Acabei de ler este livro que recomendo incondicionalmente. É da autoria de Pedro Feytor Pinto, o alto funcionário da Administração Pública, no tempo de Marcello Caetano, na Secretaria de Estado da Informação e Turismo, responsável pelas informações a prestar aos jornalistas estrangeiros que queriam saber o que se passava por cá.
O livro, de memórias, tem histórias muito interessantes e é um contributo decisivo para se perceber a época marcelista, a idiossincrasia de Marcello Caetano e principalmente um tempo e uma época. Pedro Feytor Pinto começa por narrar e descrever o que foram os seus tempos de formação como pessoa, no seio de uma família tradicional portuguesa, com valores portugueses e incidência particular na religiosidade dos pais que serviram os outros em actividade de ensino ( tinham um colégio) e caritativas ( sempre foram das conferências de S. Vicente de Paulo).
O modo como Pedro Feytor Pinto descreve as peripécias do dia 25 de Abril de 1974 merece ser lido e o modo como se relacionava com os notáveis do seu tempo, também. Pelo livro perpassa, sem qualquer equívoco, uma ética e um sistema de valores que se perdeu, neste anos. E que aqui se reencontra como modelo de referência de uma época e de um regime: o de Salazar/Caetano.
A linguagem do livro é a que ainda conheço desse tempo, sem qualquer laivo da "novilíngua" inventada pelos poderes e intelligentsia que vieram depois. É uma delícia poder ler algo que não cheira a enxofre de maçonaria ou tresande a perfume de esquerda cripto-comunista. É uma maravilha poder ler algo a respeito de pessoas que tinham um sistema de valores que se perdeu, trocado por outro em que pouco ou nada se ganha.
Se quiséssemos arranjar o paradigma oposto, assim de repente, bastaria lermos a biografia daqueles que "abandalharam" isto tudo. Escuso de dizer quem são porque andam no meio de nós.
Não conheço pessoalmente o autor ( irmão do padre Vítor Feytor Pinto) mas é das pessoas mais interessantes para entrevistar. Que me tenha dado conta, apenas o Expresso lhe deu duas páginas de entrevista na edição de 22.4.20110. Dos restantes media, a TVI fez-lhe uma entrevista. O resto é jacobino.
Um dos episódios mais marcantes dessa idiossincrasia, que não sendo cómico assim resulta para mim é este, contado a página 332:
" Um dia o portageiro [ na auto-estrada Porto-Lisboa e que terminava em Aveiro, nessa altura ainda nos anos oitenta] pediu-me se não me importava de levar até à Mealhada um companheiro seu, pois queria passar o fim-de-semana com a família. Aceitei sem nenhuma preocupação prosseguindo a viagem e fazendo conversa com o meu passageiro. Era um dia bonito e caloroso e que me levou a comentar como deviam ser incómodo passarem o dia naquelas pequenas cabines, expostas ao sol. "De facto deve ser muito incómodo mas eu não sofro essa incomodidade pois o meu trabalho é no edifício que está um pouco afastado." Senti um sobressalto perguntando-lhe: " Mas isso é o posto da GNR" Perante a resposta positiva disse-me ser um elemento da brigada de trânsito. Reduzi a velocidade e, um pouco encavacado, procurei saber se ele notava que eu vinha um pouco depressa. Com um sorriso respondeu que também notava isso mas que estava satisfeito pois assim chegaria mais rápido ao pé da sua família! Obviamente que o levei até à porta de casa!"
Este pequeno episódio conta mais sobre a idiossincrasia e a ética do que muitos episódios do livro. E não é necessariamente negativa. A noção de responsabilidade, de dever, de respeito pela autoridade eram efectivamente uma das características do regime de Salazar/ Caetano.
Mas também conta sobre a dificuldade em perceber a mudança do tempo e mentalidade.
O livro, de memórias, tem histórias muito interessantes e é um contributo decisivo para se perceber a época marcelista, a idiossincrasia de Marcello Caetano e principalmente um tempo e uma época. Pedro Feytor Pinto começa por narrar e descrever o que foram os seus tempos de formação como pessoa, no seio de uma família tradicional portuguesa, com valores portugueses e incidência particular na religiosidade dos pais que serviram os outros em actividade de ensino ( tinham um colégio) e caritativas ( sempre foram das conferências de S. Vicente de Paulo).
