SOL de hoje:
O terceiro despacho de Noronha Nascimento, datado de 26 de Janeiro e a que a Lusa teve acesso, refere-se a uma «conversação telefónica» em que interveio o primeiro-ministro, José Sócrates, interceptada a 6 de Agosto do ano passado, nas escutas a Armando Vara, arguido no processo Face Oculta.
Noronha Nascimento lembra no documento, cujo conteúdo foi avançado pela RTP, que nos despachos que proferiu a 3 de Setembro e 27 de Novembro de 2009 - os únicos até agora conhecidos - «foi já apreciada a regularidade de comunicações telefónicas em que intervinha o primeiro-ministro».
O presidente do Supremo acrescenta que a nova comunicação que lhe foi submetida para apreciação pelo procurador-geral da República (PGR) foi «interceptada, gravada e objecto de relatório (...) em condições idênticas às que foram apreciadas nos referidos despachos», pelo que «terá de ser objecto de solução idêntica».
Se bem que as conversas de José S. com A. Vara, depois de 25 de Junho 2009 tenham interesse quase nulo para o crime de atentado ao Estado de Direito que foi iniciado e, ironicamente, parado na sua execução imediata e iminente, por causa da violação grave do segredo de justiça, após o conhecimento do facto na PGR, resta a tentativa que é punível.
Ainda assim, vejamos o que diz o artigo 11º nº 2, al.b) do C.P.P., ao abrigo do qual o presidente do STJ exarou os seus três despachos, suposta e erradamente convencido que despachava numa “extensão” ( foi assim que se lhe referiu) do processo de Aveiro ( e única forma de se legitimar nessa actuação formal).
Artigo 11.º CPP:
Noronha Nascimento lembra no documento, cujo conteúdo foi avançado pela RTP, que nos despachos que proferiu a 3 de Setembro e 27 de Novembro de 2009 - os únicos até agora conhecidos - «foi já apreciada a regularidade de comunicações telefónicas em que intervinha o primeiro-ministro».
O presidente do Supremo acrescenta que a nova comunicação que lhe foi submetida para apreciação pelo procurador-geral da República (PGR) foi «interceptada, gravada e objecto de relatório (...) em condições idênticas às que foram apreciadas nos referidos despachos», pelo que «terá de ser objecto de solução idêntica».
Se bem que as conversas de José S. com A. Vara, depois de 25 de Junho 2009 tenham interesse quase nulo para o crime de atentado ao Estado de Direito que foi iniciado e, ironicamente, parado na sua execução imediata e iminente, por causa da violação grave do segredo de justiça, após o conhecimento do facto na PGR, resta a tentativa que é punível.
Ainda assim, vejamos o que diz o artigo 11º nº 2, al.b) do C.P.P., ao abrigo do qual o presidente do STJ exarou os seus três despachos, suposta e erradamente convencido que despachava numa “extensão” ( foi assim que se lhe referiu) do processo de Aveiro ( e única forma de se legitimar nessa actuação formal).
Artigo 11.º CPP:
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
(…) 2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal: (…) b) Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º;
Vejamos no caso concreto:
Houve alguma autorização do pSTJ para se gravar a voz do PM? Não. Houve alguma gravação efectuada por outrém que não o pSTJ? Houve, mas em consequência da gravação de outro alvo, legitimamente escutado. Houve transcrição, por outrém que não o pSTJ? Houve, por causa dessa circunstância e da que decorre a seguir.
Na lógica do pSTJ, para que se embrenhou em audições espúrias de algo que entendia como nulo e de nenhum efeito, à partida? E perante aquelas circunstâncias porque se deu mesmo ao cuidado de analisar as transcrições, ouvindo mesmo algumas conversas ( não todas segundo confessou nas entrevistas) para declarar urbi et orbi que não valiam nada em termos indiciários, substituindo-se ao MP nessa tarefa exclusiva?
