Em entrevista ao jornal Correio da Manhã, Maria José Morgado fala num Estado «capturado por interesses obscuros, incapaz de os combater e paralisados pelos maus interesses».
Maria José Morgado mantém a convicção de que «não há vontade política» para combater a corrupção, considerando mesmo que esta não só se mantém como goza de uma «protecção legal».
A corrupção é um problema que está mais na esfera política do que na jurídica, considera ainda a coordenadora do Departamento de Investigação e Acção Penal de Lisboa.
Por outro lado, defende, o combate ao crime económico em Portugal, quer na corrupção quer no branqueamento de capitais, nunca foi uma prioridade de política criminal.
Maria José Morgado segue a mesma linha de pensamento que os bloquistas no livro Os Donos de Portugal. Resta saber se tem razão e se essa razão é sustentável por factos que a demonstrem.
Quando Morgado fala em captura do Estado por "interesses obscuros" não especifica, não discrimina e não esclarece nada porque é assim mesmo: tudo obscuro. Ora tal não é admissível porque Morgado não é nenhuma Cassandra, nem oráculo sequer. É apenas uma investigadora criminal do MP, com experiência nesses assuntos e que chegou em tempos a escrever um livro sobre o mesmo, com alusões a casos concretos de pequena corrupção e menção a outros de maior coturno, mas sem concretizações, como é costume.
O livro dos bloquistas, esse, não tem os pruridos da linguagem críptica de Morgado. Apresenta os nomes que entende "promíscuos" e portanto fonte de "interesses obscuros". Apresenta-os factualmente, apontando as ligações negociais e as transições da política para os negócios e vice-versa. Não lhes imputa casos concretos de corrupção porque o objectivo do livro é apresentar apenas os "donos de Portugal".
Omite no entanto, um lote de grandes detentores de acções deste país: as maiores firmas de advogados que ultimamente legislam por conta do governo e em nome de todos nós, o povo.
Não é preciso ser muito esperto para perceber que o que diz Morgado está em sintonia com o que escrevem os bloquistas. Por isso mesmo, para tentar descodificar o discurso daquela, aqui ficam meia dúzia de páginas do livro daqueles.
No livro dos bloquistas ( clicar para ler) na pág. 320-321, nem sequer há disfarce no objectivo, perante a linguagem usada: " fluxo contínuo que organiza o comando da economia do país pela contaminação intensa entre o poder de Estado e negócios privados", por exemplo, é um modo elíptico de designar a corrupção, pura e simples , e denunciar aqueles "interesses obscuros" que impedem "o combate ao crime económico em Portugal". E portanto, na página seguinte escreve-se sobre " a integração sistémica assegurada por estes dirigentes. São portadores de informação valiosa e de redes de influência, por vezes anteriores à experiência governamental."
Resta saber- e a discussão só seria possível se os visados fossem ouvidos também-, se estes costumes caseiros são sempre fonte inequívoca de corrupção; se são eles os que impedem o combate ao fenómeno e se o que fizeram constitui crime catalogados nas leis penais. Ou seja, se o Estado português, à semelhança do que ocorre noutros estados, tem alternativas viáveis a estes costumes, para o funcionamento da democracia como a conhecemos. Se os valores intelectuais que temos dispensa estas "promiscuidades" e se elas em si mesmas são o germen da corrupção tal como a entende Morgado e os bloquistas da Esquerda.
A pergunta que devemos fazer a Maria José Morgado e a outros que por estes assunto se interessam é esta: a corrupção em Portugal, tal como a entendem, passa necessária e essencialmente, por estes indivíduos concretos e por estas práticas concretas do Estado português ao longo dos anos?
E se passa, o que fazer para a eliminar? E se não passa, como é que se classifica a corrupção em Portugal? Residual, como diria um Diogo Leite de Campos ( do PSD, professor em Coimbra, especialista em Direito Fiscal, advogado da PLMJ) que uma vez afirmou na tv que não a conhece, a essa senhora de mau porte? Ou sistémica, integrada de tal modo nos interstícios do Estado que só uma outra revolução poderá de algum modo exterminar?
