Ministério Público à charge e à décharge...

 Este artigo na revista Sábado de hoje, co-assinado pelos magistrados jubilados Euclides Dâmaso e Maria José Morgado suscita-me alguns comentários que seguirão:



Em primeiro lugar devo escrever que todo o artigo me parece influenciado pelo caso Influencer. Vejamos porquê, relativamente às "propostas de afinação de percurso" do MºPº:

A primeira refere a necessidade de revitalizar a matriz investigatória do MºPº na essência da descoberta da Verdade. Verdade que é a material mas que pode bem ter as suas nuances como já referi aqui em tempos. A Verdade que resulta de um processo penal, papel onde o MºPº exerce o seu múnus mais notório, é algo por vezes esconso mas não deixa de se aparentar à Realidade, ou seja o realmente vivido por alguém ou alguns de modo que todos percebam e aceitem como tal a apresentação dos factos que assim conduzem.

E os subscritores do artigo realçam logo que deve ser essa uma das principais preocupações do MºPº enquanto titular do inquérito. Mas...será que tal se compagina com a cultura de investigação policial que logo a seguir "entregam" exclusivamente aos órgãos de polícia criminal, que não são uma magistratura e estão formatados para outro conceito de "Verdade" e de procura da mesma à charge e na maior parte dos caso sem décharge alguma? A cultura, rotina, vícios de procedimento e modo de pensamento à "charge" é um apanágio de polícia, queiramos ou não. É assim, sempre foi assim e sempre será assim e por isso é que está muito bem que seja uma magistratura com aquelas preocupações de almejar a "verdade" do real, a dirigir efectiva e eficazmente o inquérito. Na maior parte dos casos, certamente nos mais complexos isso não acontece, por motivos óbvios: falta de preparação técnica da magistratura para tal. 

Se num homicídio o resultado poder ser mais consentâneo com a investigação policial, com excepções tão relevantes quanto podem ser casos como o "Maddie" com as evidentes loucuras de inventividade policiesca e desvios à procura da "verdade material" do real, assentando em palpites de verdade plausível ou querida como tal, nos económico-financeiros a investigação policial carece de um arrimo firme e seguro, com perícias à "décharge" que pura e simplesmente não existem. O que o inspector Silva de Braga descobriu no processo Marquês, só para dar este exemplo, tornou-se a verdade material. E poderia ser de outro modo...

Não me parece que o bom caminho neste caso seja o de prosseguir na senda do já percorrido, pois me parece que há que arrepiar de algum modo tal tentação, sempre tentadora, passe a redundância, mas atentatória da "verdade real". 

As considerações expendidas a propósito das investigações de órgãos de polícia criminal a propósito de "um maior distanciamento e objectividade na análise que derradeiramente fará da valia probatória alcançada" ( pelos opc), esbarrará invevitavelmente em tal escolho invisível que assenta na premissa do habitual " se não sabe, por que pergunta?..." e que contende com a matéria a investigar à décharge. 

Um magistrado que não entenda o que se investiga não saberá investigar à décharge e escapar-lhe-á essa vertente quando se lhe apresentar o relatório final do opc que contém apenas a investigação à charge. Daí a importância da especialização da magistratura ou o saber particular deste ou daquele magistrado em determinados assuntos. Quem controla o inquérito tem que saber o que deve controlar e procurar saber onde estará a verdade que pode estar escondida. No caso EDP, por exemplo, o assunto parece-me muito premente. 

No caso Influencer ainda mais, uma vez que a investigação se pautou por uma charge à la brigada ligeira, com efusiva atenção ao aspecto algo pitoresco de envolver um governo em funções. Num caso com tamanha susceptibilidade os cuidados deveriam ser redobrados, particularmente no que o aspecto à décharge imporiam normalmente. 

À décharge deveria ter sido ponderado se a actuação política de um governo poderia ultrapassar tal barreira e entrar afoitamente no domínio do direito penal. 

