Mais uma vez, um postal com comentários do comentador Zephyrus:
"Há muito que defendo horários produtivos no ensino português. Sem sucesso, obviamente. Mas sempre houve esta desorganização, este desperdício de tempo em quem elabora os horários? Não.
Cresci numa pequena (e antiquíssima, anterior ao Império Romano, um orgulho para os poucos que conhecem a sua História) vila portuguesa. Há doze anos ainda havia Ensino Básico Mediatizado. E a minha mãe decidiu que não iria para a C+S do concelho, fazer o quinte e o sexto ano. A «telescola» era leccionada na escola primária, o edifício ficava do outro lado da rua e havia, afinal, pessoas lá da terra nas Universidade de Coimbra, Lisboa e Porto que tinham passado pelos bancos da telescola.
E como funcionava a telescola? As aulas tinham início às 13h15 e terminavam às 18h30. Havia um ciclo de Humanidades, e outro de Ciências: cada um com uma professora distinta. No ciclo de Humanidades tínhamos Francês, Língua Portuguesa e História e Geografia de Portugal. No de Ciências, Matemática e Ciências da Natureza.
Os testes eram feitos pelo Ministério da Educação, e havia datas determinadas pelo Ministério para serem feitos. Portanto, os programas eram cumpridos. E os testes eram exigentes. Praticamente todos os períodos a escola recebia a visita de uma inspectora, que assistia a aulas, consultava o livro de ponto, e se algo estivesse mal, a professora levaria a devida reprimenda. E devo dizer que as docentes tinham um imenso respeito à inspectora, e um pavor enorme às suas visitas!
Os livros eram emitidos pelo Estado. Papel de má qualidade, imagens a preto e branco, muito baratos. Não havia bonequinhos, esquemas, tabelas. Algumas imagens, e texto. Mas os conteúdos, devo sublinhar, eram bons. E ainda hoje os guardo. Depois havia complementos, que os alunos mais abastados emprestavam nas aulas aos mais pobres. Levava o Larousse de Poche, o dicionário de verbos franceses, mais o dicionários de francês-português, português-francês e língua portuguesa. E ainda uma gramática francesa, antiga, que fora da minha mãe nos seus tempos de liceu. Ia tudo numa mochila com rodas, tal era o peso!
Entre os dois ciclos havia quinze ou vinte minutos de intervalo. Dava para lanchar e dar uns toques na bola.
A Educação Moral e Religiosa Católica era desprezada em prol das disciplinas centrais, com a complacência da inspectora. A minha mãe não se importava, pois frequentava a catequese, e segundo entendia, bastava. A Educação Física, Musical, Visual e Tecnológica também eram desprezadas. Frequentava aulas de natação e aulas de música fora da telescola, portanto, dizia a minha mãe, não havia problema algum.
Mas o ensino das disciplinas centrais era excelente. Aprendi mais francês em dois anos de telescola do que posteriormente do sétimo ao nono ano. Pelo contrário. O meu nível de francês, posteriormente, regrediu. Na C+S, por exemplo, nunca usei o Larousse de Poche nem a Gramática Francesa!
Em Língua Portuguesa era fornecida uma selecta, com uma colectânea de textos seleccionados. Sem imagens, bonecos e infatilidades. Só textos. Lemos Aquilino, Sophia, mitologia grega. E em História e Geografia decorámos datas, os nomes dos rios e afluentes, cordilheiras montanhosas da Península, espécies endémicas de Portugal. Fomos além do que era exigido pelo programa. E recordo, no teste do Ministério, saiu uma vez uma série de mapas com a distribuição exacta de várias árvores endémicas de Portugal. E quase toda a turma acertou. Pergunto se muita gente com o 12.º ano, actualmente, acertaria.
Não havia disciplina nenhuma de área projecto. Mas todos os meses eram entregues à professora as nossas recolhas de contos, provérbios, lendas, versos populares. E ainda houve tempo para fazer um caderno de História local. Até lemos o foral da terra e consultámos documentos antigos, alguns medievais!
Havia na turma classe média-alta, classe média, adolescentes que viviam em casas quase sem telhado, outros do bairro social. Havia muito ricos e muito pobres. Os extremos. Mas havia algo que hoje se perdeu... um espírito de convivência saudável, sem os exibicionismos das roupas de marca ou dos iphones, nem o ódio aos «ricos» dos mais desfavorecidos. Entre nós, naquela turma, quase não havia classes. E assim, a escola pública, dava uma formação humana e era uma bela lição de convivência.
