Há um fenómeno social que me interessa perceber, desde que voto: o que leva as pessoas, em Portugal, a votarem à esquerda ou à direita?
Por mais voltas e reviravoltas de pensamento lógico ou de especulação metafísica, uma conclusão se impõe sempre como evidência: é a noção de desigualdade que conduz a mão à cruz do voto, no momento único de escolher o partido eleitoral.
A maioria das pessoas, parece-me, vota em quem lhes parece melhor colocado, no momento, para esbater as desigualdades, promovendo o progresso económico, numa democracia em que a igualdade de condições seja um objectivo compatível com a divisão social e a desigualdade de classes.
Perante a dissolução do conceito de luta de classes, conceito ainda afirmado pela esquerda mais extremista do PCP e do BE, mas com desaparecimento evidenciado pela verificação prática da multiplicação de quadros técnicos, especialistas, economistas e gestores em lugares de poder disseminado que beneficiam dos privilégios dantes reservados aos capitalistas de labita e chapéu de coco, torna-se essencial redefinir os vectores da divisão social e os novos lugares de privilégio. A isso deverá ser acrescentado outro factor diferenciador: o da mudança de costumes relacionados com as migrações e novas maneiras de organização da família e da propriedade. O Estado, nisto tudo, para essa esquerda, continua a ser a referência máxima, o elemento aglutinador, garante da maior igualdade e distribuição de bem estar social.
O liberalismo, em modo neo, por outra parte, é apresentado como o factor mais evidente de desagregação social, pelo efeito que potencia no aumento de desigualdades. Como? Encorajando a concorrência entre indivíduos e empresas em todos os sectores. Com uma verificação prática: o sistema, mesmo em funcionamento limitado, aumenta objectivamente as desigualdades porque o aumento de riqueza que pode gerar, é incomparavelmente maior para uma minoria de beneficiários que dominam empresas e centros de decisão financeira, em detrimento de uma maioria de população cujo rendimento e condições de vida denotam um afastamento cada vez maior em relação aos privilegiados.
Parece consensual dizer que o sistema neoliberal aumenta exponencialmente as desigualdades sociais, porque constitui iniludivelmente a instituição de uma lei antiga, a do mais forte, nas relações económicas e sociais.
Tanto basta, a meu ver, para que a esquerda clássica ( PCP e BE) erijam esse sistema como o mal absoluto, repescando de novo a luta de classes em função dessa distinção.
O sistema neoliberal começou a experiência prática em sociedades como a americana de Reagan e a inglesa de Thatcher, no final dos anos setenta do séc. XX. Um dos instrumentos mais evidentes do sistema foi a limitação do poder dos sindicatos, o instrumento por excelência, da luta de classes, no meio da sociedade burguesa ocidental, associado a uma liberalização da competição económica privada.
O sistema assentou arraiais logo que os instrumentos de finança de instituições de crédito e especulação bolsista, sofisticaram ao ponto de desabarem na crise que atravessamos. E assim deu razões aos esquerdistas da luta de classes, cujos programas políticos não mudaram muito em cem anos, nem sequer nos seus instrumentos de análise, por exemplo o marxismo e a teoria da luta de classes.
Terão razão? Em parte, parece que sim. Parece relativamente simples de explicar a ausência de preocupações sociais com a igualdade, da parte de quem tem poder económico e deseja uma menor intervenção do Estado social, em favor de quem fica para trás, no sistema. E Marx, transformou a explanação económica, técnica, dos fenómenos do capitalismo, numa explicação política que permite entender a sociedade de modo simples: de um lado a burguesia e do outro a classe dos trabalhadores.
Actualmente, a burguesia não é a mesma do séc. XIX, mas os interesses são exactamente os mesmos: a concentração de poder, dinheiro e influência política associada. A diferença reside no alargamento da classe: inclui agora milhentos indivíduos que dantes não pertenciam à classe dos possidentes. Democratizou-se, quase. A teoria das escolas de negócios, gestão e administração, alargou-se a sectores nunca contemplados e desceu a escalões de classes de trabalhadores independentes e conscientes do valor da iniciativa individual.
Essa transformação, a meu ver, complica demasiado a teoria da luta de classes, no seu sentido primitivo e simplista, ainda hoje utilizado pela esquerda do PCP e do BE.
E no entanto, nunca se abandonou a ideia da igualdade por contraposição à luta contra a desigualdade.
E nesta utopia, transformada em luta contínua, actualmente procura-se essa quimera no seio da própria máquina da existência: o sexo. O homosexual quer-se igual ao heterosexual. Quem defende a igualdade neste caso? A esquerda do BE. Com um PS atrelado porque tal lhe parece essência de esquerda e por isso procura tal perfume para enganar eleitores.