A mim, parece-me evidente que sim,  pelos contornos conhecidos, pelo abuso de poder evidente que transpira de todo o processo, plasmado nos factos conhecidos à charge, com tráficos de influência vários e repetidos e actuações inadmissíveis legalmente. O MºPº não tem que se envergonhar de tais investigações ou justificar que as tenha feito quando outros, como certos juízes, não entendem do mesmo modo o direito e a justiça. Tem apenas que as explicar devidamente para que todos entendam e no seu devido tempo. Que é agora e não apenas no final do inquérito...

Mas pode haver a "décharge" de se considerar que afinal a opção política de decidir em colectivo de conselho de ministros pode muito bem estar a colocar fora da alçada do direito penal tais actuações ou até a própria existente do tipo penal em causa, de prevaricação, como se aventou já e o juiz de instrução o terá feito. Isso deveria ter sido ponderado à décharge ou pelo menos à cautela. 

No caso concreto do Influencer, as propostas dos subscritores são inócuas porque o processo foi dirigido por magistrados experientes, com a hierarquia devidamente informada dos passos a dar e com as cautelas de preservação essencial e muito eficaz, neste caso concreto, do segredo de justiça. Portanto, não é por aqui que o gato vai às filhós...mas pode ir por outro meio. 

E esse meio é outra coisa que os subscritores do artigo não aventam: a natureza dos magistrados que investigam, a formação específica para atender a tal vertente da atenção ao "décharge" e a política geral e conhecida, de algum modo populista, de o Ministério Público considerar que é sempre um sucesso uma operação de envergadura das que foi encetada, com acusações e suspeitas sumárias de grandes actos criminosos, com prisões preventivas pedidas à cabeça e com a intenção de dedução de acusações agigantadas, na perspectiva de condenações de preceito. Não é assim e é preciso que tal cultura seja substituída por outra, mais consentânea com a realidade que temos, legal, jurisprudencial e prática. O MºPº não pode ser uma ilha de pequenos robespierres ou de saint-justes, que para quem não sabe, foram revolucionários do terror jacobino francês que acreditavam piamente na lei...e esta tendia a dar-lhes razão, até que foram executados por força das mesmas leis. 

A falta de bom senso ou de ponderação concreta e acertada de medidas a tomar em certos casos depende muito dos magistrados que dirigem as investigações e não é por terem mais de dez anos de experiência e classificação de mérito que se adquirem tais atouts. 

Quem já deu mostras de insensatez uma vez, continuará a dá-las no futuro e disso não haja dúvidas. A noção de "Verdade" vem mais uma vez ao de cima e sobrepõe-se à da noção subjectiva da realidade que se confunde com verdade processual adquirida do modo indicado: investigação à charge e sem atenção à décharge. 

A proposta de uma hierarquia mais disseminada entre os "mais velhos", supostamente mais sabedores porque nas cadeiras de cima da hierarquia pode ser tentadora, mas na realidade quem conhece os processos é quem neles trabalha, particularmente os mais delicados ou complexos. E por isso são os magistrados do DCIAP quem conhece os fios das meadas que têm nas mãos e não os procuradores-regionais ou outros ainda mais acima. Não se trata de um "primado de inexperientes" mas de um primado fundamental: entregar a quem sabe melhor o que está melhor preparado para tal. E pode nem ser um director de DCIAP. Veja-se por exemplo o que sucedeu no caso Aníbal Pinto que proibiu magistrados titulares de um inquérito de ouvir outros titulares de órgãos de soberania, como o primeiro-ministro ou o presidente da República apenas por um dever de "respeitinho". Não pode ser assim e isto nada tem a ver com controlo hierárquico e se tiver é precisamente por isso que a autonomia interna do MºPº deve ser melhor preservada, sem directivas formais a impor regras inexequíveis de acordo com os princípios gerais da igualdade geral da lei para todos. Já sucedeu e os magistrados subscritores sabem muito bem do que escrevo. Tal distorção é mais perniciosa para a verdade material do que qualquer investigação à charge e à décharge, porque é simplesmente a postergação de princípios fundamentais do estado de Direito. 

