domingo, julho 19, 2009

os ovos da serpente

Nuno Pacheco, em editorial no Público de hoje, interpreta a frase de Alberto João Jardim, sobre a putativa proibição do comunismo.

Em dado passo, transcreve uma citação de um autor húngaro, Imre Kertész, judeu preso pelos nazis em Auschwitz e Buchenwald, sobre o assunto, ou seja a diferenciação entre fascismo e comunismo. Vale a pena citar: "À estúpida pergunta sobre se vemos diferença entre fascismo e comunismo, podíamos dar esta resposta breve: o comunismo é uma utopia, o fascismo é uma prática-o partido e o poder é quanto os reúne e faz do comunismo uma prática fascista."

Esta subtileza de justificação do injustificável é o ponto de toque de toda a condescendência que o comunismo tem obtido da nossa intelligentsia ao longo de décadas: a proposta humanista do comunismo é um logro. É ou não é? Foi ou não denunciada ao longo destes últimos anos de desmistificação do comunismo na sua apresentação mais clara e corrente que foi o comunismo soviético?
Foi. Tem sido. Mas ainda não é suficiente, porque aparecem sempre os Nunos Pachecos e uma fila interminável de intelectuais da escrita capazes de aceitar o inaceitável e tolerar o intolerável: a ditadura comunista não se distingue do fascismo no essencial da sua ambiução e projecto: a criação de um Homem Novo, sem atender aos danos colaterais e principalmente pressupondo a necessidade dos mesmos que passa sempre por massacres e limpezas humanas. Sejam étnicas, sejam de classes sociais, o efeito de tragédia humana é o mesmíssimo. O sofrimento é o mesmíssimo e as feridas sociais são as mesmas também.

Escrever e citar, subscrevendo, que o fascismo é uma prática nociva, por contraposição a uma utopia benigna do comunismo, é a maior falácia construtivista destes pós-modernos. Insere na explicação do comunismo a distinção entre a teoria e a prática corrente, sem ligar as duas a um destino fatal: são indissolúveis. O comunismo, enquanto utopia, nunca existiu, transformado em prática aceitável de condução ao destino. Ou existiu tanto como o Céu metafísico dos crentes das mil virgens à espera de cada imolado. Com uma diferença neste caso: o céu dos comunistas é deste mundo.
O comunismo utópico, para estes, é um paraíso terrestre. O inferno advém da prática do partido único da classe operária e da direcção central de poder ditatorial. Como se fosse possível identificar modelo diverso ou possível. Como se o PCP ou o BE pudessem ou quisessem fazer algo diverso se porventura alcançassem o poder político executivo.
Portanto, resta perguntar o que fica do comunismo sem essa essência prática...

Acreditar na distinção de Imre Kertész, subscrevê-la como sendo "estúpida" e erigi-la como modelo de justificação do comunismo enquanto anacronismo ambulante da política portuguesa é continuar a sustentar o ovo da serpente. Neste caso, do comunismo.

A liberdade comunista não tem qualquer futuro para a Humanidade, porque corresponde a uma nova servidão humana. E no entanto é proclamada com a mesma intensidade com que se proclama a palavra democracia.
Como se esta palavra não fosse, precisamente por isso, polissémica e por isso mesmo, com um potencial de engano assinalável. Tem vários significados, até mesmo o de "utopia". E o logro está-lhe na sombra das letras. A democracia popular comunista não equivale em quase nada à democracia burguesa. A não ser o nome da própria palavra, sem conceito semelhante sequer.

O comunismo em Portugal, não tem apenas oficiantes do credo. Tem muitos e muitos acólitos, perdidos ideologicamente, como se verifica por Nuno Pacheco e outros.
Foi isso que o sustentou em Novembro de 1975 e tem sido isso que o tem amparado constitucionalmente.
Mas há uma novidade de vulto: Alberto João Jardim disse o óbvio. Mas não provocou a reacção de há uns dez anos atrás e muito menos de há vinte. Nessa altura, seria expulso do gotha do senso comum. Agora, foi apenas glosado do modo que se lê. Daqui a dez anos, dar-lhe-ão a razão inteira.