Mais: a lei processual penal só admite intercepção e gravações telefónicas, no âmbito de um inquérito e a quem seja suspeito ou arguido- é inequívoco o sentido do artº 187º nº 4 do CPP:
(…) 2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal: (…) b) Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º;
Vejamos no caso concreto:
Houve alguma autorização do pSTJ para se gravar a voz do PM? Não. Houve alguma gravação efectuada por outrém que não o pSTJ? Houve, mas em consequência da gravação de outro alvo, legitimamente escutado. Houve transcrição, por outrém que não o pSTJ? Houve, por causa dessa circunstância e da que decorre a seguir.
Na lógica do pSTJ, para que se embrenhou em audições espúrias de algo que entendia como nulo e de nenhum efeito, à partida? E perante aquelas circunstâncias porque se deu mesmo ao cuidado de analisar as transcrições, ouvindo mesmo algumas conversas ( não todas segundo confessou nas entrevistas) para declarar urbi et orbi que não valiam nada em termos indiciários, substituindo-se ao MP nessa tarefa exclusiva?
Mais: a lei processual penal só admite intercepção e gravações telefónicas, no âmbito de um inquérito e a quem seja suspeito ou arguido- é inequívoco o sentido do artº 187º nº 4 do CPP:
4 - A intercepção e a gravação previstas nos números anteriores só podem ser autorizadas, independentemente da titularidade do meio de comunicação utilizado, contra:
a) Suspeito ou arguido;
O PM era suspeito no processo referido? Não. Era arguido? Muito menos. Era apenas interveniente acidental contra quem ainda não corriam suspeitas de crime algum.
O PM era suspeito no processo referido? Não. Era arguido? Muito menos. Era apenas interveniente acidental contra quem ainda não corriam suspeitas de crime algum.
Então que validade poderia ter uma escuta nesses termos em que o mesmo interveio, se não era suspeito ou arguido e se a escuta fosse nos termos referidos?
Nenhuma e seria nula, se acordo com o artº199º que fulmina desse modo a falta desses requisitos. E uma nulidade decorrente de uma proibição de prova, segundo Germano Marques da Silva ou Costa Andrade, nas suas lições de processo penal.
Mas serão todas nulas as conversas de intervenientes fortuitos que não sejam suspeitos e mesmo assim sejam escutados? Não, necessariamente, porque há outro mecanismo previsto na lei penal que as faz aproveitar para algo muito restrito: revelarem a prática de um crime relativamente ao qual o intgerveniente poderia ser escutado.
Assim, o que sobra das gravações em que José S. enquanto PM ( embora em converseta privada com uso de impropérios variegados) interveio e foi assim gravado?
O que diz o artº 187º nº 7º do CPP e que é isto e muito porque se refere aos conhecimentos fortuitos, figura analisada teoricamente por Costa Andrade ( não conheço mais ninguém que o tenha feito com a mesma profuncidade teórica):
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
Assim, o que sobra das gravações em que José S. enquanto PM ( embora em converseta privada com uso de impropérios variegados) interveio e foi assim gravado?
O que diz o artº 187º nº 7º do CPP e que é isto e muito porque se refere aos conhecimentos fortuitos, figura analisada teoricamente por Costa Andrade ( não conheço mais ninguém que o tenha feito com a mesma profuncidade teórica):
7 - Sem prejuízo do disposto no artigo 248.º, a gravação de conversações ou comunicações só pode ser utilizada em outro processo, em curso ou a instaurar, se tiver resultado de intercepção de meio de comunicação utilizado por pessoa referida no n.º 4 e na medida em que for indispensável à prova de crime previsto no n.º 1.
8 - Nos casos previstos no número anterior, os suportes técnicos das conversações ou comunicações e os despachos que fundamentaram as respectivas intercepções são juntos, mediante despacho do juiz, ao processo em que devam ser usados como meio de prova, sendo extraídas, se necessário, cópias para o efeito.
Portanto, Noronha Nascimento e quem o aconselhou no Douro durante o Verão ( já se sabe quem foi), largas semanas depois das 48 horas que a lei manda observar, deviam ponderar essa hipótese também. E por aí, nunca devia o pSTJ enganar as pessoas dizendo que o expediente que lhe apresentaram era uma “extensão” do processo de Aveiro, porque não era, não podia ser e não precisava de ser.