Se a corrupção evidente no Face Oculta, levanta obstáculos à sua condenação por motivos processuais penais, como é que os autores dos códigos podem permitir uma coisa assim que funciona sempre a favor dos corruptos? E de quem é a responsabilidade? Dos nomes apontados? Do sistema politico que temos no qual se integram como peixes na água, os autores de tais diplomas legislativos?
Suponho que é tempo de elencar estas questões concretas e de deixar o discurso deletério dos "interesses obscuros" e das alusões elípticas em eufemismos de circunstância que poucos entendem e alguns interpretam de modo equívoco.
Para quando um discurso claro e preciso sobre estas matérias? E outra coisa: Maria José Morgado corre politicamente nalgum sector da pista democrática? Qual? Se for simpatizante do BE que o diga!
Eu não sou, mas gosto de ler o que escrevem para reflectir sobre as incongruências políticas.
milhares 'desviam' milhões
ResponderEliminarBasta lembrar o passado politico, das figuras, que hoje têm responsabilidades politicas, juridicas, financeiras....Foi o assalto da esquerda ao aparelho do estado, o furôr revolucionário, foi-se gastando, a teoria, ficou.Muitos deles, com cursos de passagem administrativa, com o canudo de passado ( dogma/tabu ) antifascista, muitos vieram do mrpp.O resultado, está á vista. Limitados a dizer que há, corrupção, não lhes interessa, nem são capazes, de a combater. Adaptaram-se ao sistema, o capitalismo,até tem coisas boas.
ResponderEliminar"... sector da pista democrática..."
ResponderEliminarUm dia, disseram-me... que estas pessoas faziam parte (mais-coisa-menos-coisa) da "extrema-esquerda".
Um dia li uma entrevista do marido de Morgado, já falecido. Dizia que as ideias que tivera e que o levaram à cadeia, onde estava no 25 de Abril, segundo julgo, porque lá passou alguns anos, foram uma idiotice. Mais um menos assim. Portanto a Morgado deve pensar o mesmo.
ResponderEliminarO problema é que as ideias nascem de personalidades, de carácteres e formam uma idiossincrasia que não desaparece assim tão depresssa...
Nenhum país onde o arbítrio impere sobre o direito ultrapassará a tirania. Mesmo uma família onde não sejam estabelecidaa regras para serem cumpridas facilmente cairá no caos.
ResponderEliminarA questão portuguesa está para além de direita ou de esquerda no plano das ideias.
Se a direita, quando ganhasse eleições, exercesse o poder de acordo o direito, a esquerda já teria sido reduzida à sua insignificância. Mas não. São anti autoridade e são parte activa nessa captura. Veja-se o seu comportamento relativo relativamente ao exercício do poder judicial e às magistraturas. É quase igual ao da esquerda.
Manuel Pereira Rosa:
ResponderEliminarO que propõe para assegurar esse poder e disciplina das magistraturas?
Aliás, que poder e disciplina são esses?
Não se deixe levar pelo discurso corrente e tente dizer o que lhe parece realmente.
Apenas uma nota para eventual correcção.
ResponderEliminarPenso que o professor e fiscalista a que se refere não será Mota de Campos mas Leite Campos, que se jubilou como professor em Lisboa (embora também tenha passado por Coimbra) e é dirigente do actual psd, sendo advogado fiscalista (não sabia que da plmj) com teses "peculiares" na defesa dos seus clientes (embora com a veste do professor de direito).
Existe um Mota Campos que integrou governos marcelistas, já muito idoso, professor de direito mas da área do direito comunitário ou da união europeia (não lhe conheço ligações ao psd), que por seu turno teve um filho miliante do cds que foi secretário de estado da justiça do governo do durão barroso, mas que não é professor de direito nem jurista com especial peso.
Em todas as máfias há sempre alguém a quem é distribuído o papel de denunciar, de uma forma abstracta, o crime organizado.
