domingo, outubro 27, 2013

A Constituição é inconstitucional?



No Público de hoje, Jorge Miranda espraia-se em mais uma entrevista de fundo sobre problemas constitucionais. Sobre a Constituição actual de que foi, em 1976,  um dos patronos técnicos, ( a par de  Gomes Canotilho e Vital Moreira, então comunistas), Jorge Miranda resumidamente diz que a CRP é um modelo ( "está avançada e adequada à modernidade", diz), invejado até no estrangeiro ( esta parolice recorrente até aflige quando nos lembramos que a Inglaterra não precisa destes modelos para ser um país democráticos e desenvolvido...) 
Jorge Miranda aceita "aperfeiçoamentos" do seu instrumenro jurídico de eleição e até explica alguns. Porém, quanto a revisões de fundo e de forma acha que não, que está tudo bem e agora, neste momento político, é que nunca se deveria mexer nessa vaca sagrada. Enfim. 


No jornal i de fim de semana, António Barreto que não é jurista nem constitucialista e que é ou foi próximo da área política ( PS) daquele Miranda, acha coisa bem diversa da Constituição que temos e di-lo claramente e sem refluxos reaccionários ( no sentido que a esquerda usa para desqualificar) como aquele universitário sempre acaparou.



Há anos, já décadas,  que andamos nisto. Uns a defender a alteração do modelo constitucional, expurgando-o da carga ideológica marcadamente de esquerda e que se revela antidemocrático, naquela acepção do constitucionalista e outros a reagir contra qualquer mudança no texto constitucional, tendo sempre na vanguarda reaccionária, o PCP que bebe do seu próprio veneno mas encontra sempre o antídoto marxista-leninista para escapar da liquidação e assim se juntar às ideias fossilizadas que defende. 

Vejamos a contradição do sistema:

Preâmbulo
A 25 de Abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo português e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista.

Libertar Portugal da ditadura, da opressão e do colonialismo representou uma transformação revolucionária e o início de uma viragem histórica da sociedade portuguesa.

A Revolução restituiu aos Portugueses os direitos e liberdades fundamentais. No exercício destes direitos e liberdades, os legítimos representantes do povo reúnem-se para elaborar uma Constituição que corresponde às aspirações do país.

A Assembleia Constituinte afirma a decisão do povo português de defender a independência nacional, de garantir os direitos fundamentais dos cidadãos, de estabelecer os princípios basilares da democracia, de assegurar o primado do Estado de Direito democrático e de abrir caminho para uma sociedade socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno.


Este é o preâmbulo da actual Constituição Portuguesa.  A anterior Constituição, de 1933 ( que não é estudada nas nossas escolas secundárias e eventualmente nem nas universidades, porque é "fassista" e portanto censurada como tal) não tinha preâmbulos ideológicos e ao contrário da actual, não permitiu nenhuma bancarrota. Esta já vai na terceira e com garantias de mais.

Este preâmbulo da actual Constituição é como um programa ideológico de base e que mostra o que é a Constituição: um instrumento jurídico assente num pressuposto ideológico não sufragado democraticamente.  O comunismo e o socialismo não são nem poderiam ser a base democrática plena da nossa legalidade. Logo, a Constituição é antidemocrática e inconstitucional.
Se, como diz Jorge Miranda, “o princípio democrático assenta no direito da maioria e o princípio do estado de direito assenta no princípio da legalidade e no respeito dos direitos fundamentais, esta Constituição assenta numa ideia antidemocrática, porque nenhuma maioria sufragou a ideia de que somos um país a caminho do socialismo. E não se diga que ao se aprovar a Constituição in totum se legitimou democraticamente essa opção porque a contradição entre os princípios não pode ser sufragada democraticamente e assim legitimada.
Sendo a expressão “socialismo” vaga e polissémica ( a noção dos comunistas sobre o socialismo não é certamente a mesma que a dos socialistas democráticos)  cada um repara no lado  que lhe interessa. Os esquerdistas vêem a garrafa meio-cheia de socialismo a transbordar de intenção e os outros olham para o meio-vazio de um socialismo sem objecto socialmente viável ou identificável. Isto é fruto de formulações equívocas, gizadas nos consensos parlamentares para contentar todo o espectro político e causa directa de dissenções no tribunal constitucional. Os que se revêem numa esquerda mítica apostam na vista cheia e os demais, na ausência de conteúdo real que observam, proclamam a irrelevância do conceito.
Todos ficam contentes até ao momento em que uma decisão do tribunal constitucional lembra o equívoco permanente.  E ai nasce outro equívoco em cima daquele: os juízes do tribunal são criticados por decidirem a seu modo  sobre um texto que  se pode ler de modo diverso.
A quem interessa este equívoco permanente? A todos, quando lhes  satisfaz o respectivo quinhão de razão e a ninguém quando ficam sem ela.
Como se sai deste impasse que dura décadas? Com definições claras e inequívocas sobre o que os portugueses pretendem para a sociedade em que vivem. Querem socialismo? Que se defina em primeiro lugar o contorno exacto desse conceito para permitir uma escolha livre e consciente.
Para tal só com debates ideológicos se alcança tal desiderato e dai a importância das discussões públicas. 