O modo como Pedro Feytor Pinto descreve as peripécias do dia 25 de Abril de 1974 merece ser lido e o modo como se relacionava com os notáveis do seu tempo, também. Pelo livro perpassa, sem qualquer equívoco, uma ética e um sistema de valores que se perdeu, neste anos. E que aqui se reencontra como modelo de referência de uma época e de um regime: o de Salazar/Caetano.
A linguagem do livro é a que ainda conheço desse tempo, sem qualquer laivo da "novilíngua" inventada pelos poderes e intelligentsia que vieram depois. É uma delícia poder ler algo que não cheira a enxofre de maçonaria ou tresande a perfume de esquerda cripto-comunista. É uma maravilha poder ler algo a respeito de pessoas que tinham um sistema de valores que se perdeu, trocado por outro em que pouco ou nada se ganha.
Se quiséssemos arranjar o paradigma oposto, assim de repente, bastaria lermos a biografia daqueles que "abandalharam" isto tudo. Escuso de dizer quem são porque andam no meio de nós.
Não conheço pessoalmente o autor ( irmão do padre Vítor Feytor Pinto) mas é das pessoas mais interessantes para entrevistar. Que me tenha dado conta, apenas o Expresso lhe deu duas páginas de entrevista na edição de 22.4.20110. Dos restantes media, a TVI fez-lhe uma entrevista. O resto é jacobino.
Um dos episódios mais marcantes dessa idiossincrasia, que não sendo cómico assim resulta para mim é este, contado a página 332:
" Um dia o portageiro [ na auto-estrada Porto-Lisboa e que terminava em Aveiro, nessa altura ainda nos anos oitenta] pediu-me se não me importava de levar até à Mealhada um companheiro seu, pois queria passar o fim-de-semana com a família. Aceitei sem nenhuma preocupação prosseguindo a viagem e fazendo conversa com o meu passageiro. Era um dia bonito e caloroso e que me levou a comentar como deviam ser incómodo passarem o dia naquelas pequenas cabines, expostas ao sol. "De facto deve ser muito incómodo mas eu não sofro essa incomodidade pois o meu trabalho é no edifício que está um pouco afastado." Senti um sobressalto perguntando-lhe: " Mas isso é o posto da GNR" Perante a resposta positiva disse-me ser um elemento da brigada de trânsito. Reduzi a velocidade e, um pouco encavacado, procurei saber se ele notava que eu vinha um pouco depressa. Com um sorriso respondeu que também notava isso mas que estava satisfeito pois assim chegaria mais rápido ao pé da sua família! Obviamente que o levei até à porta de casa!"
Este pequeno episódio conta mais sobre a idiossincrasia e a ética do que muitos episódios do livro. E não é necessariamente negativa. A noção de responsabilidade, de dever, de respeito pela autoridade eram efectivamente uma das características do regime de Salazar/ Caetano.
Mas também conta sobre a dificuldade em perceber a mudança do tempo e mentalidade.
Sempre que se escreve sobre o que de bom havia no anterior regime e, por comparação, de mau neste, é certo e sabido que o comentário não é enviado (com o blogger a avisar convenientemente e tudo..., é a central de espionagem do governo no seu melhor) ou simplesmente desaparece.
ResponderEliminarVou evitar repetir-me, apenas digo que livros destes, escritos por quem viveu in loco os primeiros momentos d'euforismo(?) de um inicial e ingènuamente bem recebido novo regime mas que veio a tornar-se num pesadelo indescritível, os portugueses necessitam-nos como de pão para a boca.
E as gerações que não viveram antes de 25/4 ainda mais, para poderem colocar num dos pratos da balança a integridade, a ética e a moral dos políticos e governantes de 'antes' e no outro, as "virtudes" e os vícios de os 'd'agora' e repararem para que lado pende o prato mais pesado. Fàcilmente verificarão que há um abismo incomensurável e insanável a separar ambos.
Pela crítica positiva que faz ao conteúdo do livro (o tema interessa-me cada vez mais), bem como o elogio ao autor, acredito que plenamente merecido, comprá-lo-ei com muito gosto.
Maria