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segunda-feira, março 29, 2010

É a política, ex-PGR!

O antigo PGR Cunha Rodrigues concedeu uma entrevista- por escrito-à revista Única do Expresso desta semana.

Não é das mais interessantes entrevistas que Cunha Rodrigues concedeu ao longo dos anos- e foram bastantes-mas ainda assim revela pormenores que carecem de uma semiótica adequada para quem não acompanhou o percurso do antigo PGR no tempo em que o foi.
A parte da entrevista em que fala desse tempo é a que aparece parcialmente tanscrita ( clicar para ampliar e ler). Nela diz coisas deste género: "Para que serve o estatuto dos magistrados, cheio de imunidades e prerrogativas, senão para resistirem às pressões? Quem não é capaz, deve partir para outra..."
Obviamente, quem não conseguir descodificar esta passagem é por não entender que Lopes da Mota foi um dos magistrados escolhidos por Cunha Rodrigues para "resistir a pressões" e trabalhou com ele durante anos, na PGR, antes de passar ao governo como secretário de Estado de Vera Jardim, um advogado cujo escritório- Jardim, Sampaio, Caldas e Associados- acolheu depois o filho de Cunha Rodrigues.

Sobre o seu tempo na PGR, explica que "as relações do poder com a justiça eram, já ao tempo, conflituais, em consequência da jurisdicionalização da vida política e das novas e tentadoras oportunidades que a gestão da coisa pública começava a oferecer, e sobretudo a partir da entrada de fundos comunitários. Coincidiu com a erupção da mediatização da justiça ( via Independente, aparecido em finais dos oitenta- nota minha) que permitiu um maior escrutínio da acção dos magistrados mas deu lugar a rotas de colisão."

Um dos tais escrutínios de que fala Cunha Rodrigues foi o ocorrido com o chamado processo do fax de Macau. É inequívoco e Cunha Rodrigues sabe-o melhor que ninguém, que o então presidente da República, Mário S. poderia e deveria ter sido investigado, criminalmente, pela suspeita de co-autoria ou cumplicidade nos factos em causa, tal como Rui Mateus escreveu no seu livro proibido. Certamente muito mais documentado e credível que um qualquer relato de uma qualquer Carolina sobre o futebol paroquial.
Porque é que tal não aconteceu? Cunha Rodrigues não fala sobre isso em "on". Parece que em "off" explica tudo, mas é pena que apenas os jornalistas fiquem com o conhecimento desse mistério.
Mas...haverá algum mistério, tendo em conta o enquadramento geral da figura e da sua envolvente de personalidades de um certo e determinado quadrante político?
Cunha Rodrigues entrou para a PGR, nos anos oitenta, a seguir a Arala Chaves e este lá mais de uma dúzia de anos. É um dos responsáveis pelo modelo de Ministério Público que temos, desde o final dos anos setenta, quando em conjunto com Almeida Santos e outros, incluindo os do então sindicato do MP, afecto ao PCP, gizaram o modelo de MP que actualmente é considerado como o melhor da Europa ( no dizer de Figueiredo Dias, insuspeito PSD).
No discurso de Cunha Rodrigues, ao longo dos anos, nota-se uma vertente cultural de alta rotação, em leituras sempre actualizadas e que em tempos o levavam a citar com frequência Edgar Morin e outros autores de cabeceira do politicamente correcto e bem pensante.
Não obstante, as ideias de Cunha Rodrigues sobre o Ministério Público, foram sempre de grande segurança em relação a princípios fundamentais: considera a instituição uma magistratura e releva em alto grau a sua autonomia em relação ao poder político. Foi sempre adepto de uma liberdade de expressão que os magistrados deveriam e poderiam ter sempre que acossados nas demais liberdades fundamentais e por causa delas.
No seu consulado na PGR avultam casos que envolveram políticos do PSD, ao tempo das verbas do Fundo Social Europeu e ainda do ministério da Saúde, incluindo o caso dos hemofílicos.
Os casos de corrupção nas instituições do Estado foram uma constante nesse tempo e culminaram no processo JAE, com a frustração conhecida e denunciada por Garcia dos Santos.
Foi na sequência desses casos que Cunha Rodrigues enfrentou a sua nemesis: a polícia Judiciária, dirigida por pessoas de outra área política e em conflito aberto com certas actuações do MP. O caso Fernando Negrão, um juiz que se veio a revelar,afinal , apenas um político de baixo relevo mediático, foi o culminar do conflito e que acabou por conduzir à queda de popularidade de Cunha Rodrigues, mediante ataques pessoais nos jornais, protagonizados particularmente pelo Público, de modo ignóbil diga-se, porque injusto e que motivou uma carta ao director da época, modelo de reacção contida e sóbria de que não houve exemplo subsequente.

Pelas manchetes dos jornais da época se pode ler o percurso e a importância de Cunha Rodrigues, caído na parte final do seu último mandato, já com o limite de seis anos, em quase total desgraça, de modo incompreensível quando não havia qualquer razão de fundo para tal.
Ao tempo do fax de Macau nada disso acontecera, porém.
Seria deveras curioso saber como actuaria Cunha Rodrigues se lá estivesse, na PGR, quando surgiu o caso Casa Pia. Se atenderia os telefonemas dos seus amigos pressurosos, incluindo o então presidente da República, preocupado e informado da catástrofe iminente. Teria feito o que Souto Moura fez?
E agora, com o Face Oculta e o Freeport e a licenciatura vergonhosa e os demais casis. Como reagiria Cunha Rodrigues enquanto PGR? Que faria?
Quase aposto que se deixaria novamente cair na tentação em que caiu no caso do fax de Macau e que a meu ver foi o mesmo pecado deste actual PGR: não conseguir abstrair -se totalmente dos amigos políticos, para conseguir cumprir o artigo 13º da Constituição...

E no entanto, o problema de sempre com os PGR pode ser muito bem entendido e explicado e o caso de Cunha Rodrigues é exemplar para essa explicação.
E nada melhor para isso que mostrar esta manchete do Expresso, nem sequer muito antiga ( Novembro de 2005). É este o problema de todos os PGR e de todos os poderes que coloquem em causa os partidos políticos que temos e principalmente alguns políticos que neles mandam como se fossem quintais privativos onde a política de interesses se semeia, desenvolve e cultiva desde sempre.
Resta saber se a democracia será isto. Ou seja e sem questão: a democracia não pode ser assim.

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