quinta-feira, agosto 18, 2016

Ave, Cesar, morituri te salutant!

Observador, Helena Garrido:

Medidas simplistas, tipo toma dinheiro e faz a crescer a economia, não funcionam em países endividados. O medo do futuro não desaparece com bolsos cheios. Assim, como crescer com a dívida que temos?
700 mil milhões de euros. Nem temos a noção do que isso é. Mas é a dívida do país. Mais de quatro vezes o que produzimos anualmente. Com uma taxa de 1% significa tirar todos os anos ao rendimento sete mil milhões de euros para pagar juros. Com uma dívida desta dimensão como é que alguém pode considerar que podemos crescer através do consumo quando acabou a era do crédito fácil? Quando todos tomaram consciência que a dívida paga-se, que só se consegue gerir até a um determinado limite.
É irónico verificar que a teoria que nos atirou para a montanha de dívida que hoje temos só agora está em parte a aplicar-se. Estávamos nos primórdios do euro. O então governador do Banco de Portugal e actual vice-presidente do BCE defendia que pertencendo Portugal ao euro já não existiriam crises de balança de pagamentos. Tudo se ajustava com a mão invisível da restrição financeira de cada um num círculo virtuoso. Os credores, entre eles os bancos, emprestavam até à capacidade de endividamento dos devedores, estes teriam também consciência da sua restrição financeira.
Em Portugal o ex-Presidente da República Aníbal Cavaco Silva foi o único a opor-se publicamente a essa teoria. Numa homenagem a José da Silva Lopes em 2003 assistiu-se a uma espécie de luta de titãs. Numa intervenção com o título “Dores de cabeça”, Cavaco Silva alertava que o défice externo continuava a ser importante mesmo no euro e considerava que “a despesa das famílias, das empresas e do Estado tem de ser contida”. Deixando um alerta: “O ajustamento será tanto mais forte e penoso quanto mais o endividamento externo tenha sido encaminhado para a expansão do consumo e para investimentos de baixa qualidade”. Como se veio a confirmar com o repentino corte do financiamento a Portugal entre 2010 e 2011 a obrigar o país a fazer um “ajustamento”, leia-se a cair em recessão, violento.
Um dos primeiros economistas a avisar que o euro não acabava com as crises por falta de financiamento típicas de países com moeda própria foi Olivier Blanchard. Mas na altura em que dinheiro parecia infinito ninguém ouviu nem Cavaco nem Blanchard. A dívida foi subindo, subindo, até que repentinamente os financiadores que eram supostos serem racionais descobriram que tinham emprestado demais a Portugal, entraram em pânico, uns quiseram o dinheiro de volta, a maioria deixou de renovar empréstimos.
Perante o corte repentino de financiamento o país teve de pedir empréstimos às instituições internacionais, a troika, e aplicar medidas que reduzissem as suas necessidades de financiamento de forma ordenada para que a recessão não fosse ainda pior. Claro que Portugal não foi o único, aconteceu o mesmo à Grécia, à Irlanda e a Espanha.
Viveu-se uma sequência típica de mercados financeiros: da euforia ao pânico, sem aviso prévio. Na fase de euforia não há racionalidade nenhuma nem análise da capacidade de endividamento, há comportamentos de rebanho. Exactamente como na fase de pânico, com todos em fuga em sobre-reacção.
Na altura da euforia que durou até à crise iniciada em 2007 os governos deveriam ter adoptados medidas restritivas como aumento de impostos, redução do investimento público ou ainda, como chegou a estar previsto e não se fez, impor aos bancos reservas ou provisões anti-cíclicas. O que aconteceu foi o contrário. O Estado também alimentou a onda da dívida.
Com o fardo da dívida em cima, está em parte a acontecer aquilo que Constâncio previa na altura mas na forma de “casa roubada trancas na porta”. As famílias, as empresas e os financiadores (bancos ou outros) estão conscientes da restrição financeira porque apanharam um susto e porque ela é um facto. Limitados porque têm de pagar a dívida que contraíram e assustados pelo que viram, serão mais prudentes do que o normal ou desejável nas decisões de consumo e de investimento.
Estamos assim perante uma economia endividada e com falta de confiança, num futuro incapaz de gerar os rendimentos, que lhe permita pagar as dívidas e consumir e investir mais. Com este diagnóstico é óbvio que medidas keynesianas simplistas – do tipo aumento o rendimento das pessoas e logo elas vão consumir e logo a economia cresce –, não funcionam. Como se está a verificar pelos últimos números sobre a evolução da economia em Portugal publicados pelo INE.
Qualquer avaliação à situação portuguesa tem de integrar no modelo a restrição financeira muito activa, que o país tem neste momento, e que será tanto mais apertada quanto menos confiança os investidores tiverem no futuro do país. Assim como na fase de euforia faziam aqui investimentos às cegas, nesta fase de desconfiança analisam os mais pequenos pormenores, e tudo é razão para desistirem de investir. Até os consumidores podem ter um comportamento semelhante, preferindo amealhar em vez de gastarem, à espera de certeza sobre o futuro.
Um país endividado e com financiadores desconfiados só tem uma forma de desatar esse nó. Fazer da conquista da confiança a prioridade da política económica ao mesmo tempo que cria o melhor ambiente possível para o investimento empresarial.
Infelizmente não foi essa a escolha de António Costa. Inspirado num modelo que se deve ter esquecido da componente financeira da economia, concluiu-se que bastava dar mais dinheiro às famílias para a economia crescer.
A dimensão da nossa dívida total, os tais 700 mil milhões de euros que têm 200 financiados pelo exterior, reduz o menu de terapias que temos para o crescimento à confiança e aos incentivos ao investimento em produtos e serviços que se possam vender lá fora.
É preciso começar a pensar livremente no que é melhor para o país. Porque nos tempos que correm parece que perante um menu de soluções para os nossos problemas se começa primeiro por estudar o que é que vai ser percepcionado como sendo de direita e de esquerda. Só depois, conforme o preconceito de cada um, se vai ao cabaz da esquerda ou da direita.
No estado de urgência em que estamos é melhor sermos mais pragmáticos. Pensar menos em eleições e mais em soluções que ponham de facto o país na rota do crescimento. Confiança é a palavra chave.

