Não junto a minha voz aos muitos alarmistas que entendem que a justiça atravessa a maior crise de sempre, que está moribunda A crise da justiça é da sua própria natureza enquanto insatisfação na busca e realização do ideal que faz da Justiça uma virtude: vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe pertence.
A crise da justiça participa da crise das demais instituições: da definição e hierarquização dos valores que deve realizar e da concordância prática da sua realização, sobressaindo para o comum dos mortais a transparência e a celeridade.
A justiça deve ser transparente, deixando perceber os conflitos ideológicos que subjazem na definição do “suum” de todos e de cada um, desde a sua consagração em lei à interpretação da própria lei. Numa sociedade pluralista e dinâmica tudo ou quase é controvertido ideologicamente e tudo é precário como o são as maiorias de opinião: são questionadas as leis postas e debatidas também a sua interpretação e modos de realização prática. Esta inconstância do legislador, do intérprete e do aplicador das leis é a democracia em acção. Alguns prefeririam a estabilidade e a certeza; prefiro a instabilidade e incerteza democráticas, fruto do esforço plural na busca insatisfeita do bem de todos.
A justiça deve ser célere, mas não tanto que a pressa possa sacrificar outros valores como a verdade e a segurança. O ideal democrático exige o respeito incondicional dos direitos de todos e por isso que seja necessário conciliar a diligência com a prudência, virtudes que faltam muitas vezes a quem mais falta faz. Acrescem o aumento da conflituosidade própria das comunidades em mudança e de auto consciencialização dos direitos, a falta de confiança nas autoridades, que é questão cultural, e a escassez de meios sobretudo em tempos de dificuldades económicas.
A boa justiça é tarefa de todos. A democracia é exigente; intolerante com a incompetência e a displicência, mas complacente com o conflito. Não há que temer a controvérsia, que é criativa; não há que procurar o secretismo que só serve para esconder a realidade e proteger desvarios; não nos devemos impressionar com a proliferação das leis porque são na circunstância histórica a busca do bem comum, a expressão temporal do ideal de justiça. Celeridade, pois, quanto possível, pelo ajustamento constante da estrutura judiciária e dos meios humanos e materiais às novas e crescentes necessidades de intervenção porque neste nosso tempo dificilmente toleramos o exagero da demora e a que não seja justificada pela necessidade de ponderação do conflito e para atender aos argumentos das partes em confronto só exaspera as injustiças. Exige-se menos folclore e mais reserva na exposição das opiniões divergentes por parte dos profissionais para maior credibilidade da instituição, mas sem secretismos intoleráveis numa sociedade aberta.
A justiça não está só; participa e reflecte a nossa vivência democrática. A mudança está em curso; lenta, demasiado lenta, é certo, e atabalhoada às vezes. Para implantar a cultura democrática são precisas várias gerações, mas sou optimista, confio que estamos no bom caminho, que vamos lá!
Germano Marques da Silva é um dos juristas deste regime. Advogado de famosos que lidam com o dinheiro e o crime, é também criminalista, sendo professor universitário, de prestígio, da escola de Lisboa e que colaborou já com vários governos, principalmente o de Guterres, na feitura de algumas leis penais e não só. Em 1998, auge do guterrismo, GMS foi incumbido de chefiar comissões de revisões de leis penais, como o próprio CPP e até o Código da Estrada, passando pelas contra-ordenações. É um quase-legislador e por isso com grandes responsabilidades nos resultados dessas leis, ao longo dos anos.
No entanto, sobre isso, GMS nunca se dá por achado e é preciso sempre que alguém lhe lembre o que fez e quando fez para se perceberem os efeitos dessa obra, nomeadamente os nefastos e que careceram logo de revisão.
A última intervenção pública de relevo de GMS, ocorreu o ano passado, aquando da discussão pública, restrita a nem sequer meia dúzia de juristas, sobre a validade das escutas em que interveio o primeiro-ministro no caso Face Oculta.
Não obstante a sua interpretação conduzir a um absurdo lógico, a mesma foi defendida com denodo no Prós & Contras, pelo próprio e que nem se deu conta do radicalismo obtuso da posição teórica que defendeu, para safar, objectivamente, este inenarrável primeiro-ministro que ainda temos. Antecipado ou seguido, aliás, pelo procurador-geral da República e pelo presidente do STJ.
Segundo GMS, " a crise da justiça é da sua própria natureza enquanto insatisfação na busca e realização do ideal que faz da Justiça uma virtude: vontade constante e perpétua de dar a cada um o que lhe pertence."
Esta vontade perpétua de dar a cada um aquilo que lhe pertence não lhe fará pensar naquilo que é oferecido a alguém, por mor das leis que ajudou a aprovar, quando esse alguém, comprovadamente não o merece e isso traduzir a maior contradição com o princípio?
Por exemplo, uma absolvição injusta? Ou uma investigação impedida por obstáculos formais e processuais inventados e copiados por si, para valerem como lei?
Que noção de Justiça prevalece num espírito que fala assim de cor e depois sapa essa noção tão chã e de senso comum, com regras por vezes absurdas e que conduzem apenas à injustiça mais flagrante e à negação daquele princípio?
É um mistério que nem a especial natureza da advocacia permite compreender.
Fala de Mestre. Bem fala quem sabe. Muito obrigado.
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