Assim, o controlo hierárquico das investigações deve fazer-se por iniciativa da hieraquia e "imersão" dos hierarcas no próprio processo investigatório, com apoio prático e permanente, através do acompanhamento das mesmas, pessoal e intransmissível, ao ponto de compreenderem o que está em jogo, com respeito inteiro sobre as barreiras de actuação individual. Será possível tal actuação hierárquica? Duvido, perante a complexidade de algumas investigações. 

Quanto à distinção entre "actos políticos" e actos criminais relativamente aos mesmos factos o problema é de direito, puro e duro. De interpretação de regras jurídicas. E quem as faz? E quem as deve interpretar na fase de inquérito, como no caso Influencer? 

Sendo o assunto delicado é necessário tomar uma opção que é de natureza jurídica, correndo os riscos de se levar em cima com a contestação da "lawfare" como agora acontece. 

Tudo isso contende aliás com outro tema muito querido de um dos subscritores do artigo, Euclides Dâmaso e que é o do relevo da "prova indirecta" para sustentar acusações em processo penal. O assunto por vezes é tão delicado que aí sim!, seria curial a intervenção hierárquica apoiada em juristas de renome da PGR. Que os tem, mormente no Conselho Consultivo...

Quanto ao último ponto, sobre as críticas à actuação do MºPº, "internas ou externas", o recado vai direitinho para o processo disciplinar instaurado à PGA Maria José que por escrever um artigo de opinião, discutível e até lamentável se vê agora em palpos de aranha, num CSMP que se dividirá quanto à eventual responsabilidade disciplinar, o que deveria ter sido evitado. 

Não é por se escreverem críticas acerbas a colegas magistrados ou se apresentarem visões diferentes, ou nem tanto assim, do MºPº, que um magistrado deve ser punido nesse exercício de liberdade de expressão. 

Em Abril...águas mil!

quarta-feira, abril 10, 2024

Megaprocessos...quem os quer?

 Novo:



 
Claro que deve ser a estrutura interna do MºPº a lidar com o assunto. Mas não o CSMP que é apenas um órgão de gestão e disciplina e com elementos que não devem lidar com processos concretos em curso e em segredo de justiça. Imagine-se, in illo tempore, um Magalhães e Silva a chamar um figo a um mega que teria lá dentro a sua figura como advogado de entalados...
O DCIAP depende da PGR e por isso será preciso que esta entidade se articule com o director do DCIAP para melhor encontrar a solução dos casos concretos. 

domingo, março 24, 2024

O Ministério Público na fronteira política

 Esta notícia do Público suscita várias perplexidades que se concentram numa: o Ministério Público na defesa da legalidade dos interesses difusos, neste caso ambientais, sobrepõe-se a decisões políticas em nome de uma ideologia política concentrada numa legalidade discutível e penosa para o senso comum. 

O mesmo argumento poderia ser usado no caso Influencer em que o desfecho se concentra na manipulação política do Executivo de instrumentos legais do mesmo género, por concluir que afinal podem atentar contra o mesmo senso comum. A diferença gritante, mesmo ululante é apenas a de que no caso Influencer o tráfico de influências e abuso de poder, para além do mais, é evidente e criminosa até ao mais alto nível, na minha opinião e neste caso não será assim.

A contradição nestas situações é também evidente uma vez que é o poder político que legisla e ao mesmo tempo tenta contornar as próprias regras do que legislou, por verificar que atentam contra o sentido geral da comunidade e dos bens públicos em presença. Sinal inequívoco de incompetência legislativa e sem válvulas de escape que prevejam o que o deveria ser. 

