Entrevista ao i de Carlos Moreno, Conselheiro jubilado do Tribunal de Contas. Deve ler-se e perguntar-se porque razão o MºPº e a PGR não instauraram um inquérito criminal para a averiguar indícios muito graves de corrupção, nos negócios da parcerias público-privadas. Além do mais por causa desta simples afirmação: "Em todas as PPP que auditei há uma manifesta incompetência do sector público, e eu falo só de incompetência e desleixo, na negociação de contratos que são muito pormenorizados."
Esta afirmação, produzida ao longo da entrevista é a verificação factual de um fenómeno muitas vezes denunciado e nunca assumido como constituindo um indício claro de corrupção, porque os negociadores por parte do Estado não devem nem podem ser ingénuos ao ponto de comprometerem seriamente a viabilidade económico-financeira de um país.
Os indícios de corrupção, neste caso, residem muito simplesmente em saber quem negociou e como negociou e que vantagens económicas e mesmo financeiras obteve pessoal e institucionalmente, no caso de ser pessoa inserida numa estrutura empresarial ou político-partidária. Cabe ao Ministério Público do DCIAP ou do DIAP averiguar esses indícios, partindo de verificações de factos como este que agora é apontado e tem-no sido já noutras ocasiões. O que Carlos Moreno diz nesta entrevista é suficiente para tal.
Haja quem tenha coragem de investigar o que tem de ser investigado e se alguma coisa ou alguém for detectado e apanhado nesta marosca que se afigura evidente, que seja punido com longos anos de prisão. Esta actuação inaudita de certos indivíduos não pode passar impune, porque tal constitui uma injustiça muito grave, para além do prejuízo colossal que representa para o país. Coisa mais grave e corrupção mais séria não conheço, no actual estado a que o Estado chegou e se os poderes públicos não tiverem essa consciência, a democracia em Portugal é um simulacro.
Mais passagens da entrevista:
O que eu sei é que dizem que há um buraco e dívida omitida. De onde? Das contas e dos orçamentos. Isso foi o que aconteceu nos últimos dez anos em todo o lado. Quando se criam hospitais empresas, umas Estradas de Portugal, Parceria Público-Privadas (PPP), empresas municipais e fundações nacionais ou autárquicas, está-se a criar entidades jurídicas distintas da administração pública central, local ou regional, para passar a todas essas entidades uma série de funções que pertenciam ao Estado. Para retirar receita e despesa do Orçamento do Estado, permitindo que estas entidades se endividam ao infinito. Mais tarde ou mais cedo, isto tem de ser pago pelo Orçamento do Estado. Veja, na sequência da troika ter vindo a Portugal, toda a dívida das Estradas de Portugal foi assumida como dívida orçamental. Grande parte dela estava escondida do orçamento. Relativamente às PPP foi assumida pelo Orçamento de Estado e nessa altura aparecem os buracos.
Não acha que muitos desses negócios ruinosos para o Estado são bastante mais graves do que uma simples desorçamentação?
Sabe tão bem como eu que na quase totalidade das PPP foram e continuam a ser excelentes negócios para os concessionários privados e péssimos negócios para os contribuintes.
Mas isso tem a ver com a natureza das PPP ou com incompetência dos representantes do Estado?
Em todas as PPP que auditei há uma manifesta incompetência do sector público, e eu falo só de incompetência e desleixo, na negociação de contratos que são muito pormenorizados.
Há só incompetência e desleixo ou também há manipulação de negócios a favor dos privados?
Falo desta coisa bem portuguesa de que é preciso é mostrar obra, independentemente dos custos que ela vá ter no futuro. As PPP foram apresentadas a custo zero para o contribuinte, como aconteceu à ponte Vasco da Gama e à Fertagus, em que os privados desenhavam, construiam, mantinham e eram pagos pela exploração durante mais de 30 anos. Os contratos são assinados, são mal negociados, há falhas graves. No caso da ponte Vasco da Gama foi sete vezes renegociado, e aquilo que era para ser a custo zero, acabou por ter uma derrapagem de 700 milhões de euros.
Volto a dizer, não acha que para além da competência , existe em alguns sectores governamentais uma certa cumplicidade com os privados. Ministros que passam do governo para as empresas que negociavam...
Não posso falar daquilo que não sei. Cumplicidade ou corrupção são fenómenos que não cabe ao TC investigar. O que lhe posso dizer sobre aquilo que encontrei é que os sucessivos contratos de PPP eram negociados por parte do Estado com incompetência, desleixo e sem cautelas mínimas para se fazerem bons contratos. Em quase todos eles o Estado assumiu riscos comerciais e de financiamento que cabiam aos privados. Por exemplo, nas autoestradas, se não passasse um determinado número de carros o privado seria indemnizado. O que foi um péssimo negócio porque essas previsões foram altamente inflacionadas. O assumir desses riscos próprios de um negócio privado tornou as PPP caríssimas para o contribuinte. Nalguns casos, os contratos têm contornos leoninos, o Estado assume riscos que deviam ser assumidos pelos privados, aceita taxas de rentabilidade para os capitais privados da ordem dos 14 % e não mete uma única norma que caso o negócio corra muito bem o Estado também vai colher uma parte dos benefícios. O Estado assume todos os riscos e abdica de grande parte dos proveitos.
(...)
Na sua carreira qual foi o pior exemplo de gasto de dinheiros públicos?
Eu tive na minha alçada as finanças públicas das empresas públicas, grandes obras públicas e parcerias pública-privadas. O pior exemplo que assisti foi em grandes obras públicas e na generalidade das PPP rodoviárias e ferroviárias. Li há pouco tempo esta notícia: Portugal é o país que mais quilómetros de autoestrada tem por habitante. Quando eu hoje, como cidadão, me desloco ao longo do país, constato aquilo que os meus auditores descobriram: maus negócios que custaram rios de dinheiro ao contribuinte. Constato isso como cidadão e desta forma: se for daqui ao Porto no mês de Agosto, por determinadas autoestradas, eu até tenho medo de lá circular, não porque o piso seja mau, mas porque me arrisco, mesmo no mês de Agosto, a fazer quilómetros sem ver um carro. E parar numa estação de serviço, estar lá 45 minutos, e ser o único cliente. É a verificação prática do desperdício enorme que foram as PPP.
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