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quinta-feira, abril 05, 2012

O elegante despacho do DCIAP sobre o caso da licenciatura

O sítio da PGR publicou um fac-simile do despacho assinado por duas magistradas do MºPº relativamente ao pedido de reabertura de um inquérito aí arquivado em 2007 que versava sobre a eventual falsificação de um certificado de habilitações universitárias de um cidadão português, político muito conhecido e então no activo, nas funções de primeiro-ministro, com uma maioria absoluta no Parlamento do partido que chefiava.

O inquérito versava sobre a eventual falsificação desse documento e do uso do mesmo ao longo dos anos, em instituições oficiais, mormente a Assembleia da República e numa autarquia.
O facto de um primeiro-ministro ser acusado de tal malfeitoria, em si mesmo, assume já uma gravidade inusitada e inaudita.
O caso entrou no DCIAP quando nem o deveria na medida em que crimes de falsificação de documentos são da competência do DIAP. Adiante porque tal nunca foi explicado.
A investigação dessa eventual falsificação decorreu com as diligências habituais, excepto algumas que se afiguram essenciais, mormente a análise de documentos originais, então desaparecidos e que não foram encontrados em buscas realizadas para o efeito.

A verificação de uma falsificação documental só ocorre após se comprovar que o facto que consta do documento não corresponde à verdade material.
A investigação de uma falsificação de um diploma universitário pode assumir várias nuances: ser obra de simples forja, de fabricação material do conteúdo, com mais ou menos habilidade e verosimilhança ou então obra mais ousada, mais sofisticada e mais acabada tecnicamente.

No caso concreto ainda se apresentava maior complexidade à investigação porque a denúncia inicial, apresentada por um advogado, ( o MºPº apesar de o crime ser público, ter sido denunciado publicamente, nunca assumiu oficiosamente o dever de investigar) assentava em premissas mais complexas: a própria licenciatura era forjada e concedida por favor especial, por uma universidade cujo reitor colaborou activamente na obra de falsificação, através de actos materiais indiciados e suficientemente comprovados, em conluio directo com alguns professores, mormente o principal professor do tal aluno especial que nessa altura era governante e que veio a ser primeiro-ministro.

A sociedade portuguesa em geral não se comoveu especialmente com o caso. Os jornalistas ainda menos. Vários professores universitários de renome e prestígio desvalorizaram o assunto e nos media o caso era apresentado geralmente como uma "campanha negra", politicamente dirigida ao derrube do primeiro-ministro na Páscoa de 2007. Cinco anos, já. O efeito político revelava-se impensável, os personagens envolvidos julgavam-se então politicamente inamovíveis e tudo foi resumido a uma campanha política rasteira, com origem em blogs obscuros, e apodados pelo visado como sendo animados por "répteis".

Neste contexto, o DCIAP de Cândida de Almeida procedeu ao inquérito. Com documentos apócrifos ( agora revelados como tal) e testemunhos falsos ( agora denunciados como tal pelo mesmo DCIAP) construiu um processo e concluiu que a tal licenciatura tinha sido regularmente obtida e sem mácula de maior, para além da confusão gerada numa universidade em guerra aberta pela sucessão de comando. Falsificação? Nem pensar. Fraude na obtenção da licenciatura? Não mais que outras de outros alunos. Processo arquivado em modo elegante e leve. Nihil obstat aposto oficialmente. Primeiro-ministro salvo do opróbrio geral e oficializado.

Passados cinco anos um vice-reitor dessa universidade vem publicar um livro onde denuncia o que realmente sucedeu no caso concreto: a falsificação existiu; a licenciatura foi obtida em modo fraudulento; o diploma foi obtido por favor. Vários depoimentos de professores da mesma universidade, prestados em audiência de julgamento vêm ajuntar a esse livro mais factos que redundam no mesmo: a licenciatura foi de favor e algumas cadeiras não foram realizadas. O diploma não deveria ter sido passado. Logo, é falso o seu conteúdo e nessa falsificação colaboraram várias pessoas do topo da própria universidade. Estes factos, novos, são indesmentíveis, aconteceram em audiências públicas num julgamento que decorre.
São essas pessoas, professores nessa universidade, e é o vice-reitor dessa universidade quem o afirma por escrito e em livro onde mostra o fac-simile dos documentos originais, verdadeiros e que tal atestam.

O advogado desse vice-reitor apresentou então um requerimento ao dito processo em que pede seja reaberto o mesmo e com base nesses factos novos, seja novamente investigada a falsificação continuada no uso do documento falso.