Leia-se o artigo para se compreender melhor:


Há um projecto de construção de uma central solar que se afigura ser a maior da Europa, em Santiago do Cacém, no Alentejo. 

Uma associação cíviva, das que lutam pelas causas ambientais com projecto político escondido e omisso, contestou desde logo a iniciativa e apresentou queixa e acção contra o poder político que licenciou tal empreendimento gigantesco que abrange cerca de mil hectares ( mil vezes dez mil metros) e a implantação de dois milhões de painéis fotovoltaicos. Tudo para produzir energia "limpa" com destino a consumo, eventualmente doméstico- cerca de 430 mil residências podem usufruir de tal produção energética solar. 

O Ministério Público no âmbito das suas atribuições cíveis de defesa de interesses difusos, ambientais, analisou o projecto e as condições de licenciamento do mesmo e conclui que foram violados pelo próprio Estado licenciador, "um conjunto alargado de instrumentos de gestão territorial e de regimes jurídicos de protecção de recursos naturais", incluindo por exemplo o abate de eucaliptos, mais de um milhão deles, os tais que secam tudo à sua volta e são contestados como monocultura em determinadas regiões, por causa dos mesmíssimos argumentos agora usado de modo camuflado: servirem interesses privados. 

Para além disso sobram as tecnicalidades do costume em que os juristas do Ministério Público podem ser exímios no respectivo uso processual: o referido leque alargado de instrumentos de gestão territorial num sítio pejado de eucaliptos afinal inclui a transformação do terreno de eucaliptal em parque solar em violação de regras definidas como Reserva Ecológica Nacional. Foi por estas e por outras que se inventou no tempo de José Sócrates, a famigerada designação de "PIN" para abranger lugares em que os tais instrumentos de gestão territorial impediriam a construção de empreendimentos entendidos como necessários e convenientes para o bem estar geral das pessoas e portanto para manter um ambiente com a qualidade exigível sem prejudicar o bem estar geral, desígnio político central na actividade do executivo. 

Os "pareceres negativos das várias entidades como o ICNF, o LNEG e uma directora de impacte ambiental da APA" não foram suficientes para evitar ou inviabilizar o empreendimento e por isso o Ministério Público entrou na liça em defesa da legalidade estrita, desgarrado completamente dos considerandos de oportunidade que no direito penal não são negociáveis por força da lei,  mas em direito civil e administrativo evidentemente que o podem e devem ser, principalmente quanto estão em jogo interesses da comunidade conflituante como são evidentemente estes que se apresentam. 

Neste caso não o foram e o Ministério Público actuou em modo autónomo e independente do poder político, como deve ser mas nem sempre será aconselhável que o seja porque depende do poder político executivo, desde logo dos departamentos governamentais para sustentar acções do género. 

Os processos e dossiers administrativos servem para se ponderarem previamente os interesses em jogo e analisar os factos, leis e adequação e proporcionalidade das actuações. Pelos vistos foi sempre a abrir...e sem tais considerandos, sequer contemplados por quem decidiu. 

Torna-se relativamente simples e é fácil impugnar judicialmente, pelo Ministério Público, decisões político-executivas que não respeitem estritamente o estipulado no "conjunto alargado de instrumentos de gestão territorial e regime jurídico de protecção de recursos naturais"  

 A questão porém, mantém-se: deve o Ministério Público fazê-lo à outrance, sem outra legitimidade que não seja a de defensor de interesses difusos em prol da comunidade que eventualmente não os queira defendidos de tal modo, quando pode sentir, através dos seus órgãos representativos e politicamente eleitos, que há outros interesses difusos, e não só, a defender, igualmente legítimos? Que afinal é preciso ponderar e reflectir nas consequências do legalismo à outrance e sem atender à particularidade de legislação mal concebida e inadequada a proteger situações concretas, apesar de aprovada pelo poder legislativo e tornada lei executiva? 

