quarta-feira, março 03, 2010

Juridicamente político

Segundo os jornais de hoje ( CM, DN e DA), a reunião que ontem aconteceu na PGR com o CSMP, decorreu a contento de todos os seus 18 elementos.

O PGR explicou através de um dossier com algumas passagens dos seus despachos. Os membros do Conselho perguntaram o que entenderam e houve respostas.

Segundo esses jornais, a essência das questões, foi jurídica e centrada no processo penal. Fatalmente, acabaram por discutir a oportunidade para realização de um inquérito, segundo os critérios de legalidade e fatalmente, apareceram duas posições jurídicas: a dos membros designados pelo poder político acharam que sim senhor, é possível e foi desejável, no caso concreto arquivar liminarmente uma denúncia. Os magistrados colocaram as suas dúvidas acerca de tal procedimento.
Mas todos saíram bem, porque as discussões jurídicas são mesmo assim: haverá sempre quem diga o contrário, em contradição com o oposto em contraponto a uma pirueta teórica no circo do Direito.
Foi exactamente por causa deste tipo de faenas circenses que Orlando de Carvalho revelou ser o Direito, talvez, uma aldrabice secante.

O que sobra portanto e em concreto de uma reunião de longas horas que preenchem um dia?

O que se pode conhecer é pouco, filtrado por alguns membros do conselho que aceitam falar de modo anónimo para os jornais, sem mediação de autoridade oficial que se limita a um comunicado críptico de alguns parágrafos, redigido de modo semelhante a um contrato de compra e venda em que todas as vírgulas das cláusulas contam para a vinculação dos contraentes.
É o costume e um sinal de que estes assuntos ficam reservados a iniciados e o público fica de fora, a olhar cabras, como dantes se dizia.

O que resulta do esclarecimento apócrifo e anónimo é citado hoje pelos jornais: toda a gente saiu bem da fotografia de conjunto dos 18 elementos. Saíram bem os magistrados de Aveiro que cumpriram galhardamente o seu dever. Saiu muito bem o PGR que se livrou de uma espécie de moção de censura interna e saiu bem o conselho que afirmou a autonomia do MP, relegando para o interstício da má língua todas as alusões a uma espúria e indesejável contaminação política.

No entanto, tudo fica na mesma, como dantes.
O Conselho dividiu-se entre a ala política e a ala supostamente técnica. A ala política, com excepção de um elemento designado pelo PSD ( segundo o CM), apoiou sem reservas o PGR, com destaque, segundo os jornais, para um novel conselheiro, José Manuel Pinto Ribeiro que defendeu o PGR e os seus despachos.
A ala técnico-jurídica lançou dúvidas sobre o comportamento jurídico do mesmo.
Só este facto, a ter ocorrido, dá a imagem do inevitável contorno político da discussão.

Assim, retomem-se as declarações de Pinto Monteiro à Visão:

É também importante dizer que o chamado caso das escutas, no processo Face Oculta, é neste momento meramente político. Petende-se conseguir determinados fins políticos utilizando para tal processos judiciários e as instituições competentes. É velho o esquema. Como facilmente se constata na PGR, poucos políticos relevantes escaparam a esta armadilha política”.

Esta afirmação do PGR foi comentada ontem no CSMP? Não se sabe, mas presume-se que sim. E que significado poderá ter para o leitor comum?
O que Freitas do Amaral já deu e Eduardo Dâmaso lhe dá no editorial de hoje do Correio da Manhã: um significado político de relevo, porque foi o próprio Pinto Monteiro quem se colocou, várias vezes, no terreno político, recusando no entanto aí se encontrar mesmo perante evidências escritas. E ainda porque os magistrados de Aveiro tinham sido “implicitamente atacados por Pinto Monteiro e abertamente pelo PS”.
Não é esta a verdade factual conhecida? Não foi apenas um partido político e mesmo os seus dirigentes máximos quem defenderam sem reservas o actual PGR na posição "técnico-jurídica" que escolheu contra o parecer de outros?

No CSMP de ontem, quem defendeu Pinto Monteiro sem dúvidas? Quase todos os elementos designados pelo poder político, apenas.
Não deixa por isso de ser irónico que o comunicado do CSMP enfatize, para o denegar, o único aspecto que releva neste assunto: a relevância política do mesmo, com o contorno que se conhece publicamente.
Com um pormenor de relevo: Pinto Monteiro “escondeu”, na expressão do CM, a versão integral dos despachos que proferiu, certamente fundamentado em razões de ordem jurídica. As tais que foram discutidas durante horas a fio para se concluir que há duas posições: uma a favor e outra contra.
Este costume inevitável dos juristas é o que desacredita o Direito e a Justiça porque o povo comum, o não político e o não técnico, percebe o essencial do assunto em questão e que subjaz sempre a estas discussões como um pathos de não dito, de interdito e de hipocrisia. Mas sempre com afirmação de princípios grandiloquentes.
É esse o ambiente jurídico habitual em que os factos tomam a aparência de sombras perante as realidades formais apresentadas como verdades materiais que os contrariam.
O principal problema dos juristas é esse. E a dificuldade em se fazerem entender e aceitar devidamente aí reside.
No fundo dessa forma, habita quase sempre uma mentira ou uma verdade interdita e que se entende claramente sempre que outros factores de interpretação se conjugam com os estritamente jurídicos que lhe dão o contorno da imagem.
Esta, no entanto, está à vista de todos, mesmo os que votam contra. Sendo a favor. Por serem contra favores, como deve ser.

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