"Há um século e meio atrás, o Egipto era a maravilha do Novo Mundo. A guerra civil americana destruíra as exportações de algodão do Sul americano, provocando um aumento nos preços, de oito vezes, o que enriqueceu os produtores egípcios.
O manda chuva do país, o Kediv (uma espécie de vice-rei então assim designado pelos turcos) Ismail Pasha, alargou-se de tal modo na extravagância das vias férreas que o Egipto então compassado com o Sudão moderno ou com partes da Líbia e Eritreia, alardeava mais milhas de linhas por habitante do que qualquer outro país.
Em 1869, o Egipto celebrava a abertura do canal do Suez, uma maravilha de engenharia que se fatiava através do ombro direito da África.
Notáveis vindos de tão longe como Londres ou S. Petersburgo compareceram em caterva para testemunharem a procissão cerimoniosa dos barcos através do canal conduzidos pelo yacht imperial da francesa Imperatriz Eugénia. Os festejos prolongaram-se por três semanas, numa espécie de confraternização festiva entre Davos e a bacanália do carnaval do Rio.
Mas antes de a Imperatriz francesa acabar de atravessar o canal, a rendição dos Confederados em Appomattox rebentava com a bolha egípcia. Com o fim da Guerra Civil, o preço do algodão começou a baixar e a ostentação do Kédiv só podia continuar a sustentar-se através de empréstimos promíscuos.
De 1867 a 1875, a dívida soberana do Egipto subiu de 3 para 100 milhões de libras.; entretanto, o preço do algodão continuava a cair para níveis anteriores à Guerra Civil americana. A dívida tornou-se incobrável.
O que se seguiu foi uma lição sobre quão rápido a dívida pode comprometer a soberania de uma nação. Em 1875 um Kédiv aflito por dinheiro vendeu a participação do Egipto na empresa do canal do Suez, aos britânicos que adquiriram a jóia de uma coroa financeira e geopolítica pelo preço angustiante de 4 milhões de libras. No ano seguinte o Egipto deu em bancarrota e em 1878 foi forçado a aceitar um governo cuja função principal era a de manter os credores satisfeitos- o próprio ministro das Finanças era britânico. Em 1882 uma intervenção militar britânica selou o destino do Egipto como colónia em tudo menos no nome. Na linguagem diplomática imperial tornou-se um "protectorado velado".
Assim acaba a primeira parte da lição ensinada pelo Suez. Para os americanos nervosos de hoje em dia, a segunda parte é mais subtil e ainda mais arrepiante. Em meados do séc.Vinte, a Inglaterra, superpotência que se aproveitou das vantagens da crise da dívida egípcia, sofria os mesmos efeitos, trazidos pelos insustentáveis empréstimos para os encargos de duas guerras mundiais. Os seus líderes ainda acreditavam que abarcavam o mundo. Mas o seu poder era ilusório. Depois da II Guerra mundial, a Inglaterra estava profundamente devedora para com os EUA, uma vantagem que o presidente Eisenhower utilizou para extrair várias concessões políticas, incluindo a devolução do canal de Suez ao Egipto. ( Pretendia manter o novo líder egípcio, coronel Gama Abdel Nasser feliz e impedi-lo de se juntar ao lado soviético). O dólar substituiu a libra como moeda de reserva mundial. E os EUA substituiram a Inglaterra como potência global emergente.
A humilhação do Suez marcou o fim das pretensões imperiais inglesas. Como escreveu o historiador Niall Ferguson, "Foi no Banco da Inglaterra que se perdeu efectivamente o Império". Harold MacMillan, então ministro das Finanças confessou que o Suez tinha sido o último suspiro de uma potência em declínio, acrescentando que "talvez em duzentos anos os EUA sintam o que sentimos".
A revista interroga-se depois sobre se os tais duzentos anos não chegaram antes...agora mesmo.
Esta história de proveito e exemplo poderia ser contada por um de nós, portugueses, que aprendemos História e sabemos o significado da Honra nacional, do brio pela Pátria e da Dignidade de uma Nação.