27 comentários:

Mani Pulite disse...

Comunismo,Fascismo,Nazismo têm todos a aparência da utopia e a realidade do assassinato de massa.São assim essencialmente iguais e só marginalmente distintos devido aos momentos e lugares diversos onde são aplicados.Tudo o resto são justificações do comunismo feitas por comunistas assumidos ou encapotados.Jardim limitou-se a dizer o óbvio por muito que isso custe aos Louçãs,Jerónimos,Alegres ou Soares deste Mundo.O Socialismo é comum a todos eles seja ele científico,nacional ou "democrático".Até o fascista Mussolini foi um importantíssimo dirigente Socialista.Será necessário dizer mais alguma coisa?

Rebel disse...

O José vai desculpar-me, mas sempre pensei que a sua atenção recaísse sobre gente e não sobre abjecções.
Por esse alcoólatra, como continental, já fui chamado de cubano e já fui chamado de até de proxeneta. Eu e os outros continentais todos.
Acha que essa abjecção etílica, que foi o primeiro a dizer que era preciso partir os dentes às magistraturas que havia que preservar a dignidade de quem era eleito por sufrágio, ainda merece um segundo sequer de atenção de alguém que se preze?

Mani Pulite disse...

O Rato Rebel sempre atento e pronto a defender em Bloco a sua Dama.Diga lá, para sabermos quem você é de facto,uma qualquer variedade de comunista mais ou menos encapotado ou não?Comunismo,fascismo e nazismo são ou não no essencial o mesmo?Depois de responder a esta terá um prémio.Ir beber uns copos com o Jardim na Madeira.

zazie disse...

«Comunismo,fascismo e nazismo são ou não no essencial o mesmo?»

Uma boa pergunta teórica a que não se responde facilmente.

Têm todos proveniências teóricas diferentes, sendo a utopia igualitária bem mais complexa.

Teve ideais religiosos na Idade Média- com o milenarismo de Joaquim de Fiore, por exemplo- e teve muitas outras coisas até chegar ao marxismo dos illuminatti.

Quanto ao fascismo italiano, nunca entendi bem a diabolização.

Mas foi mais diabolizado que o Gulag- que o diga o Ezra Pound que foi exposto em gaiola e acabou internado em manicómio por ter tido fraquezas fascistas.

zazie disse...

Resumindo- em mera teoria o mannerbund nazi de revivalismo clássico não seria mais pecaminoso que o igualitarismo social.

Na prática também parece que ficaram empatados, ainda que o nº de mortos do comunismo seja superior.

Já o fascismo... tirando o saque Etiópia que são feijões por comparação com os saques democráticos do império inglês,não sei não...

zazie disse...

Teoricamente são todos totalitários. O nazi com a pancada necrófila e o comunista com a da luta de classes.

O fascismo passou ao lado disso.

joserui disse...

Eu espero que o José tenha razão na sua conclusão. De alguma forma não estou tão optimista.
Sobre se são iguais, para mim não são. O comunismo onde se instalou só gerou miséria. O fascismo em alguns casos resgatou países da completa falência. Na Alemanha Nazi, o progresso era inegável e a coesão social inabalável. Entretanto a coisa "descambou ligeiramente".
Em termos éticos eram da água para o vinho. Como exemplo a troca de prisioneiros com os Russos onde foram entregues comunistas alemães a troco de fascistas russos. Os russos eventualmente acabaram numa divisão SS (de má memória), os comunistas alemães na Sibéria onde morreram praticamente todos, incluindo o dirigente (sobreviveu-lhe a sua mulher que contou a história se não me engano).
O exemplo pode ilustrar a desconfiança paranóica de Estaline, mas para mim ilustra também a falta de ética de um movimento que se queria internacionalista. -- JRF

zazie disse...

