Traços desta nossa gente, que assim mantém o espírito crítico, cada vez mais preciso no meio desta "guerra civil" que se vive
Do
calhambeque do pai, então estacionado no Caxito do seu nascimento, à
ruralidade do Douro da infância, sem esquecer uma escala em Coimbra
antes do curso de Filologia Românica na capital. A memória escapa a
preguiças, como aquela que em boa hora o levou para as redacções de uma
Lisboa que puxava dos galões para fintar a censura. Foram tempos de
irreverência, transgressão e luxos que hoje se ficaram pelo patamar do
sonho. Começamos pela imprensa, numa terra que vê a hora de receber uma
boa notícia.
Já que falávamos de jornais, quando é que entrou numa redacção pela primeira vez?
Foi em meados da década de 70. Os jornais eram muito divertidos nessa época. Entrávamos às oito da manhã e trabalhávamos só até à uma da tarde. Aliás, eu fui para jornalismo não porque gostasse da profissão, porque para mim era igual ao litro, mas por ser muito preguiçoso. Podia ir para professor, mas tinha de aturar os monstrinhos das crianças, e pensei nos jornais. Os jornais tinham um ambiente muito engraçado e livre. Não eram nada a pasmaceira que são hoje. Hoje são praticamente câmaras de tortura, com as pessoas aterrorizadas.
O regime de então aterrorizava menos?
Nesta altura era tudo contra o Salazar e contra o Estado Novo; era uma alegria. Liam-se os jornais da véspera, as coscuvilhices políticas, as conspirações que estavam a ser preparadas, as de sempre, razão pela qual o Salazar esteve lá até ao fim [risos]. Era no Bairro Alto. Não é por acaso que os antigos puseram os jornais no centro da cidade; depois houve a peregrina ideia de os levar para fora da vida das pessoas. Depois de deitarmos abaixo o Salazar, íamos para os cafés, como a Brasileira, onde se sabiam as notícias. No Chiado encontrava-se tudo o que era importante neste país. Até o Américo Tomás passeava lá. Ao fim da manhã regressávamos ao jornal; escrevíamos as notícias e, à medida que íamos dominando a coisa, sabíamos melhor como despistar a censura.
Que se fazia à tarde?
À tarde não se fazia nada. Íamos passear. E à noite era farra. Ganhava-se bem. Quem diz que se vivia muito mal antes do 25 de Abril é uma treta. Em 73 estava a ganhar 17 contos no "Diário de Lisboa", o que era uma fortuna. Depois, os jornais eram habitados por grandes vultos da cultura. Acho muita graça quando os novos vêm dizer que antigamente eram todos analfabetos. Veja lá, eu trabalhava com os analfabetos José Saramago, José Cardoso Pires, Herberto Hélder, Natália Correia, Urbano Tavares Rodrigues, Luís de Stau Monteiro. Hoje rio-me quando ouço essas coisas. E havia uma coisa notável que era o sentido de camaradagem, que era superior às convicções ideológicas. A classe unia-se. Entre o "República", na Rua da Misericórdia, e o "Diário da Manhã", que era do governo e ficava em frente, quando faltava papel para sair o jornal, emprestavam um ao outro.
Eram vultos livres de redomas.
Sim, completamente. Gostei muito desse ambiente todo, da intrigalhada, das grandes irreverências. Nunca um administrador teve a ousadia de entrar numa redacção. Sou de uma geração que foi criada com este espírito de autonomia e liberdade. Tínhamos o problema da censura, que chateava, mas que aprendemos a fintar. No "Diário de Lisboa", o editorialista era o José Saramago, dos jornalistas a quem menos a censura cortava, porque escrevia muito bem e escrevia nas entrelinhas, com subtileza. Como não chocava, os censores deixavam passar. Outro notável a lidar com a censura era o Luís de Stau Monteiro, que era muito violento e perverso. Escrevia uma crónica, dava-a ao paquete que levava ao censor. Regressava ao jornal com as provas cortadas. Nessa altura, já ele tinha outra redacção pronta para levar ao censor. À sexta ou sétima vez, o pobre do censor já estava louco.
Vencia-os pelo cansaço?
Era. Aliás, os jornalistas, depois dos militares, foram a classe mais importante para o 25 de Abril. Depois veio a democracia, a tentativa grotesca de os partidos políticos transformarem os jornais em órgãos da propaganda política, que foi uma machadada brutal na sua credibilidade. Depois, esta situação que temos, com a ditadura economicista, que é uma maneira de controlar a informação. A censura prévia controla pelo corte e pelo silêncio, a democracia é pelo contrário, controla pelo chinfrim.
Chegou a viver essa fase?
Uma vez estava no "Diário de Lisboa" a fazer a campanha do Otelo Saraiva de Carvalho e ele ia a um sítio qualquer. Manhosamente, disseram que não havia dinheiro, carro, etc. Dias depois, o primeiro-ministro ia ao Algarve inaugurar um hospital que já tinha sido inaugurado, e já havia dinheiro para tudo. É claro que essas manigâncias se pagam caro, pelo desprestígio. O grande problema da imprensa começou com a concentração. Dantes havia uns 15 grupos de comunicação. Era uma alegria. Daqui a pouco, é o big brother. Hoje, não há jornalismo. Há uma pantominice chamada comunicação social, que não sei o que é. Como perguntava o Baptista-Bastos, são os comboios? São os telefones? Os aviões? É um guarda-chuva vistoso que serve para tapar vigarices.
Fazia-se melhor jornalismo num tempo sem internet, telemóveis inteligentes, etc.?
Fazia-se na mesma. Qual era o problema? Havia telefones, telexes. Tínhamos um contacto mais directo. Não era por isso que não se fazia bom jornalismo. Havia grandes repórteres. O "Diário Popular" tinha uma secção de grande reportagem com o Mário Ventura Henriques, o Baptista-Bastos. Eu fartei-me de viajar pelo mundo inteiro. Os grandes repórteres chegavam de viagem e não iam para a redacção, iam para uma vivenda que o jornal tinha na Caparica, para não se preocuparem com nada a não ser o seu trabalho. Estavam ali. Chegou a haver um grande despique entre o "Diário Popular" e o "Diário de Lisboa", onde havia grandes repórteres como o Joaquim Letria, grande jornalista deste país. Hoje, a grande reportagem desapareceu.
Convenhamos que também desapareceram luxos como os refúgios para escrevê-las. Temos a alternativa do livro?
Para mim, não há distinção entre literatura e jornalismo. Aliás, o Baptista-Bastos diz que o jornalismo é uma disciplina da literatura, como é a ficção, a poesia, a história, etc. Quando escrevo, não estou a pensar se é para uma página de jornal ou de um livro. Recuso essa ideia mentecapta de que há uma escrita de primeira para os livros e uma de segunda para os jornais. Dantes, a melhor literatura encontrava-se nos jornais. Aliás, o grande pilar da literatura portuguesa é a crónica, que é consanguínea quer da literatura quer do jornalismo. Temos o Pêro Vaz de Caminha, que é genial, a "Campanha Alegre" do Eça de Queirós.
Com esse ambiente, mesmo para alguém que não tinha ideia especial de ir para o jornalismo, estava fora de questão mudar de área?
Sempre gostei muito. Ir embora não, até pelo contrário. Nessa altura, quando ia para um jornal, tinha já em perspectiva um outro. Não havia desemprego. As pessoas eram acarinhadas e recompensadas. Não éramos contratados a prazo, como agora. Havia realmente o problema da censura, mas hoje a manipulação é maior. A censura é apenas um capítulo do controlo da informação. Hoje há a obrigatoriedade de dizer. A Natália Correia, a certa altura, diz assim: "Tão censurante é impedir de dizer como obrigar a dizer." Basta ver o caso Casa Pia. Como rendia, lá se escrevia para encher. Hoje, o conselho que dou é que se resguardem, que não digam o que pensam, que tentem resistir.
Não é um pouco deprimente depender dessa inércia para sobreviver?
É um conflito, claro. No meu tempo era a capacidade de rebeldia e intervenção do jornalista, hoje é o contrário. Não dizer o que se pensa. É uma servidão.
No jornalismo, como noutras áreas, nem todos serão capachos.
Claro que não, óbvio que isto é uma caricatura, e gente com talento sempre houve. Para o povo português, nunca houve o problema da falta de talento. Em todas as épocas há gente muito criativa. Daí sermos dos mais antigos da Europa, temos uma sobrevivência muito grande.
Com um toque de desenrascanço, que já faz parte da nossa mitologia?
Sim, de criatividade. Como podemos aturar isto, é contornando. Ao longo da história tem sido assim. Explorações, ditaduras. A nossa história é pródiga nisto. São séculos e séculos a apanhar. Mas atenção que o português não é de bons costumes, como se pensa. Só quem não conhece a história pode dizer essa treta.
Já lutámos contra a própria mãe, para não ir mais longe.
