Esta imagem acima mostrada é do jornal Diário Popular de 15.8.1971 ( "visado pela comissão de censura").
Retrata uma miséria social extrema que nessa altura não era tão rara quanto isso, embora o facto de ser notícia denota a sua singularidade e o quadro é de um "neo-realismo" terrível.
Numa barraca improvisada com "dois cobertores e uma velha lona", em Lisboa, uma mãe ainda jovem, com 23 anos, mas doente ( icterícia) e três filhos menores, um de seis anos, outro de quatro e um outro, ao colo que "não aparenta a idade que tem: dezoito meses". Mais a notícia de um outro filho de nove meses, o Zé, "morto há dias".
O retrato é de uma carência absoluta: de saúde, de recursos económicos e "sociais". A notícia aparece porque uma vizinha no bairro, condoeu-se da sorte das três crianças e "telefonou-nos", ou seja ao jornal que dá a notícia, para " que lançássemos um apelo no sentido de minorar a infelicidade dos três garotos, antes que lhes suceda o mesmo que ao irmãozinho mais novo."
A esperança do jornal era que "algum instituto nos oiça e recolha as três crianças".
Na notícia diz que o jornal falou com a mãe, perguntando-lhe se se importava que alguém tomasse conta dos filhos. "Justina Lopes pôs-se a chorar e não nos respondeu. E porque insistimos, torneando a pergunta, disse-nos por fim: ´se for para bem deles`..."
O redactor ainda escrevia: " Os três garotos assistiam à conversa, imóveis e silenciosos. Atrás de nós, na sombra acolhedora do pinhal, casais de burgueses anafados, descansavam pachorrentamente, fazendo a digestão."
A história de Justina era ainda dramática: tinha vindo da Mealhada há meses, com um pai doente e um irmão paralítico, todos pobres. O jornal concluía que era "um caso de assistência social."
"Haja alguém que ajude", concluia a notícia, depois de citar a pessoa que telefonou, preocupada com as crianças: "os adultos que se governem...mas é pelas crianças".
O jornalista dá então a sua opinião pessoal, de pensamento diferente desse: "Há adultos que não sabem governar-se..."
Passados 40 anos, o Público de quarta-feira deu conta de uma outra notícia: a de uma condenação do Estado português por causa de uma decisão de tribunais portugueses sobre uma adopção de uma criança contra a vontade dos país, toxicodependentes. A decisão do TEDH critica a atitude dos tribunais portugueses em proibir os pais da criança de ver o filho durante mais de dois anos, os suficientes para se discutir a adopção, decretada por "inexistência de laços familiares entre a criança e os pais".
A advogada desses pais refere ainda na notícia que "os tribunais confiam quase cegamente em instituições como a Segurança Social" e que a decisão dos tribunais foi sempre condicionada por um parecer de uma técnica desse serviço que entendeu que a criança deveria ser encaminhada para a adopção.
Que dizer destas duas notícias? Na primeira, a sociedade portuguesa da época, aparece de corpo inteiro, para quem souber ler. A Segurança Social, incipiente então, não resolvia estes casos por incumbência específica. Tal era deixado "à sociedade civil", às organizações de caridade, aos vizinhos, aos que se "condoíam". Ou seja, a uma solidariedade mais efectiva, real e humana.
Na segunda aparece um sector, o dos serviços, que tomaram conta das pessoas em aspectos tão essenciais como o poder paternal.
No primeiro caso, a miséria social é de tal modo absoluta que comoveu alguém da vizinhança daqueles protagonistas que tomou a iniciativa de telefonar a um jornal para que o órgão de comunicação social desempenhasse um papel que em princípio não lhe competiria. Dantes era assim. Havia até um jornal que tinha uma secção intitulada "todo o homem é meu irmão".
Agora, não. Os jornais, hoje em dia, não se sentem vocacionados para ajudar na miséria social. Deixam tal papel para as "instituições" e relatam casos em que as mesmas intervém.
A Segurança Social em Portugal evoluiu para uma protecção social mais alargada de modo que casos como aquele de 1971 não seriam fáceis de encontrar, sem que alguém não tivesse ainda alertado essa mesma Segurança Social.
A evolução é evidentemente positiva: dar algum conforto económico a quem nada tem e apenas herdou miséria, é um dever social e cristão.
Mas...reportando-nos a 1971, o que faria nesse caso a Segurança Social de hoje? É fácil de responder:
Em primeiro lugar teria retirado os filhos àquela mãe. "Sinaliza-los-ia" em primeiro lugar a uma Comissão de Crianças e Jovens" que abriria um processo em que participariam "técnicas de serviço social", que elaborariam relatórios que enviariam ao tribunal de menores e família a fim de o juiz ratificar a decisão de retirada das crianças à mãe.
Depois, seguir-se-ia o calvário habitual para mães destas: sem recursos, meios ou capacidade para os obter, restar-lhe-ia gritar.
Gritar, como na pintura de Münch...
