quarta-feira, agosto 10, 2011

Mais uma novela politico-judiciária-mediática

O Público de hoje rejubila com a investigação criminal sobre a "secreta" e titula: "Maria José Morgado vai investigar se Silva Carvalho cometeu algum acto ilícito quando dirigia "secretas" ( sic).
Na última página até coloca a efígie de MJM com seta para cima e a menção a que "é mais um caso complexo que vai chegar às mãos da responsável máxima do DIAP, Maria José Morgado. Aliás, todos os casos complexos acabam por ser entregues a esta procuradora."
Duvido que seja um caso tão complexo assim ( e se o chegar a ser já não será MJM a competente para investigar) e não é verdade que todos os casos complexos vão parar ao DIAP. Ao tempo que a jornalista Maria José Oliveira anda a escrever sobre assuntos judiciários, já deveria saber isto tão bem como qualquer pessoa que lida com estes casos.

Então recapitulemos com uma passagem de uma notícia do Expresso online de hoje, jornal que continua a dar-lhe e a burra a fugir.

Na nota à imprensa, o gabinete de Passos Coelho lembrava que Silva Carvalho admitiu, numa entrevista ao DN, que "transmitiu a entidades privadas" quando ainda estava em funções, "através do seu e-mail pessoal", informações sobre diversas matérias.
"Havendo diligências cuja realização só pode ser concretizada no âmbito de uma investigação criminal, o secretário-geral do SIRP colocou já à consideração do Procurador-Geral da República a instauração de um inquérito criminal para que possa ser apurada a eventual prática de factos passíveis de procedimento criminal", lê-se no texto.
No comunicado, recorda-se que Pedro Passos Coelho recebeu o relatório que tinha pedido ao secretário-geral do SIRP ao caso das fugas em que se conclui pela "existência de irregularidades na preservação do sigilo de matérias classificadas".
Ainda segundo o relatório, as matérias em causa "não serão susceptíveis de colocar em causa a segurança interna e a defesa dos interesses nacionais".
No entanto, "não se afasta por completo a possibilidade de ter existido violação do Segredo de Estado ou o dever de sigilo, que, a ter existido, configura, nos termos da lei, a prática de crime".
Na quinta-feira passada, no final de uma reunião, à porta fechada, com a comissão parlamentar de Assuntos Constitucionais, sobre alegadas fugas de informação por parte de Jorge Silva Carvalho, o presidente do Conselho de Fiscalização do Sistema de Informações da República, Marques Júnior, afirmou que houve "utilização indevida de meios afectos ao SIED" e "envio indevido de informação", o que, contudo, não é susceptível de "colocar em causa a segurança interna e a defesa dos interesses nacionais".

O caso foi iniciado pelo Expresso, que recentemente noticiou que o ex-director do SIED passou à empresa privada Ongoing, onde trabalha actualmente, informações relacionadas com dois empresários russos e metais estratégicos, antes de abandonar a chefia do organismo, em Novembro de 2010.

Porém, Silva Carvalho garantiu, por intermédio do seu advogado, que "não enviou informação do serviço de informações para a Ongoing, nem nunca tal afirmou" e exigiu o "urgente conhecimento integral" das conclusões do relatório do Conselho de Fiscalização sobre fugas.

Portanto, o que temos é um inquérito criminal para saber uma única coisa: se o ex-director do SIED ou outrém cometeu qualquer crime. E tão só. E que crime? Apenas o de violação de segredo de Estado ou outro dever de sigilo mais difícil de determinar. O crime de violação de segredo de Estado tem este contorno:
Artº 316º C.Penal:

Quem, pondo em perigo interesses do Estado Português relativos à independência nacional, à unidade e à integridade do Estado ou à sua segurança interna e externa, transmitir, tornar acessível a pessoa não autorizada, ou tornar público facto ou documento, plano ou objecto que devem, em nome daqueles interesses, manter-se secretos é punido com pena de prisão de 2 a 8 anos.