É, quando extravasamos, somos frescos. Só no século XX matámos um rei, um príncipe herdeiro, um presidente da República, um primeiro-ministro. Foi uma alegria. Este povo não é muito bom da cabeça e pode tornar-se complicado controlar as pessoas. Estamos a lidar com um povo que faz coisas imprevisíveis, e esta garotada que nos governa, uns arrivistas que não sabem nada de nada, comporta-se como se Portugal tivesse nascido com eles. Já vi passar 17 primeiros-ministros desde que cá ando. É ir embora. Desde que vi Salazar ir embora, e eu pensava que Salazar era imortal...
Era a ideia que tinha?
Era assim uma espécie de deus, que se achava que existia mas ninguém via. Eu, por acaso, tive a prova disso. Conheci-o pessoalmente como jornalista, ouvi-o a discorrer. Agora, a maior parte das pessoas não esteve com ele. Houve ministros que nunca falaram com o Salazar. O nosso povo é muito manhoso, imprevisível, e capaz de coisas muito grandes. Natália Correia disse que o ultraliberalismo selvagem que aí vinha seria tão pernicioso como a Inquisição. No século XVI éramos dos países mais desenvolvidos que havia, o que contaminou outros países e alertou os poderes instituídos. Num passado recente, a Europa era a região mais desenvolvida do mundo. O ultraliberalismo está agora a provocar outro retrocesso civilizacional. Estamos a viver uma inquisição. Os humanistas, que se opõem, são queimados vivos, despedidos, difamados.
Quem são os grandes culpados?
Esta quadrilha que tomou conta da Europa, com a senhora Merkel à frente, que tem mesmo cara de inquisidora; só lhe falta pegar num ferro em brasa. Em Portugal é o que a gente vê. Estão contra a história, a evolução, o humanismo. Os nossos intelectuais também não percebem ou não têm uma visão deste conjunto. Os jornalistas também não têm independência. Estamos a assistir a um holocausto, agora contra a classe média. Dizem que temos um país de velhos. Qual é o problema disso? Hoje a produtividade não advém tanto do trabalho das pessoas; depende mais da sofisticação tecnológica do que do corpo humano. Como dizia a Natália, Portugal foi grande quando tinha dois milhões e meio de pessoas, depois começou a fornicar e a multiplicar-se e caiu nesta desgraça em que está. Temos mão-de-obra barata, carne fresca para os canhões. Querem mais jovens para não terem emprego? Porque é que a segurança social tem de ser sustentada com os nossos descontos e não com o rendimento do país? Tudo aldrabices.
Para quem passou pelo antigo regime e por 17 primeiros-ministros, este momento é o pior?
Ah sim, nunca vi um tempo tão complicado. O professor Agostinho da Silva bem formulou que a humanidade está a viver um dos momentos mais radicais de toda a história, que é a passagem da era do trabalho como obrigação para a era do trabalho como libertação. Da escravidão para o lazer. Mexe com os poderes instituídos. Isto está tudo condenado.
Fazem sentido suspiros por uma figura como Salazar?
Temos de contextualizar as coisas. Salazar não saberia actuar em democracia, só em ditadura. Cada época carrega as suas coisas. O que desanima muito as pessoas é o predomínio da mentira sistemática completamente impune; ninguém é responsabilizado. Estão perdidas, amedrontadas. E a igreja abençoou isto tudo. Agora que isto é o que é, a igreja está calada como um rato. Como tem muita experiência, escolheu um papa contracorrente para garantir o poder. Com o Ratzinger, fazia-se em cacos. Este tem uma linguagem de futuro, com boas qualidades, para enganar meio mundo. São muito habilidosos. Enfim, não sou católico. Está a ver, a minha conversa é uma chatice [risos].
Muito mudou, ou nem por isso, entre o livro "Os retornados estão a mudar Portugal", de há quase 30 anos, e o recente "Os retornados mudaram Portugal"?
Esse é outro fenómeno que houve, sobre as consequências da trágica e imprudente descolonização, que se abateu sobre quem vivia em África. Este retorno foi dos êxodos mais pungentes da segunda metade do século XX a nível mundial. Com a nossa má consciência, passámos uma borracha por cima. Ainda não entendi porque é que agora este tema voltou.
Temos uma relação de amor-ódio com a memória?
Não gostamos da memória. Temos má consciência. Branqueamos e não a recuperamos. Andámos todos de cravo no ar a lutar por uma sociedade mais justa e nunca estivemos numa fase tão desgraçada como hoje, sem um mínimo de orgulho, independência e dignidade. Cada vez há mais ricos mais ricos e mais pobres mais pobres. Vale a pena lembrar o Rousseau: "Uma democracia só o é se as pessoas não forem tão ricas que possam comprar outras pessoas e os pobres não forem tão pobres que tenham de se vender a outros." Temos o oposto disto tudo. Só mentecaptos no governo. Nunca vi tanto medo no meu país como hoje.
Que diferenças entre a Assembleia que frequentava há 40 anos e a de agora?
Nunca gostei da Assembleia. Achei aquilo uma palhaçada. Os deputados não são escolhidos por nós. É como ir ao restaurante. O empregado traz-me uma lista com quatro pratos e a minha liberdade é escolher dentro daquilo. Daí esse voltar de costas aos partidos. Basta ver como o PS não descola. Ninguém acredita nele. Este centrão, com PS, PSD e uma perninha de CDS, é o grande responsável pelo que há de mau neste país nas últimas décadas. Têm de ser responsabilizados. Eu tenho uma boa memória e termo de comparação. Ou se muda as políticas ou isto vai dar mau resultado. Lembro-me perfeitamente do dia 24 de Abril de 1974.
Onde estava?
Não vou dizer. Encontrei um administrador meu do jornal. Esse senhor dizia que o país não estava preparado para a democracia, para a revolução. Nessa noite, houve uma revolução. Na tarde do dia seguinte andava ele a chorar baba e ranho, a fugir para o Brasil. Depois voltou e teve um alto cargo nesta bela democracia. Percebam a precaridade disto. Estes tecnocratas programam o dia de amanhã como sendo igual ao de hoje, e não é. Estamos numa guerra civil atroz e, quando as pessoas não tiverem nada a perder, avançam. Espero que a componente católica mexa com a má consciência dos políticos, porque senão não vão sobreviver. Quando o Afonso Costa caiu, a população de Lisboa, onde havia imensos reformados, cercou a casa onde ele vivia e até o piano lhe atiraram para o olho da rua.
Com piano ou sem piano, podemos ver o povo a cercar Massamá?
Então não temos visto na Assembleia? A mostarda está a chegar ao nariz das pessoas. Nunca vi na minha vida qualquer político ser assobiado em todo o lado. Não têm o apoio da população. Mas com certeza que há soluções. Quando é necessário um líder com determinadas características, arranja-se. O papa Francisco ou o Obama, em poucas semanas, tornaram-se estrelas mundiais. Claro que pessoas de valor não vão agora partir pedra. O que temos são senhoras Merkel, que parecem criadas de servir, formatadas pelo Bloco de Leste. Que raio de gente a elege a mulher mais poderosa do mundo? Bem, vou calar-me com isto.
Usemos a sua boa memória para falar de memórias boas. Saiu de perto de Luanda com três anos. Lembra-se de alguma coisa?
Tenho memórias, sim. Do automóvel do meu pai. Naquela altura era um calhambeque [risos]. Já lá vão décadas, mas lembro-me de ir brincar para uma avenida com muitas árvores. Cinquenta e tal anos depois, voltei lá e a casa ainda existe. Sou um apaixonado por África.
Só lá voltou 50 anos depois?
À fazenda onde nasci, sim. Mas já tinha ido várias vezes a África. Angola é o país mais rico do mundo. Pode ser uma grande potência, tem gente muito criativa. Os povos de língua portuguesa estão muito criativos. Aliás, Pessoa diz que o primeiro afloramento internacional que projectou Portugal além-fronteiras não foi nenhum feito militar nem comercial, foi literário, com as cantigas de amigo e as crónicas de cavalaria. O nosso herói nacional é o Camões. Isto traduz a nossa grande criatividade.
Veio viver para o Douro em criança. Que país encontrou?
Vou-me dividindo entre o Alto Douro e a Beira Alta. Era um país rural, de pequena propriedade, em que as pessoas tinham na agricultura a sua subsistência, mas um país com grande espírito de solidariedade. Vivi numa aldeiazinha onde havia um forno comunitário, matava-se o porco. Na cidade havia o pequeno comércio, que era sustentáculo da família. Era um país pobre, mas também de entreajuda. A Agustina Bessa-Luís tem uma frase notável. "Nós, portugueses, temos a cultura da afectividade, como outros outros povos têm a cultura das ciências e das filosofias." Para o bem ou para o mal, para mim é inestimável. Hoje é só novos-ricos. Ao menos, os aristocratas não eram exibicionistas.