Que interessa verdadeiramente a diferença essencial, biológica, entre homem e mulher se uma noção artificial se interpõe em modo político?
A realidade pode ser o que é e fonte de inesgotáveis evidências de desigualdade entre os indivíduos, com reflexo nas sociedades que compõem, que a esquerda continuará a lutar sempre pela negação dessa realidade e com resultados eleitorais cada vez mais significativos, tanto quanto essas desigualdades estiverem em crescendo. Como em Portugal.
Paradoxo? Nem tanto. Aristóteles, na Ética a Nicómaco, procurou demonstrar que o exagero de uma exigência levada ao extremo, conduz a um efeito perverso. No caso, a igualdade como desiderato maximizado, provoca a desigualdade. No entanto, estas contradições são engolidas pelas próprias desigualdades inerentes ao funcionamento interno das organização política que as combate. Aí, as desigualdades entre quem dirige e manda e quem obedece nem conta para o debate.
Uma das melhores definições entre a esquerda e a direita que conheço, aplicada ao fenómeno português, li-a aqui, há uns anos, escrita por um professor de filosofia:
Direita e esquerda começou por ser esquerda e direita. Sentaram-se primeiro no lado esquerdo do hemiciclo da primeira Assembleia Constituinte da Primeira República francesa os que defendiam que o homem era naturalmente bom e que uma sociedade mais justa não deixava perverter essa bondade natural; que a natureza (Pátria) era a mãe de todos os homens e, por isso, a fraternidade universal tinha como consequência que todas as riquezas da natureza estivessem ao serviço do bem-comum; que nenhum homem estava acima de outro homem e, por isso, o povo é soberano na legitimação de contratos de governação da república; e, que a liberdade era a condição natural da fraternidade e da solidariedade. Do lado direito, ficaram os que se atrasaram no tempo e na hora da assembleia: defendiam a ordem tradicional com suas linhagens, hierarquias e mordomias.
Esta distinção foi-se interiorizando até receber o sentido de uma linha ideológica, determinada pela história: a esquerda significa solidariedade social, o Estado-Providência, a democracia participativa e a cidadania, como capital social; a direita significa agregação de interesses, conservadorismo, autoritarismo, desconfiança da bondade natural do homem e cidadania, como tornar-se cliente da loja do cidadão.
Com base neste arquétipo, nesta concepção mitificada da realidade distintiva da esquerda e direita, ainda hoje se ganham eleições, em Portugal. E é essa, a meu ver, a principal explicação do fenómeno da esquerda, em Portugal.
Por cá, o PS e o PSD não se distinguem programaticamente de modo determinante para uma diferença de vulto. São ambos partidos social-democratas, com pendor social idêntico aos dos congéneres europeus.
Os partidos de direita, na Europa, caso da Alemanha e até mesmo Itália, ganham eleições, sem preocupações de afastamento das ideias de desigualdade social. Os eleitores percebem que a desigualdade é um facto social relevante e o mais importante é o desenvolvimento económico que acaba por esbatê-la. E vota em conformidade.
Por cá, é o contrário: o desenvolvimento económico é entendido como apanágio da esquerda que apresenta o programa de luta contra a desigualdade como a mézinha infalível para ganhar votos.
Este texto segue uma linha de pensamento apresentada na excelente revista francesa Philosophie magazine.
Por mais voltas e reviravoltas de pensamento lógico ou de especulação metafísica, uma conclusão se impõe sempre como evidência: é a noção de desigualdade que conduz a mão à cruz do voto, no momento único de escolher o partido eleitoral.
A maioria das pessoas, parece-me, vota em quem lhes parece melhor colocado, no momento, para esbater as desigualdades, promovendo o progresso económico, numa democracia em que a igualdade de condições seja um objectivo compatível com a divisão social e a desigualdade de classes.
Perante a dissolução do conceito de luta de classes, conceito ainda afirmado pela esquerda mais extremista do PCP e do BE, mas com desaparecimento evidenciado pela verificação prática da multiplicação de quadros técnicos, especialistas, economistas e gestores em lugares de poder disseminado que beneficiam dos privilégios dantes reservados aos capitalistas de labita e chapéu de coco, torna-se essencial redefinir os vectores da divisão social e os novos lugares de privilégio. A isso deverá ser acrescentado outro factor diferenciador: o da mudança de costumes relacionados com as migrações e novas maneiras de organização da família e da propriedade. O Estado, nisto tudo, para essa esquerda, continua a ser a referência máxima, o elemento aglutinador, garante da maior igualdade e distribuição de bem estar social.