Ou seja e resumindo: quem deve escolher entre dois interesses, sejam eles difusos ou não, igualmente legítimos, optando em modo político? O Ministério Público ou o poder que existe para tal, ou seja o poder político, no caso executivo?

Será este o problema central da acção cível proposta pelo Ministério Público, se descontarmos um autismo que pode muito bem justificar uma actuação contraditória ou até um modo de pensamento demasiado isolado dos próprios interesses em jogo, para sugerir o lado mais benevolente de tal situação. 

Os tribunais, como entidade independente, decidirão e será difícil a decisão porque terão necessariamente que sair da zona de conforto do legalismo estrito e entrar a direito pelo direito e pela justiça, já que o Ministério Público actuou em modo jacobino e a defender uma parte da parte dos interesses em jogo. 

E não é seguro que tenha sido a melhor parte...

sábado, março 23, 2024

Sobre Pedro Arroja e Paulo Rangel não é preciso dizer mais que isto...

 Vem no artigo de hoje, de Francisco Teixeira da Mota no Público: 


É confrangedor como certos juízes ainda não entenderam o que é jurisprudência pacífica do TEDH e continuam a confundir direitos e a condenar a eito, sem ajuizar direito.

quarta-feira, março 20, 2024

A Esquerda tem uma arma: as tretas

 Hoje no Observador, este artigo de Luís Cabral de Moncada, familiar directo de um outro Luís que foi professor em Coimbra, contemporâneo de Salazar e deixou um livrinho de memórias, uma espécie de biografia muito interessante de ler para quem quiser perceber o contexto português, social e académico nesse tempo do "antigamente", o que definitivamente poucos apreendem devidamente fora dos parâmetros da linguagem de esquerda que foram aprendendo segundo o método gramsciano, meticulosamente usado de há 50 anos, ou mais, a esta parte. 

Por isso se torna interessante o artigo porque toca no essencial: no uso da linguagem por banda da esquerda que o autor apelida de radical mas nem tanto assim. Toda a esquerda comunga nas concepções gizadas pelo marxismo-leninismo, seguindo a cartilha actualizada em modo semântico e linguístico pelos intelectuais das tretas filosóficas, vindas particularmente de França, durante o séc. XX. Sobre isso é que o autor deveria escrever mais demoradamente porque é esse o problema cultural em que se vive: o busca incessante do domínio político através das tretas ideológicas de sempre, com destaque entre nós para o conceito de "fassismo", um neologismo que para muitos explica tudo do passado do tempo de Salazar. E como tal passado só se modificou radicalmente em 1974 nem lhes interessa saber se depois de 1968 Salazar ainda vivia politicamente ou se o regime e a sociedade já eram diversos. Para o marxismo-leninismo-trotskismo era o mesmo de sempre e daí a amálgama e confusão propositadas. A diferença real e vivida, por quem se lembra, é-lhes perigosa para os conceitos e por isso os obliteram e omitem permanentemente, continuando as tretas de sempre para convencer quem não quer saber melhor. 

Os jovens e uma certa camada social desfavorecida pelo sistema político-governativo que tem Estado, não se interessam por tal coisa uma vez que vivem na pele os efeitos das tretas e sabem por isso que algo está errado entre a realidade e tais tretas. E pelos vistos votam contra os que as defendem...










O académico leu Husserl e Wittgenstein e conhece a "linguistic turn", de raiz saxónica e que explicam o fenómeno exposto. 

Se ler o que o seu familiar escreveu no livrinho de memórias conhecerá e explicará ainda melhor o que falta entender a tal gente das tretas ideológicas de esquerda: confrontá-la com um termo que conhecem bem ou o usam bem sem saber: o "pathos". A forma de convencer muita gente que as ideias que defendem são as certas...e basta apelar ou mesmo cantar aos lugares comuns da "paz, o pão, habitação, saúde, educação" e agora até "justiça" segundo o mesmo cantor da lenga-lenga pós-revolucionária do abrilismo marxista. 