E como foi a sua vinda para Lisboa, depois de uma passagem por Coimbra?
Achei uma Lisboa muito divertida, pujante, com cafés abertos até às quatro da manhã, como o Monte Carlo, a Brasileira, onde convergiam os jornalistas, boémios, prostitutas, chulos, etc. Era gente muito viva, humana. Havia muita respeitabilidade por causa do regime, mas por baixo da mesa era só transgressão. E que grandes safadezas se faziam, não é como esta água-chilra de agora. Havia muita coscuvilhice. A coscuvilhice tem sido uma salvação do povo português. É muito saudável, porque incentiva o espírito crítico. Conspirava-se, mas como Salazar dizia que preferia ser temido a ser amado, não se ralava nada com isto. E ninguém defendia o Estado Novo nessas tertúlias. Muita gente gostava de Salazar sem ser salazarista. Como pessoa, era encantador.
Que recorda dele?
Era delicadíssimo. Agora, o Salazar político era implacável. Como homem, suscitava muitas paixões entre mulheres e homens. Tinha um carisma enorme. Era até engraçado haver essa divisão. Tinha as suas máscaras. Um estadista deve ser assim. Não era como Marcello Caetano, que dizia que não podia fazer nada porque até as mulheres dos seus ministros diziam mal dele no cabeleireiro.
Há uns três anos falou da sua homossexualidade num livro da jornalista Raquel Lito. A orientação nunca foi um problema nesses tempos idos?
Nessa altura as coisas faziam-se. A vida privada de cada um era a vida privada de cada um, e estava tudo bem. Bastava ter algumas manhas. Faz parte do português ser manhoso.
Já que falávamos de jornais, quando é que entrou numa redacção pela primeira vez?
Foi em meados da década de 70. Os jornais eram muito divertidos nessa época. Entrávamos às oito da manhã e trabalhávamos só até à uma da tarde. Aliás, eu fui para jornalismo não porque gostasse da profissão, porque para mim era igual ao litro, mas por ser muito preguiçoso. Podia ir para professor, mas tinha de aturar os monstrinhos das crianças, e pensei nos jornais. Os jornais tinham um ambiente muito engraçado e livre. Não eram nada a pasmaceira que são hoje. Hoje são praticamente câmaras de tortura, com as pessoas aterrorizadas.
O regime de então aterrorizava menos?
Nesta altura era tudo contra o Salazar e contra o Estado Novo; era uma alegria. Liam-se os jornais da véspera, as coscuvilhices políticas, as conspirações que estavam a ser preparadas, as de sempre, razão pela qual o Salazar esteve lá até ao fim [risos]. Era no Bairro Alto. Não é por acaso que os antigos puseram os jornais no centro da cidade; depois houve a peregrina ideia de os levar para fora da vida das pessoas. Depois de deitarmos abaixo o Salazar, íamos para os cafés, como a Brasileira, onde se sabiam as notícias. No Chiado encontrava-se tudo o que era importante neste país. Até o Américo Tomás passeava lá. Ao fim da manhã regressávamos ao jornal; escrevíamos as notícias e, à medida que íamos dominando a coisa, sabíamos melhor como despistar a censura.
Que se fazia à tarde?
À tarde não se fazia nada. Íamos passear. E à noite era farra. Ganhava-se bem. Quem diz que se vivia muito mal antes do 25 de Abril é uma treta. Em 73 estava a ganhar 17 contos no "Diário de Lisboa", o que era uma fortuna. Depois, os jornais eram habitados por grandes vultos da cultura. Acho muita graça quando os novos vêm dizer que antigamente eram todos analfabetos. Veja lá, eu trabalhava com os analfabetos José Saramago, José Cardoso Pires, Herberto Hélder, Natália Correia, Urbano Tavares Rodrigues, Luís de Stau Monteiro. Hoje rio-me quando ouço essas coisas. E havia uma coisa notável que era o sentido de camaradagem, que era superior às convicções ideológicas. A classe unia-se. Entre o "República", na Rua da Misericórdia, e o "Diário da Manhã", que era do governo e ficava em frente, quando faltava papel para sair o jornal, emprestavam um ao outro.
Eram vultos livres de redomas.
Sim, completamente. Gostei muito desse ambiente todo, da intrigalhada, das grandes irreverências. Nunca um administrador teve a ousadia de entrar numa redacção. Sou de uma geração que foi criada com este espírito de autonomia e liberdade. Tínhamos o problema da censura, que chateava, mas que aprendemos a fintar. No "Diário de Lisboa", o editorialista era o José Saramago, dos jornalistas a quem menos a censura cortava, porque escrevia muito bem e escrevia nas entrelinhas, com subtileza. Como não chocava, os censores deixavam passar. Outro notável a lidar com a censura era o Luís de Stau Monteiro, que era muito violento e perverso. Escrevia uma crónica, dava-a ao paquete que levava ao censor. Regressava ao jornal com as provas cortadas. Nessa altura, já ele tinha outra redacção pronta para levar ao censor. À sexta ou sétima vez, o pobre do censor já estava louco.
Vencia-os pelo cansaço?
Era. Aliás, os jornalistas, depois dos militares, foram a classe mais importante para o 25 de Abril. Depois veio a democracia, a tentativa grotesca de os partidos políticos transformarem os jornais em órgãos da propaganda política, que foi uma machadada brutal na sua credibilidade. Depois, esta situação que temos, com a ditadura economicista, que é uma maneira de controlar a informação. A censura prévia controla pelo corte e pelo silêncio, a democracia é pelo contrário, controla pelo chinfrim.
Chegou a viver essa fase?
Uma vez estava no "Diário de Lisboa" a fazer a campanha do Otelo Saraiva de Carvalho e ele ia a um sítio qualquer. Manhosamente, disseram que não havia dinheiro, carro, etc. Dias depois, o primeiro-ministro ia ao Algarve inaugurar um hospital que já tinha sido inaugurado, e já havia dinheiro para tudo. É claro que essas manigâncias se pagam caro, pelo desprestígio. O grande problema da imprensa começou com a concentração. Dantes havia uns 15 grupos de comunicação. Era uma alegria. Daqui a pouco, é o big brother. Hoje, não há jornalismo. Há uma pantominice chamada comunicação social, que não sei o que é. Como perguntava o Baptista-Bastos, são os comboios? São os telefones? Os aviões? É um guarda-chuva vistoso que serve para tapar vigarices.
Fazia-se melhor jornalismo num tempo sem internet, telemóveis inteligentes, etc.?
Fazia-se na mesma. Qual era o problema? Havia telefones, telexes. Tínhamos um contacto mais directo. Não era por isso que não se fazia bom jornalismo. Havia grandes repórteres. O "Diário Popular" tinha uma secção de grande reportagem com o Mário Ventura Henriques, o Baptista-Bastos. Eu fartei-me de viajar pelo mundo inteiro. Os grandes repórteres chegavam de viagem e não iam para a redacção, iam para uma vivenda que o jornal tinha na Caparica, para não se preocuparem com nada a não ser o seu trabalho. Estavam ali. Chegou a haver um grande despique entre o "Diário Popular" e o "Diário de Lisboa", onde havia grandes repórteres como o Joaquim Letria, grande jornalista deste país. Hoje, a grande reportagem desapareceu.
Convenhamos que também desapareceram luxos como os refúgios para escrevê-las. Temos a alternativa do livro?
Para mim, não há distinção entre literatura e jornalismo. Aliás, o Baptista-Bastos diz que o jornalismo é uma disciplina da literatura, como é a ficção, a poesia, a história, etc. Quando escrevo, não estou a pensar se é para uma página de jornal ou de um livro. Recuso essa ideia mentecapta de que há uma escrita de primeira para os livros e uma de segunda para os jornais. Dantes, a melhor literatura encontrava-se nos jornais. Aliás, o grande pilar da literatura portuguesa é a crónica, que é consanguínea quer da literatura quer do jornalismo. Temos o Pêro Vaz de Caminha, que é genial, a "Campanha Alegre" do Eça de Queirós.
Com esse ambiente, mesmo para alguém que não tinha ideia especial de ir para o jornalismo, estava fora de questão mudar de área?
Sempre gostei muito. Ir embora não, até pelo contrário. Nessa altura, quando ia para um jornal, tinha já em perspectiva um outro. Não havia desemprego. As pessoas eram acarinhadas e recompensadas. Não éramos contratados a prazo, como agora. Havia realmente o problema da censura, mas hoje a manipulação é maior. A censura é apenas um capítulo do controlo da informação. Hoje há a obrigatoriedade de dizer. A Natália Correia, a certa altura, diz assim: "Tão censurante é impedir de dizer como obrigar a dizer." Basta ver o caso Casa Pia. Como rendia, lá se escrevia para encher. Hoje, o conselho que dou é que se resguardem, que não digam o que pensam, que tentem resistir.