 Esta discussão já era nítida em 1976 e aquando da primeira revisão, em 1982. Jorge Miranda até apresentou vários projectos da sua autoria para tal, mas declarava no O Jornal de 1 de Abril de 1977, que " a nossa Constituição é um documento excepcional"! E vituperava a Constituição de 1933 por ser um documento "seminecrológico" por ter sido plebiscitado por "vivos e mortos". Sobre a então bancarrota, escancarada em 1977 ( já nem tínhamos dinheiro para comer, a não ser emprestado) e permitida pelo Constituição excepcional, nem uma palavra. Enfim, outra vez. 


A discussão que se reatou em 1982 aquando da primeira revisão constitucional deixou intactas as marcas ideológicas marxistas-leninistas que nunca incomodaram o professor do PS e que tinha sido do PPD.  Porém, António Barreto que tinha sido ministro da Agricultura logo a seguir ao período quente do PREC, num governo do PS e que fora comunista até ao 25 de Abril de 74, entendia que a revisão de 82 foi um quase  nada, restrito à reorganização do sistema político, sem tocar na parte económica, programática ou ideológica ( nessa altura ainda se garantia na Constituição que caminhávamos para a "sociedade sem classes", para gáudio dos comunistas e esquerdistas em geral que acreditavam ainda nessas balelas. 

A revisão foi quase um nada porque os revisores foram sempre os mesmos, com Jorge Miranda a capitanear juridicamente os desígnios politicos desta gente que mais uma vez, no ano a seguir nos conduziu a outra bancarrota! Mais uma e a Constituição nada disse sobre a inconstitucionalidade de tal situação criada exclusivamente por aqueles revisores. 




O Jornal, órgão ideológico por excelência deste estado de espírito esquerdizante, em  23 de Abril de 1982 não deixava lugar a qualquer dúvida:




Será isto tudo um castigo do Céu que nos atingiu algures na década de setenta do século passado e que perdura até aos dias de hoje? Será que isto não muda na nossa geração? Será que vamos aturar esta cambada de...de...deixa-me refrear porque até me perco em insultos a esta gente que destruiu um país por motivos essencialmente ideológicos. Que tragédia!

19 comentários:

António Barreto disse...

Infelizmente, a Direita acobardou-se e acomodou-se, abandonando a luta ideológica. Ninguém, na Direita defende com convicção e fundamentadamente a revisão profunda da constituição. A maioria do Povo, não entende o processo que conduz a resultados contrários aos que a Constituição, nominalmente, defende. Os líderes da Direita - salvo honrosas excepções - preferem o conforto da smooth oposition, que lhes tem garantido a mesa farta. A esquerda faz o seu papel; a Direita, demitiu-se do seu!

Vivendi disse...

É o PS que não aceita a revisão constitucional ou é o Mário Soares com os seus maçons e Sócrates?

O PS é um partido de bastidores onde o líder faz figura de líder mas não manda nem decide porra nenhuma.


Ademais a III República caput. Não tem mais solução.

Anónimo disse...