Devemos 700 mil milhões de euros, não temos dinheiro para pagar nem meios de o obter. Ainda por cima a confiança anda pelas ruas da amargura. Não é preciso muito mais para prenunciar um desastre, engendrado por esta geringonça que governa.
Foi assim em 1976, foi assim em 1986 e foi assim em 2011 com as políticas de 2006. Nunca mais aprendemos e a esquerda domina, tendo sido a responsável única destes descalabros cíclicos.

Até quando?

13 comentários:

muja disse...

Também foi assim em 1926...

O país ganhará confiança quando vir um orçamento com excedente.

Até lá, com mais tropeço menos cambalhota, toda a gente sabe intimamente que será mais do mesmo.

Dudu disse...

Desde que saiu do Jornal de Negócios, a Helena Garrido tem vindo a explicar melhor o seu pensamento.
A referência que faz a Constâncio foi há tempos confirmada por Daniel Bessa quando colocava reservas ao caminho seguido.
Guterres terá então pedido conselho a Constâncio o qual terá afirmado que União Europeia nunca nos deixaria cair.

Santos disse...

"Até quando ?"

Infelizmente parece que ainda durante muito tempo, com casos como o da CGD:

http://31daarmada.blogs.sapo.pt/servico-publico-de-blogosfera-documento-6812353

joserui disse...

Tudo verdade… mas o PSD participou da festa e foi com pompa. O próprio Cavaco Silva, vendeu o que tínhamos de melhor a troco de lentilhas, mais concretamente betão e alcatrão — e formação, a qualificação dos portugueses foi muito importante! Andam por aí todos qualificados, tesinhos como virotes, a passear-se em bons carros. Um zero esse Cavaco Silva, sem visão, sem estratégia, sem uma única ideia para o país. Podia ter aplicado os seus doutos conselhos no tempo em que foi governo e em que se esbanjou inacreditavelmente. Desses 700 mil milhões, os governos Cavaco Silva deram uma muito meritória contribuição. -- JRF

lidiasantos almeida sousa disse...

O CEMITÉRIO MAIS BELO DU MONDE. Le Point. fr.



https://youtu.be/wzHKZj7OSvY


Ricciardi disse...

Defice do OE:

2011-7,4%
2012-5,7%
2013-4,8%
2014-7,2%
2015-4,4%
(Fonte: tradingeconomics)
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A soma destes Défices financiados por dívida pública ascendeu a 29,2%.
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O objectivo do programa de ajustamento prévia um acréscimo na dívida publica de metade.
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Uma máquina de triturar dinheiro dos outros este Passos. Um verdadeiro socialista mascarado de anjo liberal.
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Se somarmos a este desconcerto o colossal aumento de impostos e cortes ceguetas que somam um total de 25 mil milhões de euros, a figura começa a parecer-se mais com o monstro das bolachas da série o sapo Cocas do que com uma máquina tritutadora normal.
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Ainda, convém não esquecer, no período em análise, o homem do leme privatizou cerca de 18 mil milhões de euros.
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Quer dizer, recebeu 18 mil milhões nas vendas das empresas públicas a chineses e franceses e recebeu ainda mais 25 mil milhões dos bolsos dos portugueses e chega ao fim e consolida o defice em 8,5 mil milhões.
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Parabéns portanto. É difícil ter ideias para fazer pior.
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Rb

Ricciardi disse...

