Vítor Alves foi embora deixando a pátria numa situação que ele não desejava. Gostava muito deste homem sereno, culto, generoso, cordial a afável, que jogara, no regueirão de todos os perigos, a sorte pessoal e o desígnio colectivo. Ele e outros como ele são credores da minha maior gratidão. Ele e outros como ele resgataram os silêncios impostos e os medos compulsivos da minha geração e os das anteriores. O risco que Vítor Alves correu foi soberano entre os demais: o da vida, o da carreira, o da família.
Os jovens capitães de Abril possuem uma dimensão de coragem adveniente da espessura comovente do seu humanismo. Há qualquer coisa de épico e de poético na arrancada militar desse dia tão longínquo, tão próximo e tão delido no tempo e no esquecimento dos nossos desleixos. "O dia inicial inteiro e limpo", como lindamente lhe chamou Sophia, era o dia esperado pelos melhores de nós. E os melhores de nós desanimavam de o conhecer quando um grupo de homens muito novos nos convidou a ressurgir.
Às vezes, ia conversá-lo no seu gabinete. Os dias eram incertos, mas os sonhos nada tinham de indecisos. Ele transportava consigo uma cultura transeunte e uma bonomia que jamais ocultou as preocupações nascidas dos grandes embates ideológicos. Também bebíamos o uísque da amizade no João Sebastião Bar, reduto privilegiado de todos os imprevistos. Mais tarde, Álvaro Guerra, embaixador, escritor e jornalista, reunia, em almoços prolongados, nas casas de Mafra ou de Vila Franca de Xira, um grupo imponderável de amigos, em diálogos já perfumados de passado e de esperanças partidas. E era reconfortante ouvir este homem, apesar de tudo jovial e sorridente, a rematar os desalentos com uma frase benfazeja: "Mas as coisas estão muito melhores do que eram." A juventude já se fora; éramos uns senhores portugueses de cabelos brancos a quem a sabedoria do tempo ensinara a falar escasso para se dizer muito.
Queríamos mais do que havíamos obtido, porque sabíamos o que a "recuperação" consigo arrastava. A responsabilidade não deve ser dissimulada. Fomos nós todos que fizemos "isto". Víamo-nos mais espaçadamente. Mandava-lhe os meus livros, dirigia-me cartas generosas, calorosas e fraternas. Disse-me, há anos, que estava com problemas de saúde. Vasco Lourenço revelou-me a gravidade desses problemas. Estavam a ir alguns daqueles que eu mais respeitava; alguns daqueles, agora transfigurados em memórias e em penumbras, que tinham dado consistência à História.
Nada do que foi voltará a ser. Mas estar é, já em si, o bastante. Observo, na gelada noite da igreja do Paço da Rainha, os capitães de Abril, que se curvam ante o esquife do camarada de armas. Tínhamos todos a mesma idade.
Adeus.
Os jovens capitães de Abril possuem uma dimensão de coragem adveniente da espessura comovente do seu humanismo. Há qualquer coisa de épico e de poético na arrancada militar desse dia tão longínquo, tão próximo e tão delido no tempo e no esquecimento dos nossos desleixos. "O dia inicial inteiro e limpo", como lindamente lhe chamou Sophia, era o dia esperado pelos melhores de nós. E os melhores de nós desanimavam de o conhecer quando um grupo de homens muito novos nos convidou a ressurgir.
Às vezes, ia conversá-lo no seu gabinete. Os dias eram incertos, mas os sonhos nada tinham de indecisos. Ele transportava consigo uma cultura transeunte e uma bonomia que jamais ocultou as preocupações nascidas dos grandes embates ideológicos. Também bebíamos o uísque da amizade no João Sebastião Bar, reduto privilegiado de todos os imprevistos. Mais tarde, Álvaro Guerra, embaixador, escritor e jornalista, reunia, em almoços prolongados, nas casas de Mafra ou de Vila Franca de Xira, um grupo imponderável de amigos, em diálogos já perfumados de passado e de esperanças partidas. E era reconfortante ouvir este homem, apesar de tudo jovial e sorridente, a rematar os desalentos com uma frase benfazeja: "Mas as coisas estão muito melhores do que eram." A juventude já se fora; éramos uns senhores portugueses de cabelos brancos a quem a sabedoria do tempo ensinara a falar escasso para se dizer muito.
Queríamos mais do que havíamos obtido, porque sabíamos o que a "recuperação" consigo arrastava. A responsabilidade não deve ser dissimulada. Fomos nós todos que fizemos "isto". Víamo-nos mais espaçadamente. Mandava-lhe os meus livros, dirigia-me cartas generosas, calorosas e fraternas. Disse-me, há anos, que estava com problemas de saúde. Vasco Lourenço revelou-me a gravidade desses problemas. Estavam a ir alguns daqueles que eu mais respeitava; alguns daqueles, agora transfigurados em memórias e em penumbras, que tinham dado consistência à História.
Nada do que foi voltará a ser. Mas estar é, já em si, o bastante. Observo, na gelada noite da igreja do Paço da Rainha, os capitães de Abril, que se curvam ante o esquife do camarada de armas. Tínhamos todos a mesma idade.
Adeus.
Esta crónica de Batista Bastos (BB) soa a obituário maior. Um obituário de uma geração. Aquela que fez o "25 de Abril" e que falhou os propósitos, porque não os definiu com clareza e coerência, suscitando novos ""medos e silêncios impostos".
Para BB, o propósito era um: acabar com esses "silêncios impostos e os medos compulsivos". Traduz-se: acabar com a ditadura que governou até 25 de Abril. Mas falta o resto: em nome de quê? Não chega dizer - em nome da Liberdade! , porque isso é apenas poesia na rua e a Liberdade, quem a tem chama-lhe sua.