Isto foi há cerca de 12 anos. O que mudou então? O que se perdeu? Onde e como começou a indisciplina? O «divórcio» de classes? A fuga do ensino público por parte de quem tem dinheiro para pagar o privado? A queda do público nos «rankings»?
Mas voltemos à telescola. O modelo tinha muitas virtudes. Era exigente. E proporcionava uma instrução com muita qualidade nas discplinas fundamentais. Não se perdia tempo com o que não interessava, ou com o menos importante. E deu uma formação a tanta gente desfavorecida que de outra forma nunca teria.
Quando se fala em Reforma disto e daquilo, olhe-se para o que foi a telescola, e depois que se faça a reflexão necessária. Era barato, eficaz e permitia aos jovens que estudassem nas suas vilas e cidades, perto da família.
Quando mudámos para o sétimo ano, para a C+S pública, foi o descalabro. A professora de francês deu pouco mais de 30 aulas, nesse ano. Faltava. Nada aprendemos. A de História nem leccionou metade do programa, ficou na Grécia Antiga. Faltava. O de Matemática era uma facilitista atroz, agora, sei, faz exames nacionais. A Português nada evoluímos. A de Geografia faltava que se fartava. E a indisciplina era tal que a turma da minha vila, a minha turma, foi dispensada das aulas no última semana, para prevenir mais violência. A minha mãe entretanto tratou da morada falsa. Não havia outra alternativa para escolher uma escola decente, já que na zona, num raio de 60 km, não havia a alternativa privada...
Acrescento que da minha turma de telescola, nunca ninguém reprovou até à conclusão do 12.º ano. Sem contar com uma ou outra alma, de famílias muito desfavorecidas, que desistiram antes do Secundário, mas aí a história era outra. Tive melhor instrução do que se tivesse frequentado qualquer C+S da zona. Disso não duvido!
Mas agora fala-se tanto em avaliação dos professores, preços dos livros, poupança na educação, facilitismo, por que raios ninguém fala da telescola? Por que motivo nunca ninguém se lembrou de estudar este modelo? Aliás, por que foi extinto?"
Estes são os bons testemunhos que mais ninguém publica.
ResponderEliminarFartei-me de rir com aquela do professor de matemática que facilitava tudo e agora faz testes nacionais.
Deve ser o professor que faz aqueles exames de matemática que o Nuno Crato tanto gostava... Hehe... -- JRF
ResponderEliminaro pai do José Nuno Martins, natural do Fratel, foi prof na telescola.
ResponderEliminarfoi uma óptima e barata forma de ensino.
a minha segunda mulher (fui viúvo) está a elaborar a tese de mestrado em e-learning na Universidade Aberta,
aperfeiçoamento do ensino à distância.
participam alunos do Brasil e Angola sem saírem de casa.
Sim, agora tem-se reduzido a questão da qualidade do ensino à questão dos meios e dos custos: parece que só com escolas modernas e bem equipadas, isto é com mais gasto de dinheiro, é possível um ensino de qualidade.
ResponderEliminarOra não é que isso não seja inteiramente verdade, mas existem, de facto, outros aspectos a considerar.
Como bem diz Zephirus, os livros escolares, antigamente, não tinham aquelas tretas de gráficos e bonecada a torto e a direito, mas os conteúdos eram bons e a mensagem era transmitida com clareza e objectividade, isto é, sem aquele lingajar redondo que ninguém sabe muito bem o que quer dizer, nem os professores e, muito menos, os coitados dos alunos.
Por outro lado, os programas eram muito mais exigentes. Por exemplo, no programa de matemática do 2º ano, em vigor em 1974, as crianças já aprendiam a divisão por dois algarismos e a tirar a respectiva prova real. Além disso, faziam imensos problemas em que lhes eram colocadas questões retiradas da vida real. Outro exemplo: nessa época, no 3º ano já se estudava História de Portugal.
Sabem que actualmente, no programa de Matemática para o 1º ano só se exige que os alunos aprendam a contar até 20???!!!
Como mãe, tenho pena que não se discutam estas e outras questões e tenho sobretudo pena que o novo Ministro da Educação, em quem depositei esperanças, não promova esta discussão.
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Aproveito, José, para lhe agradecer o trabalho que tem feito nestes Blog e desejo-lhe a si e aos restantes leitores um Santo Natal e um excelente 2012.
Cumprimentos,
Anabela Tavares