A ver se este ano pego nas utopias. é um tema bem pertinente e nunca o estudei de forma conveniente.

Principalmente na ligação entre utopias religiosas e políticas.

Agora o nazismo nem cinematograficamente me interessou. Detesto a Leni Riefensthal mas gosto muitíssimo do Eisenstein.

O nazismo é mannerbund necrófilo. Nunca entendi como é que aqueles gajos com tantas peneiras de raça superior acabaram a viver como carcereiros dos piolhosos excluídos.


Quanto ao fascismo, é mais via Ezra Pound que outra coisa.

JB disse...

Excelente post.

Aliás todo o editorial do Nuno Pacheco, mais do que assente numa ilusão falaciosa, peca por omitir o PREC na gloriosa descrição de como muitos comunistas morreram a lutar pela "liberdade". Tal omissão já não pode ser visto como uma ingenuidade, porque é dolosa. É esse dolo que incomoda nestes bem-pensantes de esquerda.

lusitânea disse...

Já fui objecto, no Público, duma condenação à fogueira por alegadamente ser considerado um "ovo da serpente"...pensar diferente e anunciá-lo é crime nesta pátria socialista...

Rebel disse...

As práticas políticas totalitárias não deixam de ser totalitárias por se autodenominarem fascistas ou comunistas ou o que quer que seja. Só um estúpido ou um atrasado mental confunde o mapa com o território, confunde o nome com a coisa em si.
Por outro lado, poderíamos abordar a coisa noutra perspectiva de tentarmos quantificar o mal causado por cada um dos regimes ao não-poder. Tenho a impressão de que a coisa acabaria acabaria numa discussão do tipo: "quem matou mais?", sem sequer nos apercebermos que matar um é já verdadeiramente intolerável!
Não lavemos a história que ela já se lava por ela própria (pode concluir-se com Paul Veyne). A história da Humanidade é a história do crime e da atrocidade, da conspiração e da vigarice, de lutas por direitos e reconhecimentos de dignidades.
Se pensarmos que este planeta onde existimos e onde morreremos é somente uma bolinha de ar e água a vogar pelo espaço, talvez isso pudesse conferir-nos alguma humildade que nos permitisse coexistir com o outro e, como diria Claude Levi-Strauss, "suspender o gesto e encontrar o perdão recíproco no olhar de um gato", como lho ensinou Mircea Eliade.
Ainda assim, é notório que existe, mesmo aqui, alguém a quem não faria mal um campo de reeducação comunista ou um de concentração fascista!
Eis a minha agressividade a vir ao de cimo outra vez

Mani Pulite disse...

O Rebel já ganhou hoje o concurso do Eurocitações e está de parabéns por essa razão.Continua é certo sem perceber o que distingue os fenómenos totalitários do Sec.XX da eterna tendência dos humanos para se matarem uns aos outros.Ou porque razão os fascismos são conservadores e o nazismo e o comunismo revolucionários,logo o primeiro mata pouco e os dois últimos praticam o terror e o assassinato de massa.Parafraseando o "divin Marquis", Rebel ,"encore un effort" e mais umas leituras e a luz surgirá no seu intelecto e perceberá porque no essencial comunismo e nazismo são uma e a mesma coisa.Quanto a um estágio-as Novas Oportunidades pagam?- numa instituição de reeducação concentrada sugiro Auschwitz.Aquela ideia ecológica de evitar ocupar espaço com os corpos é muito interessante e moderna e Hitler deve ter-se lembrado disso numas quaisquer Novas Fronteiras do Nazismo.Desse ponto de vista o Stalin era um tosco sebento ocupando,por exemplo, o espaço da floresta de Katyn com as dezenas de milhar de polacos assassinados.Pior atentado ao Ambiente só mesmo o Freeport em Alcochete.De qualquer modo,se a sua ideia nos momentos de raiva é mandar o Jardim ou o autor destas linhas para o fumo eterno, sugiro desde já umas pequenas adaptações.Em vez do Zyklon-B só vapores de alcool e no forno crematório nunca outro combustível que cachaça destilada.Umas rodelas de lima-limão também ajudam a um passamento mais feliz.