A Constituição é apenas mais um espelho daquilo em que nos tornamos hoje. José estudei a Constituição de 1933 no Liceu, sim no Liceu e não num agrupamento de "qualquer coisa". Sou trabalhador-assaliardo e filho de trabalhador e fui par ao Liceu.
Considero-me social democrata e não tenho nenhuma paciência apra essa divisão de esquerda direita. Acho que podemos ter consenso sobre a nossa vida colectiva a começar pela Constituição. Fico pasmado com a menoridadeque os lideres políticos tratam as pessos ao contornar a necessidade de referendar muitas das nossas LEIs e a formalização de contractos, como a adesão à EU e ao EURO.
Estou cansaod de muitos que se arrogam de representantes do Povo por força de eleições e depois "falam de bancada" sem moral e sem nenhum pudor cívico.
José é isso que nos afecta: Falta de principios morais e sociais (sentido de comunidade).
As nossas elites são aquilo que foram no passado, embora com manifestações diferentes:
Um grupo que nunca se importou de colaborar na exploração dos seus concidadãos por parte de estrangeiros, a troco de algumas mais valias.
Assim perdemos a independência e quando a conquistamos alguns tratarm do seu governo de vida assenta na mesma permissa.
Sou um nacionalista, ou seja, gosto dos meus concidadãos e não sobrevalorizo o estrangeiro em desfavor do nosso, mas que precisamos de lideres com mais orgulho no seu país e nos seus concidadão parece-me claro. Nãp precisamos de mulengas que nada fizeram e se arrogam de direitos só porque pasaram por cargos políticos.

foca disse...

José
Tem toda a razão.
A CRP ao defender um caminho no preambulo está a ir contra a democraticidade que obriga a seguir.
É arrogante e facciosa, o que só serve os do do copo meio cheio.

Rui Verde disse...

Pedindo desculpa por me colocar em bicos de pés deixo aqui ligação para pequeno artigo que escrevi no TOMATE de 15 de Outubro,intitulado "A Constituição Elegante"
http://www.tomateemagazine.com/#!a-constituicao-elegante/c23ny

josé disse...

Já li. Bela utopia.

josé disse...

Para se tornar realidade seria necessário acabar com o poder e influência intelectual da Esquerda nos media.

E tal revela-se impossível.

zazie disse...

Isto é muito estranho mesmo.

Esta gente tinha obrigação de não ser tão estúpida.

josé disse...

A Esquerda é mais que estúpida: é sectária de uma ideologia morta.

Vivendi disse...

Toca a desmascarar a esquerda:

(via impertinências)

SERVIÇO PÚBLICO: A «aurora de esperança da I República» e a noite negra do fascismo
A lenda

«Por isso os historiadores dizem, com razão, que a I República durou escassos dezasseis anos, de 1910 a 1926, mas criou no nosso País uma aurora de esperança.

Abriu-se, depois, um largo e doloroso período, em que as liberdades públicas e os direitos humanos foram suprimidos, de 1926 a 1974, intitulado, sucessivamente: Ditadura Militar, Ditadura Nacional, Estado Novo e Estado Social. Mas foi sempre e só, Ditadura, apoiada na repressão policial, na censura, nos tribunais plenários e na polícia política (Polícia de Informações, PVDE, PIDE e DGS), inimiga das liberdades, com a supressão das garantias individuais e dos Partidos e dos Sindicatos.»

(Mário Soares, Centenário da República, Fundação Mário Soares)

Os factos

Mortes causadas por repressão, motins e greves:

Período Total Média anual
1910-1926 98 6
1933-1974 41 1

(Fonte: Rui Ramos, Nuno Gonçalo Monteiro e Bernardo Vasconcelos e Sousa, História de Portugal)

Floribundus disse...

no final dos anos 40 estudava-se no 7º ano do liceu (11º de escolaridade):
'organização politica e administrativa da nação' (se bem me lembro do nome)

apenas refiro a visão politica e não argumentum ad hominem

nunca pensei encontrar tanto imbecil nas elites

houve regressão em vez de progressão

a idade da imbecilidade não acaba por falta de matéria-prima
como diria o filosófo do 'untergang' há quase um século

josé disse...

