terça-feira, janeiro 03, 2012

O "advogado do crime" das elites

Imagem do Público de hoje.

Rui Patrício é um advogado da firma Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva e Associados, (uma das firmas do regime; uma das três irmãs que segundo Júdice deveriam sempre ser consultadas em assuntos de Estado...) onde está desde 2005, altura da ascensão ao poder executivo do PS de José Sócrates. Esteve no Conselho Superior da Magistratura de Maio de 2009 até há pouco tempo. Rui Patrício foi um dos membros do CSM ( nomeado pelo PS) que pretendeu castigar o juiz de instrução do processo Casa Pia, Rui Teixeira, numa decisão de tal modo grave e politicamente condicionada que só envergonha o poder judicial corporizado naquele CSM. Foi essa uma das páginas mais negras do poder judicial em Portugal, a par das decisões sobre o processo Face Oculta, acerca da "extensão procedimental". Tudo, aliás, com a mesma origem política. Para Rui Patrício, estes fait-divers, porventura nada têm a ver com a crise da Justiça, embora sejam a sua manifestação mais saliente e importante nos últimos anos. Essa, sim, é a verdadeira face oculta da crise da Justiça: a degradação da sua independência e da sua autonomia. A erosão da sua importância como poder de supervisão de outros poderes, em democracia. Rui Patrício contribuiu como poucos para essa erosão. Mas nem sequer tem consciência disso, pelos vistos.
Ao mesmo tempo que estava e permanecia no CSM era advogado de José Penedos, um dos arguidos mais proeminentes do Face Oculta e um dos sombras do regime e do Estado a que chegamos.
Na altura não viu qualquer incompatibilidade ética com o facto. E agora acha que toda a acusação é "um romance". Negro, por supuesto.

Hoje, no Público dá entrevista onde fala sobre a Justiça e a crise da mesma cuja ideia, falsa, entende ser aproveitada por dois tipos de pessoas : quem nada percebe do assunto ( jornalistas, obviamente) e quem tem uma agenda na área, a quem a ideia de crise aproveita sempre. A propósito, Rui Patrício deveria pregar o discurso ao sócio principal da firma, José Manuel Galvão Telles, outro inoxidável do regime ( que uma vez teve azar...) que pensa de modo diverso...

Ao jornal i, de há cerca de quinze dias, sobre o fenómeno da mediatização excessiva de casos judiciários, dizia assim: "Mas andamos sobretudo a não medir as consequências do excesso de opinião, da mediatização da justiça, da superficialidade e da rapidez dos juízos. E não estamos no mundo de fantasia da Alice, embora às vezes pareça. Estamos no mundo real e com consequências reais."
Quando Rui Patrício fala sobre o "romance" da acusação no processo Face Oculta, para defender o seu cliente, sabe perfeitamente que assim não é. Sabe perfeitamente que os investigadores do processo chegaram ao cerne do mal da corrupção no Estado. Sabe, como disse o seu colega Rodrigo Santiago, que esse processo contende com as mais altas esferas da administração do Estado que temos e tivemos nestes anos mais chegados a nós.
Sabendo tudo isso, resume o que sabe a uma ideia fantasiosa de mundo de Alice. Acaba exactamente por fazer o que vitupera aos mediáticos. Com uma diferença: por motivos de agenda pessoal. Interessa-lhe pessoalmente fazer passar essa mensagem em nome dos interesses do seu cliente e dos seus, obviamente ( não consta que faça advocacia pro bono, neste caso).

O que diz na entrevista sobre a crise na Justiça é quase irrelevante porque inteiramente deletério, embora seja contra a corrente dominante do pensamento mediático. O que diz sobre a crise da Justiça é fruto de meros palpites empíricos. Não acredita na crise da Justiça porque acha que em 2o anos as coisas melhoraram substancialmente no que se refere aos processos atrasados. O que sendo verdade, não desmente os atrasos crónicos, sem solução à vista, nos processos administrativos e fiscais e em sede de processos executivos. Que se agravaram e ninguém é capaz de resolver por não quererem olhar de frente para uma realidade visível.
Acha ainda que melhorou no funcionamento dos julgamentos que agora não são adiados como eram dantes. Mas tal só aconteceu de há uma dúzia de anos para cá e porque se alterou radicalmente o sistema de justificação de faltas no processo penal.
Do ponto de vista informático diz que também houve melhorias. Talvez. Para um copy paste de decisões de magistrados, sem dúvida alguma que sim. Mas por exemplo em melhoria e racionalização de meios, nem pensar. Processos que há vinte anos tinham 100 folhas, hoje, com a tal informatização via Citius, têm 500, sem exagero de espécie alguma. Fotocópias que dantes eram tiradas a preceito, hoje é a eito. Melhorias, nisto? Só para quem trabalha em advocacia...
Por tudo isso, Rui Patrício entende que não há uma crise na Justiça mas sim no modo como a mesma é percepcionada pelo cidadão, por culpa dos media, essencialmente.