Desde logo avulta o seguinte que o jornalismo caseiro não se lembrou de indagar: o crime de violação de segredo de Estado é um crime tipicamente designado como sendo "contra a segurança do Estado" ( Título V, Capítulo I, do Código Penal).
Segundo o organigrama do DCIAP este tipo de crimes é da sua competência exclusiva no que tange à respectiva coordenação da investigação. Portanto, segundo essa regra, não é o DIAP quem coordena a investigação, mas o DCIAP. Isso se foram seguidas as regras instituídas...e portanto tal coordenação implica "o exame e a execução de formas de articulação com outros departamentos e serviços, nomeadamente de polícia criminal, com vista ao reforço da simplificação, racionalidade e eficácia dos procedimentos;"
Não estou a ver Maria José Morgado a dar satisfações assim tão detalhadas ao DCIAP...
e além disso há outro inquérito sobre a mesma matéria em que há um queixoso, precisamente o suspeito Carvalho, por ter sido vítima de violação de correspondência, neste caso electrónica ou de devassa informática. Estes crimes assumem natureza semi-pública e pública, no caso da devassa e têm molduras penais que não ultrapassam os dois anos de prisão. Para investigação destes crimes é competente o DIAP, mas obviamente há conexão processual entre estes e aquele de violação de segredo de Estado, o que implica a sua junção no mesmo processo, segundo as regras habituais e que obrigam a que o que corresponde pena mais grave absorva processualmente o outro. Logo...
Por outro lado, como é que se investiga um caso destes em que as provas do crime são as informações transmitidas em violação de regras impostas legalmente quando o próprio director agora suspeito do crime, foi o seu delator em entrevista a um jornal?
Segundo as notícias dos jornais que não esclarecem devidamente, como é habitual, este inquérito só se instaurou depois de os próprios serviços de informação concluírem que havia diligências de prova que careciam de autorização judicial, ou seja em sede de processo criminal, como seja a consulta de correspondência electrónica. Mas à partida nem suspeitas haveria de violação de segredo de Estado, pela averiguação que os serviços efectuaram. Assim não se compreende muito bem a finalidade deste inquérito, o qual aliás só foi remetido à PGR ( tem de ser sempre a PGR a analisar estas coisas cuja investigação compete a outrém?) por via de dúvidas e mais nada. Dúvidas do secretário-geral do SIRP...que anda muito dubitativo.
E segundo se depreende e o jornalismo português não compreendeu, este inquérito só resulta da circunstância de o próprio suspeito, o ex-director do SIED ter declarado que transmitiu informações enquanto tal, mas com autorização superior que no caso seria o próprio primeiro-ministro, através do secretário-geral do SIRP, Júlio Pereira. Este indivíduo parece que se demitiu e não demitiu. É assim a modos de um gato de Schroedinger, está e não está morto. Está por isso num limbo que incomoda os poderes instituídos e é pena porque a transparência democrática implica duas coisas: a igualdade de todos perante a lei, incluindo o secretário geral do SIRP, por mais imunidade aparente de que goze; e a legalidade estrita, porque quem é suspeito de cometer ilícitos, se tal for do conhecimento das entidades competentes, não pode safar-se num jogo com os princípios de oportunidade. Parece-me isto tão claro que quem joga este jogo entra num campo demasiado escorregadio. Mas enfim, logo se verá.

1 comentário:

Floribundus disse...

o gato do físico Austríaco Erwin Schrödinger estava ligado à procura da realidade quântica: simultaneamente estava presente e desaparecia.

a realidade portuguesa existe e desaparece ao mesmo tempo.
tem ainda o poder da ubiquidade.

estou cansado da politica queirosiana «sobre a nudez crua da verdade, o manto diáfano da fantasia»

depois de criar o poste de arte 'viático de vagamundo' iniciei 'my vortex' sobre ciências ditas positivas.

por muito que custe à família uso as expressões 'lixo humano' para os elementos dos gangs de colarinho sujo e 'pocilga' para o rectângulo onde nos confinaram