Aliás, o presidente do STJ, por causa disso nem precisava de saber nada de nada do processo, porque o expediente remetido por Aveiro seria para autuação na secção criminal pelos serviços do MP respectivos e com eventual intervenção do PGR se o mesmo decidisse, como decidiu intervir directamente no caso.
Estas questões nunca ficaram esclarecidas e andam por aí a mistificar as pessoas sem esclarecer estes aspectos essenciais. Agarram-se a uns formalismos que não interessam e não tem sequer aplicação e largam outros que deviam ponderar para reconhecer que se enganaram. E tirar daí as consequências, obviamente.
É mais uma aldrabice que o representante máximo da Justiça não deveria aceitar, tolerar ou participar porque também é uma mistificação e que coloca muito mal a Justiça portuguesa e quem a representa.
Portanto, Noronha Nascimento e quem o aconselhou no Douro durante o Verão ( já se sabe quem foi), largas semanas depois das 48 horas que a lei manda observar, deviam ponderar essa hipótese também. E por aí, nunca devia o pSTJ enganar as pessoas dizendo que o expediente que lhe apresentaram era uma “extensão” do processo de Aveiro, porque não era, não podia ser e não precisava de ser.
Aliás, o presidente do STJ, por causa disso nem precisava de saber nada de nada do processo, porque o expediente remetido por Aveiro seria para autuação na secção criminal pelos serviços do MP respectivos e com eventual intervenção do PGR se o mesmo decidisse, como decidiu intervir directamente no caso.
Estas questões nunca ficaram esclarecidas e andam por aí a mistificar as pessoas sem esclarecer estes aspectos essenciais. Agarram-se a uns formalismos que não interessam e não tem sequer aplicação e largam outros que deviam ponderar para reconhecer que se enganaram. E tirar daí as consequências, obviamente.
É mais uma aldrabice que o representante máximo da Justiça não deveria aceitar, tolerar ou participar porque também é uma mistificação e que coloca muito mal a Justiça portuguesa e quem a representa.
E ainda outra coisa: foi a RTP quem teve acesso a este terceiro despacho. Aos bochechos, os despachos do presidente do STJ são dados a conhecer publicamente, dizendo o que aliás já se sabe. Porém, esses despachos ou estavam em seu poder ou em poder do PGR. De acordo com as declarações públicas do pSTJ estavam em poder do PGR.
Por isso, mais uma vez, o PGR terá que explicar este fenómeno, se assim for o caso.
Boa tarde.
ResponderEliminarMais um belíssimo e útil esclarecimento nos é dado por si.
Ontem entretive-me a "ouver" no canal Parlamento na comissão contra a corrupção, o "Farfalho", melhor, o advogado do caso "Farfalho pedófilo", deputado pelo PS pelos Açores e CREIO que implicado em várias trapalhadas, a perorar irritadamente e desabridamente contra a sensata intervenção do advogado Magalhães e Silva que afirmava que, quem é sério, não pode ter medo de ser averiguado neste e no outro mundo, quanto àquilo que tem e não se sabe de onde vem. Pobre País com estes deputados a distribuirem vírgulas, a seus belos prazeres pela legislação. O dr Magalhães e Silva é mesmo um bom samaritano, tentar convencer alguns senhores deputados do que são comportamentos éticos!!!
José.
ResponderEliminarVolto a este assunto, porque você tornou a abordá-lo. Desta vez para dar-lhe inteira razão e aceitar a sua tese de que a escuta ao A. Vara em que interveio o PM era não só válida como passível de ser usada para a abertura de processo autónomo.
Como leigo, ainda não compreendi a razão pela qual afirma que as certidões teriam de ser remetidas ao MP na secção criminal do STJ, visto a competência desta se referir ao julgamento das altas figuras do Estado, e não às fases preliminares.
Por isso, pergunto:
-não poderia o MP local, sem intervenção de outras entidades (MP na Secção de Justiça e PGR) ter procedido à abertura de inquérito para a investigação do crime cuja existência tomara conhecimento?
-depois de ter aberto o referido processo, não deveria o MP local ter solicitado ao PSTJ a realização de escutas ao PM, na sua qualidade de suspeito da prática do crime conhecido fortuitamente?