Não é um pouco deprimente depender dessa inércia para sobreviver?
É um conflito, claro. No meu tempo era a capacidade de rebeldia e intervenção do jornalista, hoje é o contrário. Não dizer o que se pensa. É uma servidão.
No jornalismo, como noutras áreas, nem todos serão capachos.
Claro que não, óbvio que isto é uma caricatura, e gente com talento sempre houve. Para o povo português, nunca houve o problema da falta de talento. Em todas as épocas há gente muito criativa. Daí sermos dos mais antigos da Europa, temos uma sobrevivência muito grande.
Com um toque de desenrascanço, que já faz parte da nossa mitologia?
Sim, de criatividade. Como podemos aturar isto, é contornando. Ao longo da história tem sido assim. Explorações, ditaduras. A nossa história é pródiga nisto. São séculos e séculos a apanhar. Mas atenção que o português não é de bons costumes, como se pensa. Só quem não conhece a história pode dizer essa treta.
Já lutámos contra a própria mãe, para não ir mais longe.
É, quando extravasamos, somos frescos. Só no século XX matámos um rei, um príncipe herdeiro, um presidente da República, um primeiro-ministro. Foi uma alegria. Este povo não é muito bom da cabeça e pode tornar-se complicado controlar as pessoas. Estamos a lidar com um povo que faz coisas imprevisíveis, e esta garotada que nos governa, uns arrivistas que não sabem nada de nada, comporta-se como se Portugal tivesse nascido com eles. Já vi passar 17 primeiros-ministros desde que cá ando. É ir embora. Desde que vi Salazar ir embora, e eu pensava que Salazar era imortal...
Era a ideia que tinha?
Era assim uma espécie de deus, que se achava que existia mas ninguém via. Eu, por acaso, tive a prova disso. Conheci-o pessoalmente como jornalista, ouvi-o a discorrer. Agora, a maior parte das pessoas não esteve com ele. Houve ministros que nunca falaram com o Salazar. O nosso povo é muito manhoso, imprevisível, e capaz de coisas muito grandes. Natália Correia disse que o ultraliberalismo selvagem que aí vinha seria tão pernicioso como a Inquisição. No século XVI éramos dos países mais desenvolvidos que havia, o que contaminou outros países e alertou os poderes instituídos. Num passado recente, a Europa era a região mais desenvolvida do mundo. O ultraliberalismo está agora a provocar outro retrocesso civilizacional. Estamos a viver uma inquisição. Os humanistas, que se opõem, são queimados vivos, despedidos, difamados.
Quem são os grandes culpados?
Esta quadrilha que tomou conta da Europa, com a senhora Merkel à frente, que tem mesmo cara de inquisidora; só lhe falta pegar num ferro em brasa. Em Portugal é o que a gente vê. Estão contra a história, a evolução, o humanismo. Os nossos intelectuais também não percebem ou não têm uma visão deste conjunto. Os jornalistas também não têm independência. Estamos a assistir a um holocausto, agora contra a classe média. Dizem que temos um país de velhos. Qual é o problema disso? Hoje a produtividade não advém tanto do trabalho das pessoas; depende mais da sofisticação tecnológica do que do corpo humano. Como dizia a Natália, Portugal foi grande quando tinha dois milhões e meio de pessoas, depois começou a fornicar e a multiplicar-se e caiu nesta desgraça em que está. Temos mão-de-obra barata, carne fresca para os canhões. Querem mais jovens para não terem emprego? Porque é que a segurança social tem de ser sustentada com os nossos descontos e não com o rendimento do país? Tudo aldrabices.
Para quem passou pelo antigo regime e por 17 primeiros-ministros, este momento é o pior?
Ah sim, nunca vi um tempo tão complicado. O professor Agostinho da Silva bem formulou que a humanidade está a viver um dos momentos mais radicais de toda a história, que é a passagem da era do trabalho como obrigação para a era do trabalho como libertação. Da escravidão para o lazer. Mexe com os poderes instituídos. Isto está tudo condenado.
Fazem sentido suspiros por uma figura como Salazar?
Temos de contextualizar as coisas. Salazar não saberia actuar em democracia, só em ditadura. Cada época carrega as suas coisas. O que desanima muito as pessoas é o predomínio da mentira sistemática completamente impune; ninguém é responsabilizado. Estão perdidas, amedrontadas. E a igreja abençoou isto tudo. Agora que isto é o que é, a igreja está calada como um rato. Como tem muita experiência, escolheu um papa contracorrente para garantir o poder. Com o Ratzinger, fazia-se em cacos. Este tem uma linguagem de futuro, com boas qualidades, para enganar meio mundo. São muito habilidosos. Enfim, não sou católico. Está a ver, a minha conversa é uma chatice [risos].
Muito mudou, ou nem por isso, entre o livro "Os retornados estão a mudar Portugal", de há quase 30 anos, e o recente "Os retornados mudaram Portugal"?
Esse é outro fenómeno que houve, sobre as consequências da trágica e imprudente descolonização, que se abateu sobre quem vivia em África. Este retorno foi dos êxodos mais pungentes da segunda metade do século XX a nível mundial. Com a nossa má consciência, passámos uma borracha por cima. Ainda não entendi porque é que agora este tema voltou.
Temos uma relação de amor-ódio com a memória?
Não gostamos da memória. Temos má consciência. Branqueamos e não a recuperamos. Andámos todos de cravo no ar a lutar por uma sociedade mais justa e nunca estivemos numa fase tão desgraçada como hoje, sem um mínimo de orgulho, independência e dignidade. Cada vez há mais ricos mais ricos e mais pobres mais pobres. Vale a pena lembrar o Rousseau: "Uma democracia só o é se as pessoas não forem tão ricas que possam comprar outras pessoas e os pobres não forem tão pobres que tenham de se vender a outros." Temos o oposto disto tudo. Só mentecaptos no governo. Nunca vi tanto medo no meu país como hoje.
Que diferenças entre a Assembleia que frequentava há 40 anos e a de agora?
Nunca gostei da Assembleia. Achei aquilo uma palhaçada. Os deputados não são escolhidos por nós. É como ir ao restaurante. O empregado traz-me uma lista com quatro pratos e a minha liberdade é escolher dentro daquilo. Daí esse voltar de costas aos partidos. Basta ver como o PS não descola. Ninguém acredita nele. Este centrão, com PS, PSD e uma perninha de CDS, é o grande responsável pelo que há de mau neste país nas últimas décadas. Têm de ser responsabilizados. Eu tenho uma boa memória e termo de comparação. Ou se muda as políticas ou isto vai dar mau resultado. Lembro-me perfeitamente do dia 24 de Abril de 1974.
Onde estava?
Não vou dizer. Encontrei um administrador meu do jornal. Esse senhor dizia que o país não estava preparado para a democracia, para a revolução. Nessa noite, houve uma revolução. Na tarde do dia seguinte andava ele a chorar baba e ranho, a fugir para o Brasil. Depois voltou e teve um alto cargo nesta bela democracia. Percebam a precaridade disto. Estes tecnocratas programam o dia de amanhã como sendo igual ao de hoje, e não é. Estamos numa guerra civil atroz e, quando as pessoas não tiverem nada a perder, avançam. Espero que a componente católica mexa com a má consciência dos políticos, porque senão não vão sobreviver. Quando o Afonso Costa caiu, a população de Lisboa, onde havia imensos reformados, cercou a casa onde ele vivia e até o piano lhe atiraram para o olho da rua.
Com piano ou sem piano, podemos ver o povo a cercar Massamá?
Então não temos visto na Assembleia? A mostarda está a chegar ao nariz das pessoas. Nunca vi na minha vida qualquer político ser assobiado em todo o lado. Não têm o apoio da população. Mas com certeza que há soluções. Quando é necessário um líder com determinadas características, arranja-se. O papa Francisco ou o Obama, em poucas semanas, tornaram-se estrelas mundiais. Claro que pessoas de valor não vão agora partir pedra. O que temos são senhoras Merkel, que parecem criadas de servir, formatadas pelo Bloco de Leste. Que raio de gente a elege a mulher mais poderosa do mundo? Bem, vou calar-me com isto.
Usemos a sua boa memória para falar de memórias boas. Saiu de perto de Luanda com três anos. Lembra-se de alguma coisa?
Tenho memórias, sim. Do automóvel do meu pai. Naquela altura era um calhambeque [risos]. Já lá vão décadas, mas lembro-me de ir brincar para uma avenida com muitas árvores. Cinquenta e tal anos depois, voltei lá e a casa ainda existe. Sou um apaixonado por África.
Só lá voltou 50 anos depois?