O liberalismo, em modo neo, por outra parte, é apresentado como o factor mais evidente de desagregação social, pelo efeito que potencia no aumento de desigualdades. Como? Encorajando a concorrência entre indivíduos e empresas em todos os sectores. Com uma verificação prática: o sistema, mesmo em funcionamento limitado, aumenta objectivamente as desigualdades porque o aumento de riqueza que pode gerar, é incomparavelmente maior para uma minoria de beneficiários que dominam empresas e centros de decisão financeira, em detrimento de uma maioria de população cujo rendimento e condições de vida denotam um afastamento cada vez maior em relação aos privilegiados.
Parece consensual dizer que o sistema neoliberal aumenta exponencialmente as desigualdades sociais, porque constitui iniludivelmente a instituição de uma lei antiga, a do mais forte, nas relações económicas e sociais.
Tanto basta, a meu ver, para que a esquerda clássica ( PCP e BE) erijam esse sistema como o mal absoluto, repescando de novo a luta de classes em função dessa distinção.
O sistema neoliberal começou a experiência prática em sociedades como a americana de Reagan e a inglesa de Thatcher, no final dos anos setenta do séc. XX. Um dos instrumentos mais evidentes do sistema foi a limitação do poder dos sindicatos, o instrumento por excelência, da luta de classes, no meio da sociedade burguesa ocidental, associado a uma liberalização da competição económica privada.
O sistema assentou arraiais logo que os instrumentos de finança de instituições de crédito e especulação bolsista, sofisticaram ao ponto de desabarem na crise que atravessamos. E assim deu razões aos esquerdistas da luta de classes, cujos programas políticos não mudaram muito em cem anos, nem sequer nos seus instrumentos de análise, por exemplo o marxismo e a teoria da luta de classes.
Terão razão? Em parte, parece que sim. Parece relativamente simples de explicar a ausência de preocupações sociais com a igualdade, da parte de quem tem poder económico e deseja uma menor intervenção do Estado social, em favor de quem fica para trás, no sistema. E Marx, transformou a explanação económica, técnica, dos fenómenos do capitalismo, numa explicação política que permite entender a sociedade de modo simples: de um lado a burguesia e do outro a classe dos trabalhadores.
Actualmente, a burguesia não é a mesma do séc. XIX, mas os interesses são exactamente os mesmos: a concentração de poder, dinheiro e influência política associada. A diferença reside no alargamento da classe: inclui agora milhentos indivíduos que dantes não pertenciam à classe dos possidentes. Democratizou-se, quase. A teoria das escolas de negócios, gestão e administração, alargou-se a sectores nunca contemplados e desceu a escalões de classes de trabalhadores independentes e conscientes do valor da iniciativa individual.
Essa transformação, a meu ver, complica demasiado a teoria da luta de classes, no seu sentido primitivo e simplista, ainda hoje utilizado pela esquerda do PCP e do BE.
E no entanto, nunca se abandonou a ideia da igualdade por contraposição à luta contra a desigualdade.
E nesta utopia, transformada em luta contínua, actualmente procura-se essa quimera no seio da própria máquina da existência: o sexo. O homosexual quer-se igual ao heterosexual. Quem defende a igualdade neste caso? A esquerda do BE. Com um PS atrelado porque tal lhe parece essência de esquerda e por isso procura tal perfume para enganar eleitores.
Que interessa verdadeiramente a diferença essencial, biológica, entre homem e mulher se uma noção artificial se interpõe em modo político?
A realidade pode ser o que é e fonte de inesgotáveis evidências de desigualdade entre os indivíduos, com reflexo nas sociedades que compõem, que a esquerda continuará a lutar sempre pela negação dessa realidade e com resultados eleitorais cada vez mais significativos, tanto quanto essas desigualdades estiverem em crescendo. Como em Portugal.
Paradoxo? Nem tanto. Aristóteles, na Ética a Nicómaco, procurou demonstrar que o exagero de uma exigência levada ao extremo, conduz a um efeito perverso. No caso, a igualdade como desiderato maximizado, provoca a desigualdade. No entanto, estas contradições são engolidas pelas próprias desigualdades inerentes ao funcionamento interno das organização política que as combate. Aí, as desigualdades entre quem dirige e manda e quem obedece nem conta para o debate.
Uma das melhores definições entre a esquerda e a direita que conheço, aplicada ao fenómeno português, li-a aqui, há uns anos, escrita por um professor de filosofia:
Direita e esquerda começou por ser esquerda e direita. Sentaram-se primeiro no lado esquerdo do hemiciclo da primeira Assembleia Constituinte da Primeira República francesa os que defendiam que o homem era naturalmente bom e que uma sociedade mais justa não deixava perverter essa bondade natural; que a natureza (Pátria) era a mãe de todos os homens e, por isso, a fraternidade universal tinha como consequência que todas as riquezas da natureza estivessem ao serviço do bem-comum; que nenhum homem estava acima de outro homem e, por isso, o povo é soberano na legitimação de contratos de governação da república; e, que a liberdade era a condição natural da fraternidade e da solidariedade. Do lado direito, ficaram os que se atrasaram no tempo e na hora da assembleia: defendiam a ordem tradicional com suas linhagens, hierarquias e mordomias.