É que ainda não compreendi a razão pela qual foram as certidões remetidas para o PGR. Será porque o suspeito era quem era? Mas, o que a função faz tornar diferentes os suspeitos não é apenas quanto ao juiz competente para autorizar escutas?
JMC:
ResponderEliminarO que os magistrados de Aveiro e Coimbra fizeram está bem feito e inatacável do meu ponto de vista.
A certidão podia ter sido remetida directamente para o MP no STJ, ou seja para a secção criminal no STJ, porque é lá que correm os inquéritos contra o PM, em que seja necessário praticar actos jurisdicionais da competência dos juizes dessas secções.
Mas apenas isso. Portanto, para se registar um inquérito como tal, lendo o que diz a lei ( artº 11 CPP) só há intervenção da secção criminal do STJ para actos jurisdicionais relativos a inquérito ao PM.
Logo poderia ser registado no...DCIAP. E aí correr termos.
Por outro lado, segundo o artº 35 da Lei des responsabilidade penal de titulares de cargos políticos..."3 - O Primeiro-Ministro responde perante o Plenário do Tribunal da Relação de Lisboa, com recurso para o Supremo Tribunal de Justiça."
Ora isto cria uma confusão legal, porque o artº 11º do CPP fala em "Julgar" esse titular de cargo político, como sendo da competência do STJ,na secção criminal.
Logo, o que é que vale, afinal?
Assim, perante esta confusão, seria melhor autuar o processo na secção criminal, para lhe dar erxistência jurídica válida e para permitir o controlo jurisdicional pelo presidente do STJ se fosse caso disso ( só para autorizar escuta como aliás devia ter sido) e para permitir a prática de actos jurisdicionais nessa secção criminal ( ficando por isso na mesma com dois juizes de instrução, no caso de haver necessidade de escutas).
Logo, a confusão legal é algo que tem aproveitado a alguém...
Quanto às suas duas últimas perguntas:
Acho que devia ter sido remetido o expediente para o DCIAP, mas acho também que poderia ter sido para a secção criminal do STJ.
E nesse caso, legitimaria a intervenção do PGR porque os procuradores que estão nessa secção criminal, são apenas representantes directos e sem autonomia, do PGR. Logo, este pode despachar no processo respectivo.
Julgo, por outro lado que a razão principal para dar conhecimento ao PGR foi o respeito hierárquico, apenas.
Uma coisa que pelos vistos o MP ainda usa e ainda bem, ao contrário do que andam por aí a dizer os proenças e pereiras.
O problema é o hierarca de topo que não a merece.
Caro JMC:
ResponderEliminarPara quem se diz leigo - e não se cansa de o repetir - lida muito bem com esta específica terminologia.
"MP local", "processo autónomo" e "Juiz competente para autorizar escutas" não são propriamente expressões de um leigo nestas matérias.
Caro José:
O dar conhecimento ao superior hierárquico não terá sido, quanto a mim, uma questão de respeito.
Penso que a ideia terá sido a de comprometer o mais alto responsável do MP na abertura de um inquérito ao Primeiro-Ministro -
coisa de tamanha responsabilidade e nunca antes vista neste País.
Por isso, "penso eu de que" a ideia foi essa: endereçar responsabilidades, nesta matéria, ao supra-chefe do MP.
JC:
ResponderEliminarEstou de acordo com essa leitura.
JC.
ResponderEliminarPode crer que sou leigo na matéria.
Tanto assim é que aceitei como boa a tese de que as escutas ao PM teriam de ser autorizadas pelo PSTJ, quando tal apenas se aplica quando este é alvo de escutas (e isto só é possível quando ele tiver a qualidade de suspeito ou de arguido). Ora, para que assim fosse, o PM teria de ser suspeito ou arguido em processo já aberto, o que não era o caso.
Caí na esparrela, fácil de cair aos leigos, de esquecer que em qualquer escuta de comunicação presencial são escutados, simultaneamente, os alvos e os seus interlocutores. E que sendo válidas as escutas aos alvos são por esse facto igualmente válidas as escutas aos seus interlocutores, nomeadamente, para os efeitos do art.º 248 (conhecimento da existência de crime).
Se não fosse leigo, e não desconhecesse o teor da lei, estou certo de que não cairia em erro tão elementar.