Este discurso, tentador para quem trabalha no sistema, porque auto-complacente e tranquilizador de consciências é um tanto ou quanto perigoso porque vem associado a outras ideias igualmente perigosas. Rui Patrício acha que há excesso de produção legislativa, o que é verdade, mas acha ao mesmo tempo que por causa disso não se deve mudar nada e deixar tudo a funcionar como está. Acha que o facto de serem escritórios de advogados a fazerem de legisladores é coisa normalíssima e assunto arrumado eticamente. Acha que a corrupção é coisa para prevenir, antes de reprimir e que a investigação do fenómeno é do tipo " de secretária e telefonista" em que a polícia faz disto e o magistrado daquilo.

Por outro lado e por fim, sobre o conceito de "responsabilidade" tem ideias perifrásticas. " Uma cultura de auto-responsabilização- desde o cidadão que participa no forum da rádio durante o horário de expediente, até ao que escreve o seu comentário online quando deveria estar a trabalhar, até ao cidadão que recebe uma notificação que faz de conta que não recebeu ou aquele que critica a corrupção nos processos mediáticos e depois não se importa de ir pedir uma cunha para arranjar emprego para o filho. É preciso uma cultura de auto e hetero responsabilização na Justiça. Falta responsabilizar os agentes a sério."

Este discurso da responsabilização soa a fascista. Assim, com a palavra escrita como deve ser. Rui Patrício pretende sindicar em sede "responsabilidade" quem escreve comentários "on line" enquanto trabalha. Ou seja, funcionários do Estado, claro está. Como o vai fazer, se lhe derem o poder para tal? Muito simples e di-lo sobre a responsabilização dos agentes que violam o segredo de justiça ( um assunto erigido à categoria de violação de um direito mais que fundamental...vital para certos indivíduos normalmente defendidos por este tipo de advogados): "Não me venham dizer que é muito difícil averiguar quem viola o segredo. Precisamos, primeiro, de vontade de investigar."

Rui Patrício, como "advogado do crime" sabe ou deveria saber perfeitamente que em sede de investigação do crime de violação de segredo de justiça não são admitidos todos os meios de prova, mormente escutas ou outras formas de intrusão na vida pessoal dos suspeitos. Sabe ou deveria saber que quem viola o segredo de justiça normalmente conta com isso e com o facto de a variedade de suspeitos plausíveis da prática do facto tornar impraticável a "responsabilização" criminal. Sabe que mesmo sendo individualizado o suspeito da prática de tal crime, o "romance" da acusação será desmontado precisamente por advogados do tipo Rui Patrício que vivem processualmente, sempre "no mundo da Alice, porque as nossas leis processuais ( as tais que Rui Patrício defende não se lhes toque agora) o permitem.

A crise da Justiça também vive com estas entrevistas e estes advogados.

4 comentários:

manuel disse...

Actuação do CSM (essa de suspender a notação do juiz Rui Teixeira) que mereceu na altura viva e inédita repulsa por parte dos juízes: http://www.asjp.pt/2009/09/30/deliberacao-do-csm-que-suspendeu-a-notacao-do-juiz-rui-teixeira-30set09/

Fernando Martins disse...

É favor corrigir o lapso "Concelho Superior da Magistratura" e apagar este comentário - boa malha!

Carlos disse...

Cá se fazem...

josé disse...

Obrigado, já está corrigido e não se apaga o comentário porque como diz o Carlos "cá se fazem e cá se pagam".

A obscenidade do jornalismo televisivo