"A dívida externa líquida de Portugal, que resulta da PII (posição investimento internacional) excluindo os instrumentos de capital e derivados financeiros, atingiu, no final de junho de 2016, 178,0 mil milhões de euros, o que representa uma redução de 2,9 mil milhões de euros relativamente a 2015. Em percentagem do PIB, observa-se, igualmente, uma redução da dívida externa líquida, de 100,9 para 97,6 por cento". Banco Portugal (Ago-2016)
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Pela primeira vez (creio) em muitos muitos anos, a dívida externa portuguesa baixou. Quer dizer, as disponibilidades sobre o exterior continuam a ser muito inferiores às responsabilidade para com o exterior mas, tendo melhorado a dívida externa líquida em em 2,9 mil milhoes de euros, há motivos para confiança.
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A PII é uma espécie de balanço do país. Disponibilidades vs responsabilidades sobre o exterior e é o indicador mais importante para testar a sustentabilidade da dívida portuguesa.
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Rb

Ricciardi disse...

Pela primeira vez, desde há muitas de décadas, Portugal vai ter um defice em 2016 inferior a 2,9%. Este valor só foi conseguido em 2007 (ou 2008 já não me lembra) pelo governo daquele cujo nome shall not be spoken aqui.
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Com o défice abaixo dos 2,9% o país já consegue pagar os juros da dívida (menos mal). E se tivermos a sorte de coelho não regressar ao poder, é mesmo grande a probabilidade de lá para 2018 termos um défice inferior a 2% que já permite reembolsos de capital mantendo o desemprego a baixar, os rendimentos das famílias estáveis e sem necessidades dos portugueses emigrarem.
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Se coelho regressar (truz truz truz, o diabo seja surdo e mudo) é provável que os defices fiquem acima do esperado (ver comentário acima) e, mais do que tudo, é quase certo que a economia se destrutura para não chegar ao objectivo de défice esperável.
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Rb

Ricciardi disse...

Erro: expectável e não esperável

Dudu disse...

Em resumo: estamos no bom caminho!
Siga o baile!

josé disse...

De vitória em vitória até à bancarrota final. Ou então, a lógica da marcha em pelotão...em que todos estão errados excepto o que marcha ao contrário.

Se a imbecilidade pagasse dívidas públicas estávamos em vias de saldar contas.

Ricciardi disse...

Estamos mesmo no caminho imbecil de começar a pagar as dividas. Até já começamos neste trimestre onde a dívida externa líquida se reduziu em 2,9 mil milhões de euros.

And guess what: as contas públicas compoe-se quando as dos privados estão bem. Melhorar contas públicas abduzindo riqueza aos privados é tática insolente, de quem nao percebe os fundamentos basicos de economia (ou está demasiado tribal), mais condizente em regimes ditatoriais de extrema direita ou esquerdistas radicais.
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Cá para mim os pafianos estão preocupados. E com razão. Esperavam uma colectivização dos meios de produção desta geringonça, debalde. Esperavam o caos nos mercados, debalde. Esperavam que as contas públicas descarilassem, debalde, a execução orcamental está perfeita.
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Eu, não sei, mas aconselhava os pafianos a insurgirem-se com coisas realmente negativas. Enfurecerem-se com dados positivos só os descredibiliza.
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E há coisas negativas a apontar que podiam explorar. Mas essas negatividades só posso expor quando, e se, o homem tenor for a sua vidinha e arranjar o seu próprio partido para liderar (ou afundar).
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Rb

lidiasantos almeida sousa disse...

o vigarista jose luis arnaut, que vendeu os CTT ao goldmann sachs, com a licença bancaria postal, coisa rara na UE, vale 100 vezes o que eles pagaram pelos CTT. como terá ele repartido as luvas? ficou com um lugar no GS em Londres, mas o presidente olhos vivo antigo estivador que dis ser o deus na terra, olhou para ele e deu-lhe o fora. trocou peço maoista arrependido DURÃO que tem muito conhecimentos a nível global.


https://youtu.be/GMuLSM8fojc