ResponderEliminarÉ o que se chama a estratégia de dissimulação. Destina-se a desviar a atenção da opinião pública para alvos indefinidos, misturar alhos com bugalhos, por forma a manter o clã a que se pertence o mais protegido e camuflado possível.
Bem haja o José pela coragem e sageza com que tem denunciado os truques e artimanhas que os nossos aprendizes de feiticeiros - sociais/socialistas, trotskistas e quejandos - têm procurado camuflar a sua responsabilidade na criação e gestão do pântano em que transformaram este pobre país.
Joaquim:
ResponderEliminarObrigado pela correcção. De facto é o mister Diogo Leite de Campos aquele a que me refiro. Um figurão.
Como sigo este blog, não pude deixar de ficar curioso com a pergunta que o José colocou na antecamara do texto:"A corrupção é sistémica?"
ResponderEliminarClaro que é. Deduzindo pelo critério de definição do Priberam ("Técnica ou processo científico que utiliza um sistema").
E o sistema existe. A técnica também, só que multifacetada em vária áreas de poderes decisórios.
Escrevo com conhecimento de causa, podem crer. Porque nos anos todos que passei atrás das grades por crimes relacionados com especulação e fraude financeira nunca vi lá entrar gente de nome. E os poucos da raia miúda, que por qualquer circuntãncia foram "descobertos", eram libertados sob fiança vá lá saber-se por quem.
Poder-me-ia esticar em estórias, mas mesmo um ex-recluso tem um código de honra. Igualzinho aos "interesses obscuros".
De qualquer forma, gostei que levantassem a questão.
Excelente post, Caro José. A Maria José Morgado é o Octávio Machado da Justiça.
ResponderEliminarÉ sistémica e endémica, qual doença. Mas, não tem cura com os actuais e coniventes agentes sanitários...
ResponderEliminarA dúvida que se me coloca nestas questões é uma, muito simples:
ResponderEliminarSe for inevitável que certos protagonistas assumam papel de relevo no Estado e depois ( ou antes) nas empresas de grande dimensão ou significado, tal como acontece noutros países capitalistas, é preciso distinguir entre "devoristas", "corruptos" , "chico-espertos" e os autênticos especialistas que são necessários porque não abundam quadros na nossa sociedade.
Não temos uma ENA como a França e não temos costumes enraizados de ética protestante.
Portanto, para destrinçar o trigo do joio, a tarefa ainda é mais complicada.
Aconselho novamente a leitura do livro dos bloquistas. Na parte final conta a história dos ricos de Portugal e como chegaram a esse estatuto e conta ainda que há uma personagem sempre presente na recuperação da riqueza por esses antigos donos: o sempiterno "secretário" Elias Costa.
Se a corrupção grassou no cavaquismo e se tornou endémico com estes xuxas de pacotilha que nos governam, é preciso saber quem foram exactamente os corruptos e separá-los dos que ajudaram os ricos a recuperarem a riqueza para produzir mais PIB.
Há uma diferença, parece-me.
E no tempo do Salazar quem mandava não eram os ricos.
O A. Vara é um corrupto?
ResponderEliminarPergunto porque assim não ofendo.
Se for, onde é que deveria estar neste mesmo momento?
E porque é que não está?
"Ética protestante" José?
ResponderEliminarMais um mito a abandonar: veja a pouca vergonha que se passa nos EUA na dita "ort giratória" entre empresas e agências estaduais ou federais ou delas dependentes e as empresas.
E a descarada e de forma abjecta.
Há muita propaganda... "protestante".
A Transparência e Integridade está a iniciar um trabalho de consciencialização pública e intervenção cívica que interessa a todos os cidadãos interessados na promoção da transparência e no combate à corrupção. Parece-nos que se trata de um trabalho com grande importância - Maria José Morgado, apesar das críticas efectuadas neste post, tem trabalhado nesta área e é vogal da direcção da TIAC. Queremos que todas as vozes críticas trabalhem connosco.
ResponderEliminarPor isso, convido todos a visitarem os seguintes endereços:
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