A esquerda pretende sempre uma autoridade moral e social através da defesa do óbvio que todos pretendem, escondendo os métodos horrorosos que escolhem para o efeito, conduzindo multidões ao logro. Foi assim no Leste europeu e continua a sê-lo nos poucos sítios onde ainda domina com tal ideologia. A principal arma para a manutenção de tal poder político é simplesmente a da violência e repressão social a todos os níveis possíveis e imaginários, começando na lavagem cerebral e ideológica. Daí o "fassismo" assimilado a tais métodos que usam como nem sequer o verdadeiro fascismo o consegue fazer. Portanto, um logro, um embuste, como em tempos um desiludido chamado Mário Soares proclamou. Mas como se encontrava em posição de maior força social tolerou os embusteiros e ao contrário do que eles lhe fariam, defendeu a sua manutenção no convívio democrático, para não adulterar os princípios que partilhava com os mesmos. 

As contradições e linguagem continuaram, aproveitando aliás a quem convive nesse limbo que nem é de esquerda nem de direita sempre que a economia toca a rebate. Daí as denúncias que o PCP sempre fez perante as opções de "direita" de um PS que se reclama sempre de "esquerda". 

O PCP, agora reduzido parlamentarmente a um partido de táxi, mas com uma influência social enorme entre o sindicalismo controlado pelo mesmo, bem como o meio mediático, controlado pela esquerda um pouco mais radical, sabem perfeitamente onde está a esquerda: no radicalismo económico e social. E daí a manutenção da linguagem, tal como estudado e agora explicado brevemente no artigo de Cabral de Moncada. 

Não vejo aliás escritos por aí que desafiem tal poder hegemónico, por uma simples razão: medo do anátema que surge sempre do lado de tal esquerda radical quando confrontados com as suas tretas habituais. 

O que vejo, escuto e leio é sempre o mesmo discurso mediaticamente repetido ad nauseam, com as mesmas personagens, sem contraponto ou contraditório. 

Em Portugal, a esquerda, incluindo a moderada, tem todas as armas das tretas que defendem. E usam-nas. Sem contraditório ou confronto. Por medo dos contestantes, parece-me.

Há 50 anos que vivemos nisto e parece-me aliás ser esse o fenómeno mais relevante socialmente determinante da realidade em que vivemos. Essa é outra prova dos nove para o artigo do postal anterior.


terça-feira, março 19, 2024

Manuel Soares: a prova dos nove da mistificação

 O juiz Manuel Soares, na pele de cidadão meramente opinador porque já deu o lugar de sindicalista a outro, deu mais uma mostra do seu idiossincratismo singular. 

Assim, na edição comemorativa dos 45 anos do Correio da Manhã, a escrever sobre o que faz falta na justiça e pretende fazer uma prova dos nove, recuando ao "antigamente":


Vamos então ao "antigamente" que pelos vistos é uma antiguidade arqueológica para quem tem 60 anos e se presta a mistificações. 

Escreve o actual juiz, na veste de opinador que  "antes de Abril de 1974, os juízes começavam assim" e transcreve este texto do Decreto-Lei 27 003 de 14.9.1936:


Antes do mais, 1936, pois então. Antes da guerra e em plena Front Populaire que evidentemente tem algo a ver com o assunto. Por outro lado, o repúdio do comunismo como declaração de honra de funcionários públicos em países europeus, e por esse mundo fora, sem o labéu de fassistas, terá também que se investigar, mormente em países democráticos, onde o Partido Comunista foi proibido. E por exemplo, nos EUA em 1954 e noutros lugares deste mundo. 

Não era uma particularidade do fassismo português mas nem é isso que interessa aqui, para denotar a mistificação. 

