O penalista de Coimbra, Costa Andrade, conforme artigo de página, hoje no Público, entende que o escrito do cronista-jornalista do Diário de Notícias, João Miguel Tavares, é uma "crítica criminalmente tolerável e lícita. "
E que razão específica subjaz a este entendimento, quando sabemos que o primeiro-ministro fez queixa-crime contra o mesmo, por entender aparentemente o contrário?
A explicação do penalista é esta:
"Porque se trata de juízos de valor, a fronteira do criminalmente tolerável só é ultrapassada quando a crítica, pela sua mensagem e pela sua roupagem ( deliciosa, esta expressão...) assume a forma de um insulto já incompatível com a dignidade humana."
Esta formula liberatória encerra já, em si mesma, uma carga semântica e até semiótica que necessita de grande exegese. Por isso, como é típico em Direito, dá sempre pano para grandes mangas de argumentos a contrario. A "dignidade humana" compreende a proibição de imputação de suspeitas de corrupção a um qualquer político, por exemplo?
Vejamos o que diz o artigo do Código Penal em causa e que Costa Andrade ajudou a redigir e aprovar, desde 1982 e que se mantém no essencial, os seus elementos constitutivos.
Artigo 180.º
Difamação
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
O que mudou ao longo dos anos, foi a moldura penal ( passou dos 50 dias de multa iniciais para os actuais 240) e foi ainda capada num segmento importante: o que dizia inicialmente que não seria punida a conduta para realizar "qualquer outra justa causa" ( por exemplo, a liberdade de informar ou manifestar opinião publicada). Retirou-se por outro lado, da prova da verdade dos factos, a restrição decorrente da condenação por transição transitada em julgado ( o legislador atendeu às demoras na justiça...).
Ora, em duas dúzias ( exactamente 24) de alterações ao Código Penal, ao longo destes anos, nenhuma delas entendeu como importante, a definição mais rigorosa do teor do artigo, seja em termos dogmáticos, seja em termos de ajustar inúmeras decisões jurisprudenciais, mormente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que continua a condenar o Estado português, por violações da liberdade nesta matéria.
Costa Andrade, apesar daquelas declarações extraordinárias que verte em parecer, também não se tem preocupado em demasia com o assunto. A coisa rola, vai havendo queixas por questões de lana caprina que envolvem políticos em véspera eleitoral; o Ministério Público lá vai entretendo o tempo com esses inquéritos, com acusações que geralmente que acompanha ( dá muitissimo mais trabalho arquivar estas coisas) e deixa-se assim para o virtuosismo dos advogados e pareceres catedráticos, o desenrolar judicial destes assuntos. As decisões jurisdicionais têm sido uma espécie de lotaria, onde por vezes o ganhador da primeira mão, perde fragorosamente na segunda, em vitórias pírricas.
Aos políticos em fase de táctica pré-eleitoral, os casos rendem melhor um pouco: enquanto o pau da acção vai e vem, folgam as costas da imagem pública.
Então, a pergunta que se impõe:
Se Costa Andrade acha o que acha e não é novidade achar, porque não se alterou a lei, subtraindo à sua catalogação, o elemento relativo aos juízos de valor? Estão à espera de quê?
Mais pareceres?
PS. Como se vai tornando notório, estamos sempre a esbarrar com o conceptualismo dos professores de Coimbra. Já é tempo de se conhecerem melhor um pouco. São poucos, dois ou três ( Figueiredo Dias, Costa Andrade e Faria Costa), com alguns discípulos ( incluindo a directora do CEJ, Anabela Rodrigues, assistente em tempos, de Figueiredo Dias) e escola de formação de inúmeros juristas, advogados e magistrados.
Todos ganharíamos em conhecê-los um pouco melhor. O que pensam da sociedade, do Direito Penal, das soluções que adoptaram para as leis que o poder legislativo acabou por aprovar.
Coimbra ainda é uma lição?
Às vezes, não parece. Segundo contam os jornais de hoje, outro professor de Direito de Coimbra, Vital Moreira, agora de braço dado com o poder socialista que está, considera ( pelos vistos escreveu no seu blog, mas perdi-lhe o endereço) que um político pode queixar-se criminalmente destas putativas ofensas à honra.
Não é da escola de direito penal de Coimbra, certamente.