À fazenda onde nasci, sim. Mas já tinha ido várias vezes a África. Angola é o país mais rico do mundo. Pode ser uma grande potência, tem gente muito criativa. Os povos de língua portuguesa estão muito criativos. Aliás, Pessoa diz que o primeiro afloramento internacional que projectou Portugal além-fronteiras não foi nenhum feito militar nem comercial, foi literário, com as cantigas de amigo e as crónicas de cavalaria. O nosso herói nacional é o Camões. Isto traduz a nossa grande criatividade.
Veio viver para o Douro em criança. Que país encontrou?
Vou-me dividindo entre o Alto Douro e a Beira Alta. Era um país rural, de pequena propriedade, em que as pessoas tinham na agricultura a sua subsistência, mas um país com grande espírito de solidariedade. Vivi numa aldeiazinha onde havia um forno comunitário, matava-se o porco. Na cidade havia o pequeno comércio, que era sustentáculo da família. Era um país pobre, mas também de entreajuda. A Agustina Bessa-Luís tem uma frase notável. "Nós, portugueses, temos a cultura da afectividade, como outros outros povos têm a cultura das ciências e das filosofias." Para o bem ou para o mal, para mim é inestimável. Hoje é só novos-ricos. Ao menos, os aristocratas não eram exibicionistas.
E como foi a sua vinda para Lisboa, depois de uma passagem por Coimbra?
Achei uma Lisboa muito divertida, pujante, com cafés abertos até às quatro da manhã, como o Monte Carlo, a Brasileira, onde convergiam os jornalistas, boémios, prostitutas, chulos, etc. Era gente muito viva, humana. Havia muita respeitabilidade por causa do regime, mas por baixo da mesa era só transgressão. E que grandes safadezas se faziam, não é como esta água-chilra de agora. Havia muita coscuvilhice. A coscuvilhice tem sido uma salvação do povo português. É muito saudável, porque incentiva o espírito crítico. Conspirava-se, mas como Salazar dizia que preferia ser temido a ser amado, não se ralava nada com isto. E ninguém defendia o Estado Novo nessas tertúlias. Muita gente gostava de Salazar sem ser salazarista. Como pessoa, era encantador.
Que recorda dele?
Era delicadíssimo. Agora, o Salazar político era implacável. Como homem, suscitava muitas paixões entre mulheres e homens. Tinha um carisma enorme. Era até engraçado haver essa divisão. Tinha as suas máscaras. Um estadista deve ser assim. Não era como Marcello Caetano, que dizia que não podia fazer nada porque até as mulheres dos seus ministros diziam mal dele no cabeleireiro.
Há uns três anos falou da sua homossexualidade num livro da jornalista Raquel Lito. A orientação nunca foi um problema nesses tempos idos?
Nessa altura as coisas faziam-se. A vida privada de cada um era a vida privada de cada um, e estava tudo bem. Bastava ter algumas manhas. Faz parte do português ser manhoso.
E agora a crónica de um jornalista desse tempo, Baptista Bastos, hoje no Jornal de Negócios. O jornalismo no tempo de Marcello Caetano e Salazar não era bem como costumam contar os Rosas& Pereira. Era mais ou menos assim, como aqui se conta. Mas só quando estão distraídos. Se alguém lhes perguntar a propósito, respondem algo diverso disto que escreveram, porque a "narrativa" passa a ser outra. Ideológica, como o Baptista-Bastos, filho do Chico Bastos, sem hifen e tipógrafo, bem sabe contar e aqui dá uns laivos de récita: " A volta a Portugal era a fuga à enxada, às jornas de sol a sol, ao trabalho violentíssimo dos campos"...ou seja, um contraste flagrante com a vida preguiçosa de que fala Fernando Dacosta em que se trabalhava algumas horas da parte da manhã e a tarde era para a "rambóia". O Bastos, filho do Chico, sabe muito bem que assim era, mas continua a ser um dever falsificar a História para lhe dar o colorido habitual...
Não têm emenda.
"A democracia controla pelo chinfrim"
ResponderEliminarehehehehe
tem razão sobre
ResponderEliminara tecnologia comandar o futuro
a 2ª república e o 'mestre António'
o 4º poder a lixar o rectângulo
a porcaria a que chamam democracia
a AR e as suas frustrações
o ps até usa o velho símbolo do partido comunista Alemão
tózero a nulidade
José, olhe que se o Bastos, filho do Chico, se refere aos tempos até fins da década de cinquenta, tem razão quando diz que era então violentíssimo o trabalho nos campos, com jornadas de trabalho de sol a sol e que a fuga à enxada era então a suprema aspiração dos jornaleiros dos campos.
ResponderEliminarDesconfio que seja egoismo, mas folgo em "vê-lo" de volta.
Como é que em 1958, no Alto Alentejo, podia haver uma vida de trabalho constante no campo, de sol a sol?
ResponderEliminarSe houvesse, o Alentejo era riquíssimo.
Devia ter culturas de tal modo variadas que nem seria preciso qualquer alteração de rega ou assim.
ehehehehehe
Aliás, era devido a essa riqueza que obrigava a trabalhar de sol a sol, todo o ano, que os alentejanos só migravam para a volta a Portugal em bicicleta
ResponderEliminar":O))))))
O trabalho na lavoura, de sol a sol era uma realidade em todo o país. E daí?
ResponderEliminarQuer isso dizer que seria melhor o sistema laboral dos jornalistas de então?
Ou quer isso dizer que era o tal "fassismo" que a tal obrigava e por isso é denunciado pelo Bastos, filho do Chico?
Parece-me que é esta a vertente que o Bastos, filho do Chico, sempre com a consciência de classe nas mãos, quer dizer.
O que denota sempre o mesmo.
Seja como for, ele fala da herdade Abel Pereira da Fonseca.
ResponderEliminaré um bom exemplo do que resistiu e ainda se mantém por cá.
E é também um bom exemplo que isto de "ricos" não é coisa genética, como a escardalhada insiste.
Eu nem percebi o que ele denunciou.
ResponderEliminarEle denunciou a morte do ciclista como culpa dos ricos que depois abafavam as notícias.
Nem se percebe bem o que quer dizer.
O trabalho tinha de ser de sol a sol, claro- sempre foi, em toda a parte. Só mudou com tecnologia.
Em qualquer democracia também era de sol a sol. E bem mais duro em muito mais sítios.
Agora todo o ano é que não era. Precisamente por não ser uma cultura intensiva.
Os "ratinhos", que eu saiba, não eram migrantes da volta.
Mas é isso- o trabalho de sol a sol era culpa do "facismo".
ResponderEliminarA ideia é esta e sempre esta, e está pronta a usar em qualquer ocasião.
O resto é que são historietas para encher a mensagem.
"Consciência de classe"- ehehe o José citou bem o chavão.
ResponderEliminarÉ isso- a escardalhada diz que tem essa coisa- "consciência de classe".
Ou seja- ressabiamento que cobram aos outros, até à eternidade.
Pelo meio, se puderem vingança, tratam o ressabiamento bem tratado, nas revfoluções.
Claro que a "Consciência de Classe" permite que vão a líderes das massas e aí não faz mal serem burgueses e até ficarem bem riquinhos e sobas, porque a causa é mais importante
":O)))))
Ele não denuncia nada, porque não tem nada para denunciar. Portanto, como bom jornalista, insinua.
ResponderEliminarInsinua que os dois ciclistas morreram porque não havia médicos na volta, por conta do "atraso", que era o mesmo que punha as pessoas de enxada na mão a trabalhar de sol a sol. Como toda a gente devia saber, o atraso vem do "fachismo". Pronto.
Ele, e os outros, andavam na "batalha pela liberdade".
É curioso quando estes parvos falam no passado, normalmente para lhe tecerem elogios (aqui era que os jornalistas "faziam-se na dura aprendizagem da notícia") em contraposição com o presente, aparentemente não percebendo que se queixam do resultado da sua bela "batalha pela liberdade"...
Que é outra coisa que leva a que uma pessoa se interrogue se esta gente vive no mesmo mundo que nós. Foi tal a batalha pela liberdade que, hoje, ninguém a tem. A não ser que ver os ordenados e pensões cortados todos os anos, os impostos e os preços aumentados todos os anos, seja reflexo de liberdade. A não ser que o país ser mandado fazer pelo estrangeiro a quem se dirige de palma estendida, seja liberdade. A não ser que ver a nossa língua mutillada por imbecis e sua a promulgação porque sim por celerados contra a vontade geral, seja liberdade. A não ser que correr o risco de assassinar seres humanos no ventre ao mesmo tempo que se permite que casem sem nunca poderem conceber, tudo contra a vontade geral, seja liberdade. A não ser que a gasolina e portangens custarem os olhos da cara seja liberdade.
Mas que liberdade, sr. Baptista Bastos?
É isso- insinuam.
ResponderEliminarE vivem na utopia do passado- à Radio Nostalgia.
São nostálgicos da Revolução que a miséria e o "facismo" do passado podia ter proporcionado.