Esta distinção foi-se interiorizando até receber o sentido de uma linha ideológica, determinada pela história: a esquerda significa solidariedade social, o Estado-Providência, a democracia participativa e a cidadania, como capital social; a direita significa agregação de interesses, conservadorismo, autoritarismo, desconfiança da bondade natural do homem e cidadania, como tornar-se cliente da loja do cidadão.
Com base neste arquétipo, nesta concepção mitificada da realidade distintiva da esquerda e direita, ainda hoje se ganham eleições, em Portugal. E é essa, a meu ver, a principal explicação do fenómeno da esquerda, em Portugal.
Por cá, o PS e o PSD não se distinguem programaticamente de modo determinante para uma diferença de vulto. São ambos partidos social-democratas, com pendor social idêntico aos dos congéneres europeus.
Os partidos de direita, na Europa, caso da Alemanha e até mesmo Itália, ganham eleições, sem preocupações de afastamento das ideias de desigualdade social. Os eleitores percebem que a desigualdade é um facto social relevante e o mais importante é o desenvolvimento económico que acaba por esbatê-la. E vota em conformidade.
Por cá, é o contrário: o desenvolvimento económico é entendido como apanágio da esquerda que apresenta o programa de luta contra a desigualdade como a mézinha infalível para ganhar votos.
Este texto segue uma linha de pensamento apresentada na excelente revista francesa Philosophie magazine.
Excelente texto, José.
ResponderEliminarMas eu creio que existe outro problema que nem é de esquerda ou de direita mas passa por ser desta última- o efeito da globalização.
Por aí, sim, por aí vejo tudo lixado e por esse motivo o neo-liberalismo está tão próximo da utopia irmã do internacionalismo proletário.
Esta utopia do mundo de mãos dadas, unido pelo capital- sem fronteiras nem identidades, é o maior erro civilizacional.
Nunca se experimentou uma coisa assim- só com impérios coloniais.
Eu aconselho a leitura do Falso Amanhecer do John Gray.
Foi o Dragão que falou nele.
Mas esta mentira da Esquerda do "desenvolvimento económico" tem outro fundamento por cá- somos um país sem tradição de grandes investidores; a dependência do Estado é gigantesca.
ResponderEliminarPor isso o paradoxo da nossa esquerda: nem temos sequer substracto social para termos uma esquerda...ahahahah!
ResponderEliminarVou agora desenvolver outro tema ligado a este: o paradoxo da desigualdade dentro da igualdade proclamada pelos partidos de esquerda.
Pois não, eheheh
ResponderEliminarBons textos, José.
Amanhã venho cá ver.
beijinho
nem temos sequer substracto social para termos uma esquerda...
ResponderEliminarPois, por isso é que o PNR dá jeito ao BE. E antes os skinheads e todos os "incidentes" que metessem algo remotamente racista, que se não fosse, era na mesma... Foi assim que foram chegando às televisões e crescendo. De soundbyte em soundbyte. -- JRF
Já li o Falso Amanhecer... Esperava mais a certa altura. Se bem que a data em que foi escrito o torna um documento interessante...
ResponderEliminarMas o facto é que se poucos contavam com a crise, ninguém contava que já estivesse praticamente tudo como dantes -- hoje. E na minha opinião, pior que antes (na bolsa por exemplo). O pequeno abalo, deixou os liberais de pedra e cal. Não vi nenhum a colocar em causa nada. E a globalização continua tão utópica como antes. -- JRF
Eu também esperava mais. porque ele não arruma a questão.
ResponderEliminarSimplesmente não encontro ninguém que vá mais longe que ele.
E ele fez um bom balanço histórico- desde os tempos da Inglaterra colonial.
Agora os liberais de pedra e cal são assim mesmo- uma variante da fezada comuna.
Por isso é que também não leio estes Lucianos- é sempre a mesma k7.
(este é tão obtusamente neoliberal que até consegue fazer retrospectivas da economia do salazarismo aos olhos do Hayek. É uma fraude, o tipo).
Os comunistas foram pioneiros na globalização: tentaram exportar a revolução até para a África!
ResponderEliminarO Che queria entrar em Angola, com alguma antecipação a 1975...só que percebeu que a África não tem jeito para o comunismo. Ahahaha!
Portanto, globalização também é com eles. Nesse caso da miséria em cima da miséria existente.
Pois foram
ResponderEliminarehhehe
Pois foram, mas há anos a palavra não se utilizava, eram os "internacionalistas". Nunca confiei neles.
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