Imagens de João Martins Pereira, da Vida Mundial de 17.10.1974 e Público de 15.11.2008
"Eles não sabem que o sonho, é uma constante da vida..." - António Gedeão
Decorreu neste fim de semana, um congresso internacional sobre o Marxismo, na Universidade Nova, organizado pela Esquerda portuguesa. Os nomes portugueses, são em boa parte, do Bloco, com destaque para Fernando Rosas e Francisco Louçã.
Contou ainda com participação de alguns históricos, como José Barata Moura, o celebrado autor de Joana come a papa, para além de estrangeiros. O fito do congresso, segundo Fernando Rosas que deu hoje, o seu contributo explicativo na SIC-Notícias, era o debate, puro e simples.
O marxismo, segundo Rosas, explicou o desenvolvimento do capitalismo, para concluir que as contradições inerentes, levariam a uma situação de alternativa. Fernando Rosas, continua a acreditar no "sonho", reafirmando o regresso ao "sonho" .
Ora que "sonho" é esse e que até John Lennon, em 1970, já tinha declarado o seu fim?
O de uma sociedade mais justa, mais igualitária, onde se erradicaria a exploração do Homem, pelo Homem, através da abolição do sistema capitalista e da implantação de uma sociedade socialista, comunista para todos perceberem melhor.
É essa utopia, que agora perfaz 150 anos que retoma o seu esplendor, em que os amanhãs cantarão, numa harmonia universal, de plena igualdade de todos. Nesse estádio último, cada um contribuiria com o que poderia, para aqueles que necessitariam de contribuição.
Esta ideologia, fantástica e de coerência "científica", de apelo à harmonia universal, convenceu milhões, durante as últimas décadas. Moldou a existência de outros tantos, de países inteiros, de teorias que enchem várias bibliotecas. Há vinte anos, tudo isso ruiu com o fragor do maior embuste de todos os tempos.
A derrota ideológica foi tão avassaladora que alguns países que experimentaram as consequências práticas da utopia, baniram para sempre do espectro político os partidos que se reclamavam de tal embuste, de tal logro gigantesco.
Na Europa, não sobrevive um único partido que se reclame da "classe operária", em modo exclusivo, tirando alguns grupúsculos de radicais livres. Todos mudaram de nome e feitio. Abdicaram dos princípios científicos e mudaram as bagagens para a praxis do pluralismo político, e em vez da ditadura proletária em nome de uma classe que deixou de existir enquanto tal, acabaram refastelados nos bancos parlamentares mais corridos e assimétricos.
Por cá, em Portugal, no entanto, há mais de trinta anos que vicejam na secreta esperança de o mundo mudar de pernas para o ar e voltar a respirar-se o ar de sonho que despontou nas semanas a seguir a 25 de Abril de 1974.
Foi nessas semanas que vieram cá os grandes arautos da mudança, vindos de França, como Sartre, que no entanto, morreu, num descrédito ideológico total, pessoal, assumido, sobre a utopia. Nem isso demoveu os crentes da Fé laica no socialismo de sonho.
Esta semana, morreu João Martins Pereira, invocado há dias, neste blog, como autor de ensaios sobre o capitalismo, de um ponto de vista marxista.
João Martins Pereira, formou-se no tempo do salazarismo/caetanismo. Segundo o obituário do Público, JMP estaria de corpo e alma neste congresso, sendo um dos elementos relevantes do Bloco, ao ponto de Francisco Louçã, o considerar " sem dúvida o pensador marxista mais criativo em Portugal, de um marxismo que não estava preso a nenhuma ortodoxia".
E é este o último dos mitos: o da liberdade de interpretação marxista, para melhor fazer entrar pela janela o que já não é possível de admitir que entre pela porta fechada: a ideologia de Esquerda no seu melhor e mais acabado colectivismo, com um Estado de sítio nas ideias básicas, enunciadas por Marx.
Ou seja, a sempiterna luta de classes, a hipótese das vanguardas revolucionárias, a substituição do modo de produção individual ou particular, pelo do Estado sobre todos, representante dos trabalhadores.
Estas ideias básicas, simples, directas ao coração do sistema de produção capitalista de de distribuição de mercado livre, assentam hoje, como há mais de cem anos, nas ideias de Marx. E daí o congresso da retoma. Do Combate.
Neste contexto, João Martins Pereira e o MES de que fez parte como fundador, ao lado de João Cravinho, Jorge Sampaio, Ferro Rodrigues, Teotónio Pereira e outros, sufragavam o essencial do socialismo marxista, logo após o 25 de Abril, como o comprova uma entrevista, de Teotónio Pereira, à Vida Mundial de 28.6.1974.
Ao longo dos anos que se seguiram, os fundadores do MES, aproximaram-se de outra corrente política, defendida pelo partido socialista, como uma versão portuguesa da social-democracia europeia, alternativa a uma democracia cristã que se pendia mais para um lado menos social e menos marxista. O antigos dirigentes do MES, marxistas de coração e vontade, travestiram a inclinação, passando a adocicar a vontade e a enganar o coração. Nunca se sentiram bem na pele, como se observa nessa ala esquerda revelada hoje em Manuel Alegre. Sempre o mesmo sonho que comanda a vida.
Os demais, já nem se situam definidamente, em Esquerda ou Direita, nas opções de política prática e social. Requerem-se apenas do lado Esquerdo por conveniência política e para conquista de leitores, ainda maioritariamente adstritos, também, a uma ideologia de Esquerda, meramente ambiental, porque conciliadora em absoluto, com o modo de produção capitalista. Mas sempre em nostalgia de outra coisa. Uma Esquerda que se proclama de princípios que não pode praticar e se observa e define, diariamente em função de um mito.
