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quinta-feira, fevereiro 04, 2010

Os avatares da Câmara


J. Pacheco Pereira, um dos comentadores nacionais da política corrente, comprometido na oposição a este governo, encrespa-se hoje na Sábado com o ambiente de “ musgo e anonimato” que pulula no éter e que tem como farol, “anónimo e do governo”, o blog Câmara Corporativa, assinado por Miguel Abrantes e um outro avatar.

Segundo JPP é esse blog que distribui argumentário" a outros sectários e impedidos e para isso “ usam-se os arquivos governamentais ( na melhor das hipóteses apenas esses) para escavar alguma longínqua contradição, alguma notícia de que já ninguém se lembra, qualquer coisa que possa servir para atacar o insolente que duvida das qualidades do nosso primeiro-ministro.”
E para JPP, “Nenhum anónimo escriba num blogue poderia ter tanta memória colectiva, uma espécie de Google que funciona antes de haver rede ( o sinal óbvio de que consultam bases de dados em papel), quase em tempo real. E a promiscuidade com os bas-fonds jornalísticos é também preocupante.”

E para exemplificar no caso concreto, abstrai de outras questões mais relevantes e apresenta o caso Mário Crespo, para dizer que “para esta gente que sabe da lama, há três coisas que movem um ser humano: sexo, dinheiro e “protagonismo”.
Arredando o primeiro ( “ ainda não está nos hábitos nacionais”), enceta no segundo, no dinheiro, para dizer que a Câmara enfoca o caso no dinheirinho que Crespo irá empochar com a publicação oportuna do livro de crónicas, (já no prelo da Altheia de Zita Seabra), para descredibilizar o visado.

No fim do requisitório, JPP repete uma tecla tantas vezes premida sobre o anonimato na Rede, imputando directamente ao blog do Abrantes a responsabilidade pela profusão de comentários dispersos às centenas “ igualmente anónimos, na mesma linha de descrédito pessoal, insulto e calúnia que começam a chover nos blogues criando uma coisa que é muito fácil de fazer na internet, uma falsa “vaga de fundo”.”
Muito fácil, diz JPP…

Não sou suspeito de apoio político, ideológico ou de outra forma de correligionarismo, ao Abrantes.
De alguma contemporização serei suspeito, mas direi porquê e ainda porque prefiro um Abrantes a um JPP.

Em breve e em resumo, diria que Pacheco Pereira é um censor. Puro e duro e daqueles que na Inquisição faria o papel que Umberto Eco atribuiu ao celerado frade Bernardo Gui, no romance O Nome da Rosa. Um defensor do vínculo da ortodoxia, mesmo com defeito. Um indefectível do príncipe dos princípios de poder, a autoridade.

Pacheco Pereira fez todo o trabalho de casa, na AR, nos anos noventa, para impedir a “devassa” que os jornalistas em trabalho faziam aos deputados no hemiciclo, particularmente, apanhando-os em poses menos favoráveis, atitudes supostamente menos dignas, etc etc. Na impossibilidade de controlar a objectiva, objectivou um regulamento de censura em nome de valores sempre indiscutíveis e inatacáveis, mas de efeito seguro: esconder, calar e proteger o poder. Pacheco é o contraponto político de um Santos Silva, com menos cinismo.

A marca de água de Pacheco Pereira nos procedimentos públicos e em alguns escritos é simples de entender: calar a dissidência se tal for possível.

O Abrantes irrita-o, evidentemente. Como outros irritaram, antes dele. Já escreveu o mesmo que agora escreve, de outros blogs e até de comentadores avulsos na blogosfera, a quem citou pelo nome de nick, para desfazer a credibilidade pelo lado inatacável: “anónimos”, “caluniadores”, “cobardes”, são os epítetos habituais e useiros, ao lado de uma superioridade moral em dizer a regra e a norma. Até elencou mandamentos…

A diferença entre Abrantes e Pacheco, neste nível, situa-se no estilo que revela a idiossincrasia. Abrante apresenta na escrita o sarcasmo sempre à beira do mau gosto, resvalando por vezes a uma ironia de estrebaria ou bastidor de poder, muito semelhantes no ambiente.
Pacheco não cultiva essa arte menor de dominar toda a sela e procura calar o adversário irritante, pela invocação de princípios que deveriam defender o contrário. Pacheco leva sempre a sério estas investidas à figura e reage sem qualquer pinta de humor ou desconstrução, à ignomínia leve, soez ou mesmo à mais despudorada ficção sectária.

Valoriza sobremaneira o esforço dos apaniguados adversários, realçando-lhes as façanhas de necessitados, mas não admite, permitindo que os mesmos se expressem livremente, que façam valer razões de peito, de paixão, de lobotomia racional que se plantam sempre em todos os escritos e os desvalorizam ipso facto.
Pacheco ataca Abrantes na escrita, mas deleita-se com a prosa de um Vasco, que graça com todos e desgraça alguns do mesmo modo sarcástico e vitriólico. Os princípios valem segundo a geometria do poder e a circunstância do protagonista.

Pacheco não o permite, àquele rebite da pinderiquice mental que o Abrantes exibe frequentemente. Mas admite se for próximo do escrito cacique. Por isso exige retoricamente que se edite, mesmo em comentários anónimos, em caixas de ocasião, os sinais anónimos da passagem do biltre.

No fundo, suspeito que Pacheco gostaria de conseguir o efeito que Abrantes alcança: não deixar passar uma ocasião para debilitar o adversário político, mesmo em sarcasmo delirante de mau gosto ou ironia de um destino incerto que acabará na perda do poder. Mas sempre com um estilo literário de nota, um empenho de neófito e uma dedicação de sabujo.
Pacheco nunca chegará a uma tal dimensão crítica, em forma ou em fundo que amplia o leque da liberdade, mesmo que irrite o passante.
“Quem nasceu para lagartixa, nunca chegará a crocodilo” .
E o Abrantes não verte lacrimejos, mas apenas inanidades conceptuais. A essência do que escreve, em estilo refinado, reside no lugar que ocupa: a de sabujo e/iminente deste poder. Que importância pode ter?
Para Pacheco, pelos vistos, é importância de maior...e será por isso que quem nasceu para Abruto, nunca chegará a Abrantes, por mais que custe a aceitar.

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

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  2. Exacto, José. Acertou-lhe em cheio.

    Foi isso que também quis dizer a propósito do que ele disse do Valupateta aspirínico.

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  3. O Abrantes ao menos permite comentários e verifico que não censura.
    Acho estranho o alarme que sempre colocam nos "anónimos".Como se tivessem pena de os não poderem castigar.
    Eu leio a Abrantes e o JPP de vez em quando.O Abrantes de facto actua mais no momento.É mais eficaz...

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  4. Esqueci-me do principal.

    Este texto está excelente, José.

    Parabéns.

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  5. Este comentário foi removido pelo autor.

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  6. "O Abrantes ao menos permite comentários e verifico que não censura."

    Já houve tempos que assim era verdade - hoje em dia há muita coisa, quando colide com o que quer provar, que é alvo do lápis azul do Abrantes e seus heterónimos.

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