Rebel disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Rebel disse...

Se houvesse um de estupidez e monolitismo o resto da malta só poderia lutar pelo segundo lugar por muito que se esforçassem e o demonstrassem ser! Eu que acreditava que não havia gente estúpida, mas só comportamentos estúpidos, terei de rever a minha posição quanto a isso!
Quanto a ser isto ou aquilo, da ultima vez, votei nos meus bolicões (primos afastados dos bolicaos), pois à semelhança de Bernard Shaw, só admitiria ser sócio de uma sociedade que não me admitisse como tal. Se isto serve de modelo a alguém, é melhor repensar a vida a outra luz!
Isto da liberdade, apesar de poder ser entendida como uma topologia da solidão, é melhor que uma benção para um católico: não estou ao serviço de ninguém a não ser da minha consciência. A nada devo obediência e quem não está comigo, não está necessariamente contra mim, Nem mesmo o divino marquês que, como escritor, foi pouco menos que mediocre. Quantas vezes melhor é Thomas de Quincey... ou mesmo Celine ou um pouco mais fraquinho que estes, mas bem melhor que Sade, Bataille.

zazie disse...

è pá, ó Rebel, estás farto de citar o Oscar Wilde e nunca acertas.

Quem disse essa do clube foi ele, no retrato de Dorian Gray e o Groucho copiou-o.

Rebel disse...

Vai, por favor verificar isso, porque se bem me lembro, Foi o George Bernard Shaw que inventou essa anedota. Era um passatempo dele: criar anedotas!

zazie disse...

Não, não foi. E no outro dia disse que era de outro qualquer diferente.

A citação é do Oscar Wilde e vem no Retrato de Dorian Gray.

O Groucho Marx também a usou mais tarde.

zazie disse...

No outro dia dizia que era do Mark Twain.

Rebel disse...

SIm, mas quem criou a anedota foi o Shaw.
Oscar Wilde tem algumas muito boas que são dele, mas a melhor de todas é da mãe dele:
Numa carta que ele dirige à mãe, dá-lhe conta de dificuldades financeiras que atravessava e as exigências de um inumerável rol de credores e o quanto tal situação poderia ferir a sua honestidade e a sua honra.
A mãe, em resposta a estas preocupações escreve-lhe qualquer coisa como isto:
Meu filho, a honra e a honestidade são valores próprios dos comerciantes. Nós, estamos acima disso!

Rebel disse...

A melhor de todas de Oscar Wilde dá-se no seu leito de morte. Estava já o batalhão de médicos de que se socorreu a deitar contas à vida e sem saber quem lhes iria pagar quando ouvem o seguinte do moribundo Wilde:
Morro como sempre vivi: acima das minhas posses!

zazie disse...

Foi o Shaw onde?

Rebel disse...

Não me lembro onde! Sei somente que uma vez li isso não num livro do Shaw mas noutro que lhe atribuía a autoria da piada e que frisava essa sua faceta de criador de anedotas. Agora, isso foi há mais de trinta anos e não sei onde terei lido isso, mas vou tentar descobrir porque se não foi, começo a desconfiar que terei ganho aquele amigo alemão ....

Rebel disse...

Assim que conseguir a referência eu dou-ta!

zazie disse...

Ok. Nunca li nada disso e é nonsense típico do Wilde.

zazie disse...

E era um bocado foleiro o Oscar Wilde que nem gramava o Bernard Shaw usar um non-sense deste num livro...

Rebel disse...

Mas quando as pessoas têm de comer, quase tudo se torna lícito...

Rebel disse...

Zazie: Não consigo encontrar a fonte que me levou a afirmar o que afirmei. Peço desculpa! Esta cabecinha começa a falhar naquilo que não devia!

A obscenidade do jornalismo televisivo