Qualquer um de nós é uma maneira de dizer. Estou convencido que há muito poucos de nós que sintam tal coisa. E não é um Inenarrável de um primeiro-ministro como o que temos que de História deve perceber as dos livrinhos aos quadradinhos, se tanto, quem nos vai devolver a honra perdida.
A história económica devia ser uma disciplina obrigatória no ensino.
ResponderEliminarNão é preciso. Os inenarráveis apostam na avaliação dos professores como substituto da matéria a aprender.
ResponderEliminarBem visto!!
ResponderEliminarFora de tópico, mas queria partilhar uma notícia relacionado com o "inenarrável" que nos desgoverna.
ResponderEliminarNuma aldeia de Penamacor, creio que é Sta Margarida, uns velhotes foram levados pelo presidente da junta, que imaginamos a que partido pertence, dizendo-lhes que iam passear até Fátima... Imaginam onde os levaram? Precisamente, para o congresso do partido desse coisa.
Os velhotes (não sei quantos seriam) ficaram zangadíssimos, mas por certo que as queixas terão ficado pela família, amigos e vizinhos.
O que dizer desta pouca vergonha???
Coisas que me intrigam:
ResponderEliminar- Porque é que a troka não acabou com o TGV Lisboa-Madrid?
- Porque é que não baixou o salário mínimo?
- Se tivesse sido há um ano, teria sido melhor?
- Porque é que o Ricardo Salgado há um mês dizia que não era preciso a ajuda?
Wegie:
ResponderEliminarEu ainda não li aquilo tudo mas, por lógica, há coisas que dá para perceber: eles não podem intrometer-se totalmente na política de um país. Vêm cá emprestar com condições e dar sugestões para lhes pagarem.
Ora o TGV não está feito. Não tinham sequer pretexto para irem buscar dinheiro ao que ainda não existe.
E o resto deve estar sujeito a estas nuances. Todas aquelas indicações para fecharem institutos e diminuírem câmaras e coisas assim, são indicações, sem prazo.
Já os 7 meses para venda de grandes empresas onde até conseguem impedir que exista participação estal é outra coisa- é literalmente garantir que vai ser vendida e o dinheiro entra nos cofres do Estado mas este não detém mais nada.
E muito disso até concordo que tem utilidade mas nunca em saldos e para monopólios.
Eu até imagino que basta um só monopólio a ficar com tudo isso.
Do salário mínimo não sei. Também não sei como podem obrigar a subsídios de desemprego apenas por 18 meses.
ResponderEliminarE, para chatear, como podem também mandar tirar subsídio a energias renováveis- coisa que é recomendação mundial.
Aquilo tem um pacote de ultimato; outro de recomendações para alterarem mercado de trabalho, e outro com sugestões para se safarem no meio disto.
ResponderEliminarMas tem ultimato muito engraçado com essa de até poderem ficar com bens territoriais caso não se pague os juros e o empréstimo.
Há dias falou-se de uma taxa de juro "entre 3,5% e 4,5%", o que, para falar a verdade, até me pareceu uma pechincha.
ResponderEliminarAgora, se os juros forem realmente entre 5,5 e 6%, penso que até será mais alto que os juros que a Grécia e a Irlanda estão a pagar.
Se tivesse sido há 1 ano, como?
ResponderEliminarEu nunca entendi se essa coisa do FMI é como chamar bombeiros quando se quer.
Vieram os 3, aliás, que isto é intervenção europeia.
Agora ninguém me convence que os nossos bancos estão finos e foi só por birra que não emprestaram dinheiro ao Estado, para eles lá fazerem as magias de pagamentos sem riqueza.
Eles têm andado a emitir títulos de dívida pública e a desvalorizar os juros deles.
Agora o empréstimo é isso, com encargo duplo do Estado e a ser financiado pelos compradores e pelos contribuintes porque o dinheiro criado não partiu de riqueza mas de ar.
O que me disseram é que partindo de uma dívida de 120%/ do PIB, com custo de 3% (antes da hipótese do empréstimo) era preciso fazer crescer o PIB em 3,6% ano. O que é impossível e no PIB até se pode incluir muita treta que é ar.