Um poeta cantor enunciou mais propósitos: "a paz, o pão, habitação, saúde, educação". Para todos, em pressuposto. Mas acrescentava-lhe outras condições: " só há Liberdade a sério quando houver, liberdade de mudar e decidir; quando pertencer ao povo o que o povo produzir".
Estas condições alteraram a noção de Liberdade, porque a geração de Vítor Alves/ Batista Bastos não sabia então o que fazer exactamente com essa Liberdade, perante as propostas políticas à escolha do votante. Durante anos a fio votaram à Esquerda. Uma Esquerda desnatada, mas embalada apelativamente. Elegeram parlamentos e presidentes da República, sempre com a palavra mágica como abre-te sésamo.
Como não sabiam, confiaram em quem julgavam saber. Propagandearam quem lhes prometia o mundo novo a sério e garantia que devia "pertencer ao povo o que o povo produzir." A Esquerda, pois claro.
BB sempre se considerou uma pessoa de Esquerda. Por Esquerda, entendida como todo o movimento político que garante retoricamente a Liberdade e promete " a paz, o pão, habitação, saúde, educação" com apoio popular e conquista do Estado pelos "trabalhadores", expulsando de um modo ou outro, a "burguesia" do capital, por não garantir essa liberdade, ser conta a solidariedade e pretender apropiar-se da mais valia produzida pelo povo.
Essa ideologia infiltrada nos partidos de Esquerda foi a razão do falhanço da geração BB. Porque a realidade social não suporta tais utopias e desde logo quem o descobriu foram alguns dos próceres dessa mesma Esquerda que meteram o socialismo na gaveta, mas não o discurso enganador e que ganha eleições em países pobres.
A contradição que daí adveio conduziu à desgraça em que nos encontramos. E os fautores da mesma são exactamente os utópicos da geração BB. Resta-lhes escrever obituários, com resquícios de nostalgia
O Vitor Alves afirmou que a descolonização deveria ter sido mais bem feita.O que não ouvi a mais ninguém.Tendo-se acabado com a ditadura o MFA preconizou a "democracia" e portanto meteu no "programa" a "consulta" dos povos acerca do ultramar.Coisa arquivada uma semana "depois" do 25 a requerimento dos "negociadores" com os "movimentos" que sabiam muito bem o que eles queriam e já...
ResponderEliminarPor outro lado o Vitor Alves acabadas as "guerras coloniais" e enquanto ministro da Eduacação tomou uma medida que teria poupado muito dinheiro ao Estado:numa altura em que havia muitos professores com insuficiente preparação a ensinar deu oportunidade aos militares do quadro permanente de se passarem para a educação, o que levaria a um "esvaziamento" dos quadros a mais e os colocaria a "produzir".Coisa que logo de seguida o PPD ANULOU.Por puro revanchismo contra a "tropa" que como todos os outros se endoutrinaram a "detestar".Em qualquer circunstância...
O que ele se esquece de dizer é que o Vítor Alves tinha fama e proveito de chulo.
ResponderEliminarTambém fazia parte dos "sonhos de abril" essa decadência de bas-fond onde chulice e contrabando de droga também eram de esquerda.
Pois, era conhecido como o "Vítor das carteiras", mas isto da morte já se sabe, passa tudo a limpo e ficam todos gajos bestiais. Em todo o caso, paz a sua alma.
ResponderEliminarA geração BB estava no 25 de Abril onde sempre esteve e continuou a estar : nas tabernas, nos prostíbulos e nas salas de chuto. Nos intervalos entretinha-se a brincar aos partidos, tendo fundado, no estrangeiro, o Partido Socialista.
ResponderEliminarSalas de chuto? no 25 de Abril só se fosse em futebol de salão.
ResponderEliminarPois. Mas em 1974 a maior parte da geração BB não estava em Portugal... e lá fora, o que não faltavam eram salas de chuto ou similares. A Sorbonne em 1968 foi o quê?
ResponderEliminarNão seria salas de chulos?
ResponderEliminarQual era o tuga revolucionário que estava na Sorbonne em 68?
ResponderEliminarE as salas de chuto de Maio de 68 ficavam no Quartier Latin?
Não digas disparates.
":O))))))
O que eu disse passou-se muito mais tarde e tinha a ver com casas de passe frequentadas por essa malta escardalha, entre as quais o VA.
Mas onde é que estava o BB antes do 25 de Abril?
ResponderEliminarEle tem a mania de se chegar à frente
com o eterno: "Fomos nós todos que fizemos "isto."
Há-de ser uma coisa mental porque ninguém sabe o que ele fez.
Lembro-me de uma vez no BA entrar uma rapariga num café onde ele estava com o grupo. A moça era toda "ecológica" e vinha de blusa cavada, vendo-se os sovacos com os pêlos à mostra.
Ele aproveita logo a ocasião para se armar em revolucionário e mete-se com a moça, dizendo bem alto: "foi graças a nós que podes andar agora assim".
E ela lá se desenrascou e respondeu que, já agora, se a mãezinha dela tivesse mau gosto, ainda era capaz de lhe dever mais qualquer coisa.
A piada está que isto foi dito com sotaque pois a moça era das berças.
ResponderEliminarNa verdade, ela andava como sempre se andou nas berças. Sem depilação.
ahahahah
Cuidado ao abrir!
ResponderEliminarO vírus zazie anda por aqui.
C.S.
Que serás tu que só andas na blogo atrás de "um vírus", ó desgraçadinho?
ResponderEliminarMuito te deves abrir...
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