O despacho do DCIAP que indefere tal requerimento resolve o assunto em duas elegantes penadas:

Os documentos originais são idênticos aos apócrifos ( o que não será verdade a acreditar no Público de hoje, uma vez que pelo menos um deles, o mais importante revela uma discrepância essencial), as testemunhas agora apresentadas já foram ouvidas ( algumas delas têm coisas novas a dizer e por isso tal argumento não pode pura e simplesmente ser utilizado para desvalorizar esses novos depoimentos) e uns cd´s com gravações de conversas existentes no tal processo cujo julgamento decorre e que foram reproduzidas por um jornal não servem porque até podem ser objecto de crime de violação de telecomunicações ( o crime já terá sido cometido antes, depende de queixa e o prazo para tal, seis meses, eventualmente já decorreu).

Este despacho do DCIAP é "definitivo" e só admite reclamação para o PGR.

Cada um que julgue por si estes factos e tire as devidas ilações.

Por mim, há muito que as tirei ao pedir aqui a demissão da directora do DCIAP e a do próprio PGR. Em vão. O PGR perfaz hoje 70 anos e devia sair do lugar. Não sai. Então que fique.

Sobre o silêncio dos media relativamente a este assunto julgo que a explicação mais razoável reside num comentário a um destes postais:

De facto, muitos e de vários quadrantes devem ser os políticos que tiraram as suas licenciaturas, mestrados e afins, em condições semelhantes. Só assim percebo porque é que a oposição não aproveitou e explorou mais esta situação. Os telhados de vidro, neste âmbito, devem ser politicamente transversais e, por isso, muito poucos são os que atiram pedras.

Ou seja, a pouca vergonha nacional é generalizada e é por isso que se toleram socialmente decisões destas.

14 comentários:

  1. Está bem blindada , a nossa "democracia" .
    Melhor que isto só em Pyongyang...

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  2. chamam estado de direito a isto?
    parece a gruta do Homem de Cro Magnon

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  3. Isto é que é "despachar". No Burkina Faso também se "despacha" muito, e depressa.

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  4. A ordem da "liberdade" para o DCIAP e já!Queriam que fosse só kadaphi a ter uma guarda pessoal feminina?Grande Sócrates!O nosso grande africanizador!

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  5. José...enquanto lia o Post pensava para com os meus botões....
    Caramba...mas se o Socrates obteve o Diploma assim, não seria de esperar que muitos dos "repteis" que assenta a bunda no Parlamento o tenham obtido pelos mesmos meios ?
    Quando...no final do Post, deparo com a mesma conclusão.

    Pergunto então!
    Qual é o espanto? Desde quando um ladrão é credivel no fornecimento de dados que possam levar á sua própria prisão!
    Este pobre pais está infestado de repteis destes, onde a incompetencia está nos lugares chave, exactamente para bloquear a competencia de os remover de lá.

    Percebe porque razão o PGR não sai? Porque razão os Noronhas e as Candidas agem como agem?
    Como endireitamos este Estado de Sitio?
    È que se estamos á espera de medidas que dependem dos mesmos....estamos conversados.

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  6. Porque pretender "colocar em causa a licenciatura de um cidadão obtida numa universidade privada, mas reconhecida pelo Estado” obrigaria a "questionar todas as licenciaturas atribuídas a todo e qualquer aluno que frequentou aquela instituição de ensino superior”, daí decorre que o “processo-crime direccionado para apenas um cidadão não é nem poderia ser a solução”. AHAHAHAHAHAH!!!!

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  7. É o argumento tendente a provar demais. Um sofisma, obviamente.

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  8. O que estava em causa no processo era saber se no caso houve uma falsificação com uso de documento falso.

    Indirectamente tal implica a análise do modo de obtenção dessa licenciatura. E mais nenhuma outra.

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  9. Parece-me que estas desculpas esfarrapadas tocam um pouco no processo da UI que está em julgamento, onde factos e documentos foram alvo de interesse ou discussão.

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  10. Por estas e por outras é que o MP não pode nunca ssr a «última instância» noi inquérito. Tem que haver sempre alguém a «dizer» e outro a fiscalizar o que é dito...

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  11. E se for o presidente do STJ?

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  12. É exactamente ele quem tal pretende e já o disse...

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  13. Já agora,a propósito das ligações angolanas, um post de Rafael Marques que talvez tenha interesse em ler:
    http://makaangola.org/2012/04/a-universidade-independente-e-a-licenciatura-em-corrupcao/?utm_source=feedburner&utm_medium=email&utm_campaign=Feed%3A+makaangola+(Maka+Angola)

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  14. E a propósito deste assunto dos factos novos, tanto quanto sei,algumas pessoas assistiram a determinados factos concretos (além dos documentais) e iriam falar deles.O que tem acontecido exaustivamente no processo"Universidade Independente".

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