Estudava e a prova com livro à mostra está aqui

Floribundus disse...

lembro-me e do comentário que fiz

hoje estamos como dizia Shelley (museu em Roma na Pr. de Espanha) em Adonais
« Os lobos que só sabem perseguir,
Os corvos tão valentes contra os mortos,
Os abutres que seguem o vencedor
E devoram os despojos desprezados, »

Unknown disse...

José:
É um documento ideológico, portanto, não universal, isto é, não abrange a totalidade dos cidadãos. Utiliza palavras de “reacção”sem qualquer significado, porque os ceitos que encerram não caracterizam o sistema político do Estado Novo nem o que se lhe seguiu. Estou a lembrar-me dos termos de “reacção” “fascismo” e “sociedade sem classes” Os mentores desse “catecismo” julgavam-se o super- sumo da intelectualidade e inteligência, uns verdadeiros prodígios, mas, como se veio a constatar, não passavam duns indivíduos altamente despolitizados e cheios de preconceitos. Todavia, a desgraça do País não resulta da Constituição, pois com esta , a de 1822, 1933, a da França, Alemanha, Estados Unidos ou qualquer outra, sem Estado de Direito, com a corrupção, compadrio, tráfico de influências, como o que existe em Portugal, qualquer país vai à bancarrota.
Aceite os meus respeitosos cumprimentos

muja disse...

Desmascarar é bom, mas mais tarde ou mais cedo, é necessário combater.

A Frente Nacional está a caminho de ser o maior partido francês, se o não é já.

Não é impossível. É extremamente díficil, e foram/serão precisas três gerações de Le Pens, por exemplo.

muja disse...

Em Portugal, o PNR não se vê nem se escuta.

Não sei se é culpa deles ou não. Mas decerto lhe não fazem o caminho fácil.

Também não se conhece programa nenhum. A propaganda não é eficaz.

Não sei porque não é, não conheço nada sobre o PNR. Mas não é.

E são os únicos que se dispõem mais ou menos à direita. Mas, ao mesmo tempo, é difícil distingui-los da malta do futebol, o que os faz encaixar precisamente no estereótipo onde o regime os quer.


muja disse...

A desgraça não se originou na Constituição. Mas foi lá posta esta com o intuito de perpetuar a dita desgraça.

Como tal, é legítimo considerá-la como uma causa da desgraça, já que permite legitimar a desgraça e os oficiais de dia da desgraça.

Por mim era deitar abaixo e passar à de 33. Servia muito bem e não há tempo para estar cá com experiências...

Kaiser Soze disse...

Pensar que a CRP é a solução, quer a manutenção quer a alteração, é levantar cortinas de fumo.
Poderá ser uma discussão ideológica, o que é importante, quanto ao preâmbulo e ao ideário comunista que a impregna.

Mas, a realidade que nos toca todos os dias é uma outra coisa.

Princípios como o da igualdade, equidade, confiança e tudo o resto têm mais que ver com a realidade do que com a espírito.
Pode-se refazer, de fio a pavio, a CRP que estes princípios terão de lá estar (por mais que não seja por conta de instrumentos internacionais que recebemos).
A CRP, por exemplo, prescreve o direito à habitação e ao trabalho, o que impediria a existência de desalojados e de desempregados mas, o facto, é que eles existem.

O que quero dizer é mais ou menos isto:
A CRP teve de ser interpretada para que não fosse inconstitucional o desemprego e não necessitou de revisão para esse efeito.
A CRP Americana prevê a igualdade desde o seu início, quando, primeiro, havia escravos e depois um regime mais ou menos apartheid.

Talvez fosse mais útil que quem aplica e interpreta princípios entendesse o mundo em que vive.

josé disse...

"A CRP teve de ser interpretada para que não fosse inconstitucional o desemprego e não necessitou de revisão para esse efeito."

Sendo isso verdade também o é que a interpretação pode transformar-se na tal aldrabice secante de que falava Orlando de Carvalho uma vez que basta que um qualquer juiz do Constitucional decida desse modo e seja eventualmente seguido pela maioria dos pares, para termos o caldo entornado. Tal não devia ser assim tão simples.

Por outro motivo: se se tornar fácil rodear as questões delicadas e darem-se interpretações de um certo modo e do seu contrário, tal significa a nulidade do jurídico que tem como característica precisamente a estabilidade e a segurança.