Vivem das cavadelas utópicas que nem deram
":O))))))
Do BB sei uma história verídica acerca da Liberdade do "foi para isto que fizemos o 25 de Abril".
ResponderEliminarTem muita piada.
Uma vez, entra ele no Águia de Ouro e estava lá uma rapariga girinha mas que, por ter hábitos de "província" não tirava os pelos debaixo dos braços.
E vai ele, depois de mandar uns piropos, diz bem alto, para que todos em volta pudessem ouvir:
"estão a ver? ela tem liberdade para andar com os pêlos debaixo dos braços, bem à mostra", graças a nós.
Porque foi para isto que fizemos o 25 de Abril!".
E vai a moça e responde-lhe, com ar cândido e muita ironia:
"olhe, se a minha mãezinha tivesse mau gosto, ainda era capaz de lhe dever mais alguma coisa que os pêlos"
AHAHHAHAHAHAHA
Ahaha!
ResponderEliminarSão uns grunhos é o que é...
Cara Zazie e José
ResponderEliminarnasci no norte do Alto Alentejo em 1931 e em 1938 tive a suprema sorte viver num concelho da Beira Baixa próximo da região dos 'ratinhos'. o 2º marido de minha Mãe era armazenista dos bens produzidos nos 4 concelhos próximos.
conheci bem a realidade local e do país por frequentei 7 liceus da Guarda a Lisboa e as 3 universidades então existentes.
sinto vergonha de ter a mesma nacionalidade dos típicos 'ó fascista de merda onde estavas no 25 de abril'. fico com a impressão de ter vivido noutra galáxia.
o alentejano era mole, sem iniciativa nem vontade de trabalhar.
o sol a sol começava à saída e
a entrada em casa.
qualquer semelhança com o trabalho dos 'ratinhos' era 'pura e mera' coincidência. dormiam no local de trabalho e eram eficientes. por isso eram procurados.
tinham iniciativa por isso sempre emigraram para Ãfrica e Brasil. ainda hoje existem importantes fortunas no Brasil. em 1960 viraram-se para a Europa.
os alentejanos do meu tempo vieram morrer de fome e doenças na grande Lisboa.
como ecologista descomprometido tenho horror aos quercus & cia.
ResponderEliminarconheci várias árvores malditas:
sobreiro porque limitava a pastorícia,
pinheiro pela mesma razão, Salazar mandou plantar de avioneta os que ardem nesta altura. os possuidores de rebanhos contratavam as crianças da primária para os arrancar
actualmente o eucalipto
Um dia destes estive a dar uma vista de olhos na troca de correspondência entre o Alfredo Da Silva e o então Ministro das Finanças Oliveira Salazar.
ResponderEliminarFoi uma experiência engraçada. Afinal, o compadrio não foi uma invenção democrática.
A diferença-substancial-
ResponderEliminare que Alfredo da Silva e Salazar não se moviam pelos mesmos princípios de hoje.
Na altura, a ligação era considerada de interesse nacional e por isso protegida. Hoje, a ligação é o que se pode ver no BPN e BCP e Mota Engil.
Que conste, Salazar tinha uns míseros contos ( duas ou três centenas) na conta, quando morreu.
E Jorge Coelho quanto tem? E Dias Loureiro? E o Machete? E o Soares? E? E?
A diferença é essa.
E com Caetano a ética ( que então se chamava moral e que os jacobinos mudaram para lhe dar um ar mais modernaço e nórdico) era a mesma: quando morreu deixou aquilo que ganhou honestamente. A filha não foi beneficiada por isso.
ResponderEliminarE agora, como é? É ver os filhos dos que estiveram no poder...
É melhor nem comparar porque até me dá vómitos de indisposição moral.
ResponderEliminarIsto não se vê? Não se torna importante? Porque é que os jornais não pegam nestas coisas?
ResponderEliminarSimples: têm lá os balsemões que deitaram a mão à saca. Ao pote...
Não comparei Salazar, em termos de interesses e de valores com os actuais autores de compadrios.
ResponderEliminarOs princípios que regem uns e outros são absolutamente diferentes, não há como negar.
O facto é que os compadrios existiam, como não podia deixar de ser em qualquer ditadura, e no caso de Alfredo da Silva, que era capitalista e não político, o interesse era o lucro. Ontem como hoje. Quando se dirigia a Salazar, sob qualquer encapotanço nacional, tinha por objectivo ser protegido, ele e o seu lucro, ontem como hoje.
O mundo imaginário de ontens que cantam não existiu.
E com todas as dificuldades a que estamos expostos (dificuldades e escândalos como os Machetes desta vida), as pessoas normais AINDA vivem hoje melhor do que viviam no pré 25.04
Ainda há uns tempos disse, aqui, que os Espírito Santo nasceram no Estado Novo (um bocado antes mas o boom primeiro foi aí).
ResponderEliminarNada disso, foi o que se ouviu.
Nem o facto do patriarca Espírito Santo ser visita de casa do Salazar serviu de indicador.
Ora, não foi minha intenção dizer que Salazar era corrupto até porque não me parece que o fosse, no sentido que damos hoje à corrupção.
O que acontece é que só por ignorância ou má vontade se pode achar que os Espírito Santo eram donos da, vá lá, Comporta (toda!) sem protecção superior numa ditadura.
Enfim...
Kaiser...
ResponderEliminarTodos os homens tem relações... Nada mais natural. A questão está na natureza das relações (evolutiva / prejudicial). Todos nós fazemos as nossas escolhas e aproximações para levar adiante os nossos projetos e quem mais próximo está mais benefícios poderá naturalmente recolher.
O que importa diferenciar no caso BES:
No estado novo serviu para a sociedade crescer, na democracia serviu para a sociedade ficou endividada.
O Alfredo da Silva foi trocado pelas EDPs do regime numa lógica completamente adversa e até prejudicial ao livre capitalismo.
"os Espírito Santo eram donos da, vá lá, Comporta (toda!) sem protecção superior numa ditadura."
ResponderEliminarEssa lógica é a mesma que a do livro Os Donos de Portugal, do BE.
Os Espírito Santo compraram a Comporta quando a Comporta não tinha o valor de hoje.
Tal como a Quinta da Marinha e outros sítios.
A questão fundamental, para mim, é outra: quem produziu mais riqueza em prol do bem nacional?
Os Espírito Santo de antanho ou os de agora?
A resposta para mim é claríssima e tem a ver única e exclusivamente com o regime.
O regime do Estado Novo não foi capturado por ninguém em particular; o da democracia foi capturado por uma série de interesses, entre os quais avultam os dos actuais Espírito Santo.
O alentejano é preguiçoso. O algarvio trabalha um pouco mais mas está longe do vigor do beirão ou do minhoto. De qualquer das formas as coisas fazem-se com bons patrões.
ResponderEliminarO livre jogo das regras democráticas, em que os partidos são parte essencial e importante, leva a isto: o financiamento partidário e pessoal, de alguns dos seus lídimos representantes é assumido claramente pelo capitalismo. Financiado em dinheiro mas também em cargos, empregos e prebendas diversas. Dantes não era assim.
ResponderEliminarA prova mais clara e directa do falhanço do socialismo está nos dois anos a seguir às nacionalizações da indústria e da banca. Uma série de maus investimentos e má gestão generalizada conduziu o país à bancarrota, em 1976.
ResponderEliminarÉ isso que se prova dos factos que tenho vindo a mostrar com a imprensa da época. Indesmentíveis, factuais e concretos, objectivos.
Até nas universidades os alentejanos, especialmente do Baixo Alentejo, e os algarvios, são alunos diferentes. A maioria demora imenso tempo para chegar ao fim dos cursos.
ResponderEliminar«A prova mais clara e directa do falhanço do socialismo está nos dois anos a seguir às nacionalizações da indústria e da banca. Uma série de maus investimentos e má gestão generalizada conduziu o país à bancarrota, em 1976.»
ResponderEliminarA canalha tentou copiar um pouco de tudo o que se faz por fora. São ignorantes doutorados ou diplomados e provincianos. Nunca se deram ao trabalho de estudar a nossa História e criar modelos adequados à nossa realidade cultural.
O próximo ataque é com o cheque-ensino.
Gostava de ver na tv um debate sobre estes temas com algumas pessoas:
ResponderEliminarFerraz da Costa; Silva Lopes; Medina Carreira; Garcia dos Santos; Ramalho Eanes; Barbosa de Melo; Feytor Pinto; Jaime Nogueira Pinto; Sérvulo Correia; Freitas do Amaral e mais uns tantos.
Como moderador do debate...alguém que saiba disto.
Um bom exemplo: Bruno Maçães. Inteligente e com formação acima da média, mas um provinciano. Procura exemplos de fora para justificar as suas posições. Não cria nenhuma ideia com base em conhecimentos que tenha da cultura portuguesa, do país.
ResponderEliminarEntendo a angústia de juntar "compadrio" ao supostamente impoluto Salazar.