E que razão específica subjaz a este entendimento, quando sabemos que o primeiro-ministro fez queixa-crime contra o mesmo, por entender aparentemente o contrário?
A explicação do penalista é esta:
"Porque se trata de juízos de valor, a fronteira do criminalmente tolerável só é ultrapassada quando a crítica, pela sua mensagem e pela sua roupagem ( deliciosa, esta expressão...) assume a forma de um insulto já incompatível com a dignidade humana."
Esta formula liberatória encerra já, em si mesma, uma carga semântica e até semiótica que necessita de grande exegese. Por isso, como é típico em Direito, dá sempre pano para grandes mangas de argumentos a contrario. A "dignidade humana" compreende a proibição de imputação de suspeitas de corrupção a um qualquer político, por exemplo?
Vejamos o que diz o artigo do Código Penal em causa e que Costa Andrade ajudou a redigir e aprovar, desde 1982 e que se mantém no essencial, os seus elementos constitutivos.
Artigo 180.º
Difamação
1 - Quem, dirigindo-se a terceiro, imputar a outra pessoa, mesmo sob a forma de suspeita, um facto, ou formular sobre ela um juízo, ofensivos da sua honra ou consideração, ou reproduzir uma tal imputação ou juízo, é punido com pena de prisão até 6 meses ou com pena de multa até 240 dias.
2 - A conduta não é punível quando:
a) A imputação for feita para realizar interesses legítimos; e
b) O agente provar a verdade da mesma imputação ou tiver tido fundamento sério para, em boa fé, a reputar verdadeira.
3 - Sem prejuízo do disposto nas alíneas b), c) e d) do n.º 2 do artigo 31.º, o disposto no número anterior não se aplica quando se tratar da imputação de facto relativo à intimidade da vida privada e familiar.
4 - A boa fé referida na alínea b) do n.º 2 exclui-se quando o agente não tiver cumprido o dever de informação, que as circunstâncias do caso impunham, sobre a verdade da imputação.
O que mudou ao longo dos anos, foi a moldura penal ( passou dos 50 dias de multa iniciais para os actuais 240) e foi ainda capada num segmento importante: o que dizia inicialmente que não seria punida a conduta para realizar "qualquer outra justa causa" ( por exemplo, a liberdade de informar ou manifestar opinião publicada). Retirou-se por outro lado, da prova da verdade dos factos, a restrição decorrente da condenação por transição transitada em julgado ( o legislador atendeu às demoras na justiça...).
Ora, em duas dúzias ( exactamente 24) de alterações ao Código Penal, ao longo destes anos, nenhuma delas entendeu como importante, a definição mais rigorosa do teor do artigo, seja em termos dogmáticos, seja em termos de ajustar inúmeras decisões jurisprudenciais, mormente do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem que continua a condenar o Estado português, por violações da liberdade nesta matéria.
Costa Andrade, apesar daquelas declarações extraordinárias que verte em parecer, também não se tem preocupado em demasia com o assunto. A coisa rola, vai havendo queixas por questões de lana caprina que envolvem políticos em véspera eleitoral; o Ministério Público lá vai entretendo o tempo com esses inquéritos, com acusações que geralmente que acompanha ( dá muitissimo mais trabalho arquivar estas coisas) e deixa-se assim para o virtuosismo dos advogados e pareceres catedráticos, o desenrolar judicial destes assuntos. As decisões jurisdicionais têm sido uma espécie de lotaria, onde por vezes o ganhador da primeira mão, perde fragorosamente na segunda, em vitórias pírricas.
Aos políticos em fase de táctica pré-eleitoral, os casos rendem melhor um pouco: enquanto o pau da acção vai e vem, folgam as costas da imagem pública.
Então, a pergunta que se impõe:
Se Costa Andrade acha o que acha e não é novidade achar, porque não se alterou a lei, subtraindo à sua catalogação, o elemento relativo aos juízos de valor? Estão à espera de quê?
Mais pareceres?
PS. Como se vai tornando notório, estamos sempre a esbarrar com o conceptualismo dos professores de Coimbra. Já é tempo de se conhecerem melhor um pouco. São poucos, dois ou três ( Figueiredo Dias, Costa Andrade e Faria Costa), com alguns discípulos ( incluindo a directora do CEJ, Anabela Rodrigues, assistente em tempos, de Figueiredo Dias) e escola de formação de inúmeros juristas, advogados e magistrados.