É essa a maior contradição de todas as causas dessa esquerda afectiva. Seja a Esquerda de Combate, seja a de Conciliação com o inimigo de classe.
Na imagem, o número 0 do jornal do MES, de 12.9.1974, sem ficha redactorial ou artigos assinados.
Este equívoco profundo, na sociedade portuguesa, dura desde o tempo em que o partido socialista, por pragmatismo eleitoral, decidiu "meter o socialismo na gaveta", abandonando os princípios marxistas até aí defendidos por essa Esquerda em ersatz do comunismo.
Ao longo do ano de 1974 e depois nos seguintes, os media portugueses, foram tomados, na globalidade, por ideias tributárias do socialismo marxista. Os jornalistas dos principais media, todos e quase sem excepção, situavam-se ( e continuam a situar-se) num espectro político que à falta de melhor designação se pode atribuir a essa Esquerda. Uma Esquerda que ideologicamente ruiu com o comunismo, e por cá, continua a afirmar-se pelo lado oposto a uma suposta Direita que em Portugal, ficou arreadada de qualquer tipo de poder, mormente mediático, com o afastamento do Marcelismo.
Marcello Caetano, era o representante de uma Direita na qual eventualmente me poderia rever, porque era uma Direita com características sociais, que mais a aproximavam de outra coisa que ninguém sufraga actualmente e foi abandonada em 1974, com a sua queda. Freitas do Amaral, o discípulo traidor, acercou-se logo do centro, "rigorosamente", porque afinal essa Direita nada lhe dizia.
Antes de 25 de Abril de 1974, o comunismo e o marxismo, eram já apresentados publicamente, por Marcello Caetano, de modo claríssimo e inequívoco, com o aspecto realista que sempre assumiram, no livro de propaganda do regime, Quinto ano de Governo de Marcello Caetano ( publicado pela DGI):
" A teoria marxista assenta numa filosofia que inspirada em Hegel, se fixou no materialismo dialético; construiu uma filosofia da História considerada esta sojeita a evolução por efeito determinante dos processos de produção; criou uma sociologia que, partindo da ideiade que o homem é essencialmente um produtor e de que o valor de troca das mercadorias se mede pela quantidade de trabalho humano nelas incorporado, conclui que a sociedade está dividida em classes- a classe que produz e a classe que não produz mas detém os intrumentos de produção- e que entre essas duas classes tem de haver necessariamente luta. A luta de classes, fruto da contradição que está na dialética da História, conduz à Revolução. O objectivo desta seria alcançar a sociedade sem classes."
A explicação do marxismo, vai por aí, num modo simples e intelectualmente inatacável.
Nas semanas e meses que se seguiram ao 25 de Abril de 1974, foi essa perspectiva histórica, antecipada por Marcello Caetano, do ponto de vista intelectual, social, e explicativo que fez carreira ampla, até à Constituição portuguesa de 1976 que proclamou abertamente no seu primeiro artigo, que Portugal era uma República, empenhada na sua transformação numa sociedade sem classes.
Flama de 18.4.1975.
Até hoje, esta ideologia, nunca deixou de aparecer, aqui e ali, nos escritos dos herdeiros do socialismo, no espectro político que abrange os partidos portugueses, desde o PS ao actual Bloco de Esquerda.
É esse o sentido do revivalismo de um Congresso internacional marxista, promovido por essa Esquerda nostálgica dos ontens que confiam nos amanhãs que ainda hão-de cantar.
Estes postais do José são sempre uma preciosidade. E os tipos andam aí de novo a vender a utopia.
ResponderEliminarMas reparei que a Beauvoir mandou uma bacorada enorme com aquela idioteira que em França ainda estava interditada a prática da cirurgia às mulheres, por causa da Idade Média- porque eram bruxas.
Isto é uma grande mentira. Na Idade Média até lhes chamavam "ventrire". E continuaram como as "sages-femmes" até ao século XIII. Foi precisamente o moralismo da ciência moderna que as proibiu e depois, no gozo, passou-se a chamar aos parteiros as comadres de ceroulas
":O)))
Creio que em França só foram proibidas no século XIX.
ResponderEliminarEngraçada é a foto do acontecimento de que me lembro bem.
ResponderEliminarA bajulice ao intelectual, a autêntica curvatura moral ao ensinamento ali mesmo sorvido, como se fossem as palavras do Mestre- que o eram, para uma boa maioria daqueles ali presentes. Muitos deles, andam aí nos jornais.
José Leite Pereira, por exemplo.
Pois foi. Também me lembro. Foi lá tudo ao beija-mão ao casalinho-maravilha. E ele armado em "explorador à "National Geographic" a obervar no terreno.
ResponderEliminarUma coisa que só mesmo nós é que podíamos ter proporcionado numa Europa do século XX.
":O)))
Mais interessante e que prova o meu ponto de vista, é a afirmação de Vasco GOnçalves que deveríamos ser então um dos países com maior liberdade, porque já tínhamos escolhido dois presidentes da República e nacionalizado todas os sectores chave da economia, sem convulsões sociais e sem estado de sítio.
ResponderEliminarIsso prova uma coisa: havia unanimismo nas soluções políticas propostas pela Esquerda.
Tal como aconteceu com a descolonização.
Portugal em 1975 era um país totalmente rendido à Esquerda.
A pouca oposição de Direita andava calada e cabisbaixa e escrevia em autênticas folhas de reprografia, sem leitores.
A Direita, em Portugal, depois do 25 de Abril, desapareceu, provavelmente, porque não existia.
Só pode ser isso. Marcello Caetano estava sozinho e nem se apercebeu disso.
Notável.
Excelente contributo para a formação/informação de uns e o relembrar de tempos nefastos que contribuiram para a "porra" de agora
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