ResponderEliminarAs apreciações feitas quanto ao tipo de compadrio e ao efeito do mesmo são legítimas mas tratam-se um outro assunto.
Poderia, por exemplo, contrapor que, como muitos outros antes dele e muitos outros depois, o poder estava para Salazar como o dinheiro está para muitos dos exemplos citados por aqui.
Ah, e não citei a Comporta pelo valor monetário da coisa. Citei a comporta pela extensão de uma propriedade privada em ditadura, apenas e só. Mas, quanto ao valor, se tiver terreno suficiente ele vale sempre alguma coisa.
É engraçado. Na minha fraca percepção de "captura" eu entenderia que o Estado Novo foi capturado pelo Salazar mas, enfim...
ResponderEliminarQuanto às nacionalizações do pós 25.04 não podia estar mais de acordo.
Agora, se uma estupidez limpa outra; se um compadrio limpa outro; se uma má decisão limpa outra é uma discussão sem sentido.
No ano passado atravessei o país pela nacional desde o Porto até ao Algarve. No Alentejo, ao contrário do que sucede no Norte, os quintais não têm jardins, árvores e hortas -só voltam a aparecer no Algarve. As aldeias do Baixo Alentejo são uma tristeza: à volta do casario nada se vê.
ResponderEliminarkaiser,
ResponderEliminarNão tem os seus compadrios nas suas relações de trabalho? Não criou as suas próprias ligações descartando outras? Qualquer estrutura de poder tem que ter ligações senão cai no vazio.
A diferença está na atitude. E tudo mudou do dia para a noite entre a ditadura e a democracia.
Essa treta de compadrios é conversa mole de marxismo cultural onde o compadrio para eles é substituído por um comité, lideranças bicéfalas e o raio que os parta.
O compadrio actual é muito mais extenso e perverso do que há 40 anos.
ResponderEliminarVou colocar o diário das sessões da Assembleia Nacional de 31 de Janeiro de 1973 sobre o caso da Capela do Rato e no fim de contas, da Guerra do Ultramar.
ResponderEliminarAfinal, o compadrio não foi uma invenção democrática.
ResponderEliminarQuem é que lhe disse que era?
Os princípios que regem uns e outros são absolutamente diferentes, não há como negar.
Óptimo. Partamos daí.
O facto é que os compadrios existiam, como não podia deixar de ser em qualquer ditadura [e sobretudo em democracia, como a realidade revela dolorosamente], e no caso de Alfredo da Silva, que era capitalista e não político, o interesse era o lucro. Ontem como hoje. Quando se dirigia a Salazar, sob qualquer encapotanço nacional, tinha por objectivo ser protegido, ele e o seu lucro, ontem como hoje.
De acordo, se feito o acrescento de rigor.
O mundo imaginário de ontens que cantam não existiu.
E com todas as dificuldades a que estamos expostos (dificuldades e escândalos como os Machetes desta vida), as pessoas normais AINDA vivem hoje melhor do que viviam no pré 25.04
Antes de mais, conviria perceber a que se refere exactamente quando fala em "pessoas normais". Quem são elas? São as do seu conhecimento? As que vê todos os dias? As que vê na televisão? As que lê nos jornais? Quais?
Senão vejamos: o país está melhor hoje que em 74? É mais justo? Mais próspero? Mais respeitado? Mais independente? Mais seguro? Mais asseado?
Eu parece-me que não. Diria que está pior em tudo ou quase, e não sou o único. Creio até que o Kaizer partilha da mesma opinião, pelo menos em parte.
Ora se o país não está melhor, e se o país é, antes de mais, as pessoas que o compõem, a sua afirmação surge como paradoxal: como pode o país estar pior mas viver melhor ao mesmo tempo?
A mim apenas se me afigura uma explicação: o Kaiser, como tantos outros, parte do princípio que viver em democracia é viver melhor, só por si.
Só que essa é uma falácia conhecida - petitio principii - a de partir do princípio que se pretende provar!
Ora, não foi minha intenção dizer que Salazar era corrupto até porque não me parece que o fosse, no sentido que damos hoje à corrupção.
O que acontece é que só por ignorância ou má vontade se pode achar que os Espírito Santo eram donos da, vá lá, Comporta (toda!) sem protecção superior numa ditadura.
Protecção superior? Mas protecção contra quem ou o quê? Quem é que, aparte outros capitalistas, ameaçava os Espírito Santo, Mello, ou fosse quem fosse?
O que necessita protecção é o interesse comum! Não são os capitalistas! Os capitalistas têm dinheiro! Muito, por definição!
Que um capitalista seja dono do que quer que seja, não espanta ninguém. É o contrário que surpreende!
O dr. Salazar (como Caetano) tinha necessidade dos capitalistas como tais, porquanto o país os não podia dispensar nem ao seu capital. Penso que isto é de acordo comum, se exceptuarmos as opiniões mais radicais (tanto de esquerda como direita).
ResponderEliminarOnde o Kaiser cai em erro é em pensar (ou aparentar pensar) que os capitalistas necessitavam do dr. Salazar para alguma coisa! Hoje não necessitam dele para nada, veja lá! Hoje necessitam de democracia como de pão para a boca, a aquilatar pelas contribuições generosíssimas que fazem para a manter de pé, sob a forma de doações e variados financiamentos aos partidos políticos e seus membros.
Os grandes capitalistas são quase sempre liberais. E isso explica-se de forma simples: como capitalista, o meio mais poderoso que tem à sua disposição para fazer avançar os seus interesses é a grande quantidade de dinheiro acumulado que possui. Portanto, o sistema político que melhor lhe convém, é aquele que mais influenciável pelo dinheiro for, aquele que for mais favorável à sua melhor ferramenta. E esse é o sistema democrático. É-o por via dos partidos que face às necessidades de propaganda que têm, necessitam de muito dinheiro para as levar a cabo. São completamente vulneráveis neste aspecto. O que faz com que vulnerável se torne todo o sistema, pois os partidos influem nele quase todo.
É evidente que este é o calcanhar de Aquiles da democracia. E a seta envenenada contra ele disparada é a comunicação social "livre", que sob controlo dos mesmos capitalistas injecta o veneno do embrutecimento popular nos eleitores. E assim está feito o arranjinho e eis como têm eles "o boi pela argola".
A solução do dr. Salazar foi acabar com a argola constituída pelos partidos e pela comunicação social. Os capitalistas continuavam a ter muita influência, como terão sempre enquanto tiverem capital, mas essa influência tinha um limite no Presidente do Conselho, cuja autoridade e permanência não dependia deles para nada e, em último caso, no Presidente da República, que estava nas mesmas condições. Para além de um limite era uma grande ferramenta que o governante tinha à sua disposição, soubesse ele orientar a influência dessas pessoas no sentido dos interesses do país, como me parece que soube, bem vistas as coisas.
E com um homem diferente de Salazar, não seriam diferentes as coisas? E se outro Salazar tivesse morrido deixando um imenso património, uma catrefa de filhos e parentes espalhados a todos os níveis do Estado, um país sem infraestruturas: sem portos, aeroportos, rede ferroviária, estradas, barragens, hospitais, rede telefónica, rede elétrica, etc? Não seria igualmente possível ter saído um Salazar destes? E teria sido muito pior que uma democracia!
Mas não foi. A realidade é que não foi. E Caetano, que foi escolhido pelo regime, também não foi. De nenhum se pode afirmar que tenham beneficiado no que quer que fosse que se visse, do seu serviço prestado à Nação.
E não se pode afirmar que o Estado funcione melhor agora do que sob o governo desses dois senhores. E penso que será necessário recuar centenas de anos, antes de encontrar um Estado português que funcionasse tão bem como aquele.
Esta é a realidade. Pessoalmente, acho que a dita "liberdade" que me conquistaram, nomeadamente a de proferir e propagandear ideias esquerdistas (porque é, essencialmente, a quanto se limita em mais que a de Salazar, para além de reduzir esta em muito para as ideias das direitas) não vale um tostão furado comparado com o que destruiram no processo: o país, basicamente.
Por causa destes postais tenho reflectido sobre a questão de estarmos ou não melhores agora que antes, há 40 anos.
ResponderEliminarGlobalmente, estamos melhor, como alias os demais países.
A questão para mim não é essa: é a de que poderíamos estar muito melhor e à frente dos melhores países da Europa.
É essa a minha tese.
Estamos aparentemente melhores porque houve avanço tecnológico proporcionado pelo capitalismo e não pela democracia.
ResponderEliminarEstaticamente comparando com o inicío da década de 70 o padrão de vida dos portugueses hoje é menor do que aquele tempo.
Mesmo com a crise que os políticos não vão conseguir vencer nesta década, Portugal, estará mais desenvolvido que nos anos 80 e 90 graças ao "horrível" capitalismo.