ResponderEliminarPortanto há quem garanta que não se trata de poder pagar juros agora mas de cobrir os juros acumulados (de 2000 até agora).
Mas num empréstimo ainda existe outra coisa- eles impõe juros e tempo limite. O que lhes interessa são as notas de volta, não a riqueza gerada para as conseguir.
ResponderEliminarPor isso é que devem estar a apostar nos tais 7 meses com venda das empresas públicas- as escolhidas. Porque aí há transacção com mais hipoteca e eles não vêm comprar a garantia das empresas até darem lucro noutras mãos. Vêm buscar os resultados do negócio.
Uma espécie de arresto.
Acho que é mesmo um arresto a Portugal...
ResponderEliminar":O?
E obrigam o Estado a ficar com o lixo do BPN para que terem garantias que o arresto pode ser transaccionado para a banca alemã.
ResponderEliminarTinha piada se todos os países com bancos com lixo tivessem arresto e fossem obrigados a comprá-lo.
Tinha piada porque até era um grande negócio. O lixo foi criado para ser despejado na concorrência. E quem o cria depois tem lucros em crash magníficos.
Foi shanatova da Goldman
A minha convicção é que eles (troika) estão convictos que Portugal em 2013 entrará irremediavelmente em default. Daí a taxa de juro acima dos 5.5.
ResponderEliminarO FMI é uma coisa de facto que se pode chamar quando se quer desde que se seja sócio. E Portugal é sócio desde 1961 se não me engano.
ResponderEliminarSim, mas das outras vezes não necessitava da UE e podia-se fazer descer a moeda. Agora não.
ResponderEliminarO caso da Grécia dá para se ter uma ideia.
ResponderEliminarEles precisam que estes países continuem no euro para poderem cobrar. Tiveram interesse em emprestar os 100 mm à Grécia com juros de 5%.
E com a previsãque que daí a um ano estava a caminhar sozinha.
Resultado: os gregos estão agora a pagar juros de 25& e a precisarem de nova injecção de 60mm
Por isso é que a Grécia ameaça sair e não lhes interessa.
Isto é monopólio- sempre que passas pelo bairro, tens de pagar. E o jogo continua até saltares fora e não poderes pagar. Mas não saem os que têm os bairros e ganham com quem por lá cai.
O FMI sozinho é uma coisa- isto em troika é outra muito diferente.
ResponderEliminarNão é nada a treta de um empréstimo com juros e prazo e acabou. É jogo com credores a ganharem com a dívida. Porque fazem parte do euro.
E esta treta é até a negação do próprio sentido do capitalismo e da finança.
ResponderEliminarE eu nem percebo como os neotontinhos que têm a mania que são a 5ª essência do capitalismo não vêem isto.
Porque isto é alquimia. E a finança não vive sem riqueza real. Não há criação de riqueza real a pagar-se juros à banca ou tudo em jogos virtuais de dinheiro.
Parece que trocaram o sentido às coisas e agora chamam economia ao que serve para comprar tempo e a financiar e chamam bens aos meios simbólicos de troca- ao papel.
ResponderEliminarO problema é que o capitalismo só é sistema se estiver em cerscimento- se puder expandir-se. E esse foi o tempo de desbravar o planeta.
ResponderEliminarOs recursos só são infinitos com invenções de novas necessidades. E essas, se não podem ser apenas consumo. Têm de ter uma mais valia a longo tempo.
Está mal escrito mas estou a fazer outras coisas mais DADA
ResponderEliminareheheh
Zazie,
ResponderEliminarSe bem me recordo os Templários tentaram fazer algo de semelhante com Filipe IV O Belo. A coisa saiu-lhes mal.
Recomendo vivamente a leitura de:
ResponderEliminarThis Time Is Different: Eight Centuries of Financial Folly
Carmen M. Reinhart, Kenneth Rogoff
Princeton University Press 2010
Já estive a folhear esse livro. Deprimiu-me instantâneamente.
ResponderEliminarÉ deprimente mas é bom.
ResponderEliminar«É deprimente mas é bom»
ResponderEliminarehehehe