A verdade é que a Constituição de 1933 tinha uma ordem social como a actual também tem, sendo a originária aprovada em 1976. E dizia assim, o que a anterior nem se atrevia a dizer a propósito do mesmo assunto: 


Portugal era constitucionalmente um estado democrático empenhado na sua transformação numa sociedade sem classes e a caminho do socialismo. 

Não poderia haver maior clareza na definição do que se entendia ser o destino comunista de Portugal, em 1976: marxismo, socialismo e sociedade sem classes. Há dúvidas quanto a isto? 

Seja como for, o PCP teve uma votação relativamente inexpressiva em 1975 e continuou a tê-la nas eleições seguintes, acabando agora como mais um partido de táxi, como aliás sempre deveria ter sido na minha modesta opinião que aliás é sufragada pelas instâncias europeias que acabaram por considerar o comunismo como o irmão gémeo do fascismo e nazismo. 

Isto que era claro para Salazar nos anos 30 e 40 deixou de ser para os nascituros da democracia que nunca viram o carácter radical e profundamente anti-democrático do comunismo. Continuam a achar que sim, que é um partido como os outros, essencial à democracia e que o inimigo da mesma é a "extrema-direita" que já nem existe nos termos e moldes do tempo do Front Populaire. Enfim, um problema cultural, grave e que me parece de simples iliteracia político-ideológica de quem se deixou lavar pela televisão e leituras leves, por não haver tempo para mais. 

Seja como for, a declaração de honra acima referida foi abolida ainda no tempo da Constituição de 1933 e já durante o governo de Marcello Caetano. Portanto o que escreve o inefável juiz na pele de cidadão opinador é uma mera mistificação que só o deslustra pela desilustração que revela e enviesamento político assinalado. Deve ser dos que acha horrível e criminoso defender Salazar ou o Estado Novo...preferindo defender o comunismo porque esse, sim, é defensável!

Ao contrário da declaração solene da Constituição portuguesa de 1976, para todos os efeitos um princípio estabelecido, a declaração política que derivava da lei ordinária de 1936 deixou de fazer sentido ao longo das décadas, continuando como letra morta. O partido comunista era proibido porque era "subversivo" e pretendia alterar o regime pela violência de aras e afins, tal como hoje se proíbem organizaões fascistas, seja isso o que for, porque não está legalmente definido. Hoje não há repressão como "antigamente"? Não, os tempos são outros e por isso há apenas a ostracização social e política, com perda de emprego ou de lugar em sociedade, para os que podem ser considerados fascistas ou mesmo a prisão para os que se não arrependam e sejam activamente subversivos, mesmo por palavras. Está na lei democrática. 

Não obstante em 1969 surgiu o Decreto-Lei 49397 de 24.11.1969 que não alterou a Constituição e apenas modificou regras administrativas da função pública e outras, abolindo aquela declaração obrigatória.  Escrever "antes de 1969", como deveria,  não é o mesmo que escrever "antes de Abril de 1974", com tudo o que isso implica e no contexto aludido:






Não foi só a declaração de 1936 que foi abolida mas também a de 1901 que obrigava a declaração de honra sobre pertença a associações secretas como a Maçonaria e impediria em princípio e ipso facto tais funções a quem dela fizesse parte. 

Ora é sabido como alguns ministros de Salazar poderia pertencer a tal confraria...e nem isso impediu a função pública dos mesmos. Como Albino dos Reis ou Bissaia Barreto, um grande amigo de Salazar. 

Assim, a mistificação evidente decorre de um escrito que contêm outras mais, ao comparar e descontextualizar o sistema de justiça do antigamente com o actual. 

Melhor seria ler o advogado e professor José António Barreiros para entender subtilezas que uma harmónica desafinada nunca entenderá, preferindo ver a branco e preto o que tem várias tonalidades cromáticas que aquele, mesmo sendo de esquerda sabe assinalar. 

Como juiz, esta idiossincrasia não augura nade bom para os justiciáveis sob alçada do dito. 

Mais uma vez, só assim, ridendo castigat mores...