Até podemos cair de 50% para 40% no padrão da vida quando comparado com os europeus. Mas a maior parte continuará a ir a festivais, comprar gadgets, automóveis, o que for... graças ao livre mercado.
ResponderEliminarNão se confunda a crise com a solução socialista à moda de Cuba onde todos por lá tem emprego mas vivem na miséria.
Na Agricultura, considerado como o sector primário da economia, estamos melhor, porque produzimos mais com menos gente, devido à tecnologia e racionalização de meios e infra-estruturas.
ResponderEliminarParadoxalmente, não temos agora alguns produtos que há 40 anos eram de outra qualidade. Por exemplo o bacalhau...
A carne de porco já não tem o sabor de antanho porque não é curada da mesma maneira. Mas a carne de bovino é melhor agora que antes.
A fruta não é a mesma e não tem o mesmo sabor, alguma.
O peixe em geral é melhor e mais variado.
O vinho é mais variado e talvez melhor, tirando o do "produtor".
O pão é melhor.
O arroz e as massas são melhores. As batatas não são melhores.
Os legumes são iguais ou talvez piores.
O frango é melhor, tirando o do "produtor" que era muito melhor dantes.
Há sabores que se perderam e outros que se ganharam mas na generalidade é tudo melhor.
Há melhores restaurantes mas paradoxalmente com a diminuição dos produtos "caseiros" as ementas têm outro sabor e para pior.
ResponderEliminarE na indústria, sector secundário?
ResponderEliminarAí nem é preciso pensar muito: os "camaradas" liquidaram tudo em Março de 1975. E Portugal nunca mais foi o mesmo, nesse sector.
E os serviços, sector terciário?
ResponderEliminarOra aí é que me parece que houve grande transformação e nem sempre para melhor.
As comunicações deram um salto de gigante. As vias de comunicação deram uma salto qualitativo elevado.
Os meios de comunicação e transporte melhoraram.
Os hospitais tornaram-se europeus.
E ensino, esse, regrediu desde a escola primária e na universidade é preciso colmatar a falha.
Dizem que a geração de agora é a melhor preparada intelectualmente, desde sempre.
Talvez, segundo os paradigmas actuais, mas não segundo o modelo ideal que havia dantes.
Só um reparo José.
ResponderEliminarNas ferrovias houve um claro retrocesso no que toca ao mapa ferroviário que anteriormente ligava o país.
No excelente comentário de Mujahedin de 11/8 às 11,26, em síntese está pràticamente tudo o que há a dizer sobre este tema.
ResponderEliminar----------------
O José tem carradas de razão no que afirma sobre Salazar, Caetano e o Estado Novo. Estou à vontade para falar, bem ou mal, sobre o anterior regime porque fui educada por um Pai republicano e por uma Mãe monárquica. Ambos, cada um por motivos diversos, muito longe de devotarem grande simpatia a Salazar e ao seu regime, antes pelo contrário.
Não obstante, como aqui já disse inúmeras vezes, tanto o nosso Pai como a nossa Mãe jamais disseram mal de Salazar ou de Caetano. O meu pai conhecia este último. Um dos médicos particulares de Salazar, o Prof. Vasconcelos Marques, era o ortopedista do meu Pai. Travaram frequentes conversas e também sobre o Estadista, como seria natural.
Eu era miúda nessa altura por isso pouco ouvi sobre assuntos políticos, aliás muito pouco abordados e menos ainda discutidos por variadas razões, mas mais tarde e eu mais crescidinha, uns anos antes do meu Pai falecer ainda houve oportunidade de o ouvir falar uma ou outra vez sobre os dois governantes.
Uma coisa é certa, Salazar mantinha um certo controlo sobre os capitalistas do regime, mas mínimo, porém o suficiente para os Espírito Santo e demais (poucos) capitalistas não porem os pés em ramo verde. Nem era preciso, Salazar impunha respeito absoluto a todos aqueles que dele necessitassem para realizar os seus negócios.
O nosso Pai pouco falava de Salazar ou do regime, éramos demasiado pequenos para entabular esse tipo de conversas, se mais não fora por não querer influenciar os filhos para um lado ou para outro e por respeito para com a nossa Mãe, monárquica.
Do que me lembro, sim, foi de o ouvir elogiar Salazar algumas vezes. Uma delas, por exemplo, de ter preservado o país da guerra. Outra vez, de conservar o país com segurança e paz social, qualidades estas que, sublinhava, eram devidas em exclusivo ao Estadista.
É claro que como republicano convicto, ainda por cima educado numa Coimbra cuja Universidade estava então pejada de esquerdistas, o nosso Pai não podia gostar do regime. Mas nunca disse nada de difamatório ou insultuoso relativamente à pessoa de Salazar ou sequer a M. Caetano.
Por todos estes motivos e mais alguns, fazendo uma comparação mesmo que superficial entre este regime e o anterior, por amor de Deus!, não há comparação possível mesmo que com muito boa vontade. Salazar e todos os políticos que com ele trabalharam não mentiam como estes o andam a fazer compulsivamente desde o início da democracia; não assaltaram os cofres do Estado nem roubaram o erário público como estes o andam a fazer escandalosamente há décadas; Salazar preservou o país da violência e do crime, contràriamente a estes farsantes da governação que lhes abriram as portas do país de par em par permitindo o estabelecimento no país das piores redes criminosas que existem no mundo, as mesmas que só se movimentam livremente nas 'democracias', justamente para isso é que elas foram criadas, como é por demais sabido.
A 'liberdade e a democracia' que não sai da boca dos 'democratas' vai para quarenta anos, valem ZERO comparadas com um regime, que sendo embora autoritário, deu aos portugueses liberdade, sim, disse liberdade, com responsabilidade, respeito pelos outros e pela autoridade, paz social, segurança, bem-estar, alegria de viver e felicidade pura. Em contrapartida a famigerada 'democracia' só nos trouxe violência, crime, corrupção, droga, pedofilia, pobreza, emigração, vadiagem, desrespeito por tudo e por todos, etc.
Para que nos serve esta (falsa) liberdade se ela desfez uma Nação de 900 anos em cacos? Se para ter a pseudo liberdade apregoada à exaustão por políticos mentirosos, cínicos, hipócritas e ladrões somos obrigados a suportar todo o estendal de desgraças como as citadas, então não, muito obrigada. Prefiro ser sumamente feliz sem 'esta' maldita liberdade, do que ser insuportàvelmente infeliz com ela.
Importante testemunho o seu Maria.
ResponderEliminar"Do que me lembro, sim, foi de o ouvir elogiar Salazar algumas vezes. Uma delas, por exemplo, de ter preservado o país da guerra. Outra vez, de conservar o país com segurança e paz social, qualidades estas que, sublinhava, eram devidas em exclusivo ao Estadista."
Salazar conseguiu manter-se aquele tempo todo pelo reconhecimento das mulheres portuguesas (nas palavras que refere) e pela sua construção económica.
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ResponderEliminarPara comparar o antes e o depois de 74, há um simples dado macro-econômico: o peso da economia portuguesa frente a economia espanhola.
ResponderEliminarEm 1970, a economia nacional (PIB) pesava 46% da espanhola. Como tem evoluido o relacionamento 40 anos depois?
--> de 46% passou a 16%
Então, progresso o retrocesso??
É exactamente isso que pretendo dizer com as minhas demonstrações empíricas porque é isso que sinto que se passou.
ResponderEliminarOs entendidos na matéria é que poderiam falar sobre o assunto, um programa de tv.
Seria muito interessante mas seria ao mesmo tempo a descredibilização do actual regime.
Toda a gente ficaria a perceber que o "rei vai nu", nesta demo-partidocracia.
Obrigada Vivendi pelas suas palavras. Mas está no mesmo plano do que eu, tudo o que escreve relativamente ao anterior regime é de uma justeza absoluta. Quem chegou a viver nele o tempo suficiente para poder fazer comparações, só por maldade intrínseca ou oportunismo puro - de que a esquerda unida, cínica e hipócrita até dizer basta, é o exemplo acabado - é que não o quer reconhecer. Pois pudera!, não quer nem pode, se o fizesse acabavam-se as prebendas e mordomias e um senhor tacho para a vida.
ResponderEliminarNão posso deixar de acrescentar um pormenor curioso ao comentário anterior, sobretudo porque vindo da parte de um republicano dos sete costados, referente aos muitos anos de duração do Estado Novo.
Um dos meus irmãos mais velhos, já com idade para debater política, um dia perguntou ao nosso Pai o que achava de o governo de Salazar ser o mesmo há tantos anos.
A resposta não podia ser mais clara: "nenhum país aguenta mudanças de governo constantemente, é o que se passa em Itália, torna-se ingovernável..., desde o final da guerra já teve 45 governos, um país para ser bem governado necessita de estabilidade política e social".
Não mencionou o Estadista nem era preciso, o elogio estava implícito na resposta.
Maria