Todos ganharíamos em conhecê-los um pouco melhor. O que pensam da sociedade, do Direito Penal, das soluções que adoptaram para as leis que o poder legislativo acabou por aprovar.
Coimbra ainda é uma lição?
Às vezes, não parece. Segundo contam os jornais de hoje, outro professor de Direito de Coimbra, Vital Moreira, agora de braço dado com o poder socialista que está, considera ( pelos vistos escreveu no seu blog, mas perdi-lhe o endereço) que um político pode queixar-se criminalmente destas putativas ofensas à honra.
Não é da escola de direito penal de Coimbra, certamente.
Pelos vistos as leis que protegem os canos serrados e os colarinhos brancos também servem para quem chamar os bois pelos nomes...
ResponderEliminarEu sou mais olho por olho.Ao estilo balanta...gajo que mechatear leva!
É o que diz o Jorge Hádem: quem se mete com o PS leva!
ResponderEliminarO grande erro de Guterres foi não nos dizer que o pântano era de esterco. Podia ter avisado!
ResponderEliminarEstes artigos sobre a difamação constituem o maior ataque a um dos pilares da Democracia,constitucionalmente consagrado,a liberdade de expressão.Foi colocado expressamente no CP para intimidar quem se quer expressar livremente e em particular para proteger da critica os politicos.Deviam ser pura e simplesmente eliminados.À difamação reponde-se pelo direito de resposta,que esse sim deve ser o mais alargado possivel,seja por via oral seja por escrito,através do qual o difamado repõe a sua verdade e acusa o seu difamador se necessário.São estes principios elementares do funcionamento de um regime de Liberdade efectivo.O MP e os Tribunais têm assuntos muito mais importantes com que se entreter e não devem transformar-se em instrumentos de ataque à Democracia.
ResponderEliminarO José pôs o dedo numa das maiores feridas da democracia portuguesa: a restrição da liberdade de expressão protegendo a honra dos políticos, mesmo que esta ande geralmente ao nível do algeroz. O direito ao bom nome, mesmo quando a reputação, pela evidência do comportamento reiterado, é uma miséria, sobreleva o direito de informar e de opinar, como se estivessemos num tempo de virtude em vez de uma época de corrupção.
ResponderEliminarAs penas previstas para estes delitos de opinião, então, são uma vergonha: não posso esquecer-me que o cúmulo da pena dos 49 crimes de que fui acusado e pronunciado (com o autor da queixa, Paulo Pedroso, a desistir já durante o julgamento) ia para os 33 anos e meio de cadeia!...
Ganhva a democracia que se adoptasse o princípio civilizacional dos EUA, com a doutrina da "actual malice" em vez da punição do juízo de valor que é proibido ao cidadão...
A faculdade de direito de Coimbra...donde saiu o famigerado sistema axiologico-normativo e também o para os amigos tudo, para os inimigos nada, aos outros, aplica-se a lei. PFFFF
ResponderEliminarJosé,
ResponderEliminarDesculpe o off-topic, mas que comentário faz á entrevista de António Cluny à revista Tabu do Jornal Sol de hoje ?
Acabei agora mesmo de a ler e já vai postal a seguir...
ResponderEliminarAfinal nem todo o MP vê com tão "maus olhos a escola coimbrã"...:)
ResponderEliminarhttp://jornal.publico.clix.pt/magoo/noticias.asp?a=2009&m=04&d=06&uid=&id=301838&sid=58110
Miguel Ferreira:
ResponderEliminarNão? Sabe como se fizeram essas anotações que agora se publicam?
A PGD pediu a cada procuradoria dos círculos que pedisse a cada magistrado que anotasse meia dúzia de artigos, escolhidos à sorte entre todos.
Nada mais.
Não pediu para se pronunciarem sobre a filosofia do CPP ou sobre a escola de Direito de Coimbra ou para fazerem uma reflexão sobre as ideias dessa escola.
Se pedisse, outro galo cantaria.
Os procuradores todos, costumam ser pessoas bem mandadas...
Por outro lado, ainda não vi ninguém intelectualmente reconhecido a colocar em causa essa escola.
O que não deixa de ser muito estranho.