Sinceramente, entre 1971 e 2012, algo aconteceu na sociedade portuguesa que paradoxalmente nos tornou piores do que éramos. E não falo do progresso económico, mesmo esse uma quimera para muitos.
Mon cher Joseph,
ResponderEliminarPour en savoir plus:
http://www.newropeans-magazine.org/content/view/13077/1/lang,fr
há dias vi um cartoon de alguém a afogar-se
ResponderEliminaras pessoas que assistem tiram fotos com o telemóvel mas não socorrem quem precisa de ajuda
a sociedade tornou-se mais egoísta, insensível a dramas. estes são para abrir morbidamente os telejornais.
a inveja e o ódio generalizaram-se
A Sciences Po, com outro director mais Aroniano vai rever a política de contratações de pequenos vagabundos tipo Inenarrável.
ResponderEliminarAinda bem.
O dito vai passar um mau bocado porque se calhar perdeu o protector. Por vários motivos, um dos quais é muito relevante. Nem preciso de apontar qual...
Caro José,
ResponderEliminarA sua análise sobre algumas diferenças entre a protecção de crianças em 1971 e os dias de hoje revela que antes o Estado - A Comunidade Organizada - deixava esse assunto para a dita Sociedade Civil (não sei bem o que isso é?).
Sabe muito bem que as crianças não são propriedade dos pais. Estamos de acordo, porque a experiência mostra e a ciências confirmam que a educação e o provimento de meios de crescimento (AMOR; DEDICAÇÂO) e desenvolvimento deve ser suprido pelos pais.Quando não o podem fazer sózinhos em boas condições, a Comunidade deve ajudar. O Estado, tem à disposição dos pais alguns meios disponíveis para isso. Cada um fará as suas opções correctas em função das circunstâncias.
Quando refere que as "técnicas de serviço scoial" se o caso da família noticiado em 1971 fosse hoje, "Sinalizá-los-ia", apenas significa que a família não estava entregue à sua sorte. Isso é um chavão, como os há em Direito ou noutro meio frequentado por "peritos".
Não é linear que hoje se retirasse as crianças à mãe. Deixar essa ideia vincada no seu texto não me parece bem.
Nos tempos passados posso lembrar-lhe a "história" das crianças que saíam dos Açores para serem "adoptados" por estrangeiros com papelada reduzida ao minimo para poderem fazer a viagem e logo de seguida apagar a origem. Podíamos falar na história da "mae preta" (não era preta) do Porto que, segundo dizem, recolhia os filhos das prostitutas e os entregava a estrangeiros e emigrantes endinheirados, livres de papéis.
Muita gente sabia e ninguém agiu.
Só por isto já melhoramos. Não consta que nenhum Tribunal Europeu tivesse agido.
Caro José, podemos falar das muitas famílias que são ajudadas a criar os seus filhos pelas tais "técnicas de serviço social" e pelas organizações de apoio social evitando-se cometer erros que a Etologia Humana e a Psicologia já identificaram.
Claro que na nossa Comunidade (Estado) há circunstâncias destas que foram mal conduzidas e outras o serão no futuro. Nada está garantido, mas atirar as responsabilidades, embora de forma subtil para as "técnicas de serviço social" não parece bem. Os Juízes erram, os Advogads também e os médicos idem.
Os erros destes seram tanto ao mais graves do que o mau relatório social que propõem a retirada aos pais de uma criança aos Juízes.
Peço desculpa se me alonguei.
P.S. Não sou "técnico de serviço social".
Leio os seus textos sempre com atenção.
Cumprimentos
Manuel Vessadas:
ResponderEliminarO texto que escrevi podia ser longo de muitas páginas.
Podia porque o assunto tem muito pano para muitas mangas.
Essencialmente julgo que passei a ideia que alguns entenderão: dantes era mau, socialmente. Hoje é mau, socialmente, mas as condições económicas que dantes eram o cerne do problema, deixaram de algum modo de o ser. E ainda bem ( escrevi que a evolução foi evidentemente positiva).
O que mudou, entretanto? É essa a questão que coloco e não dei resposta cabal porque não sei com profundidado suficiente para o dizer mas digo a minha opinião feita de experiência ( trabalhei " na área" durante mais de uma dúzia de anos e conheço bem a mentalidade das "técnicas de segurança social", dos tribunais que lêem os seus relatórios, do modo como avaliam os casos concretos e principalmente da evolução cultural e social que entretanto se operou.
A opinião da advogada que falou ao Público é em parte a minha. E já o expressei publicamente em alegações.
Os tribunais demitem-se frequentemente de analisar os casos concretos por si mesmos, ou seja, os juízes singulares tomam como assente o que vem nos relatórios, porque são eles ( elas, porque a maioria dos juízes já é de mulheres) quem os pede, eventualmente para se tranqulizarem em decisões muito, muito difíceis.
E então acontece isto: os juízes pedem relatórios para se escorarem nas decisões. As técnicas de serviço social, como sabem que não são elas a decidir elaboram esses relatórios com base no ar do dia, ou seja dos costumes em voga e das notícias de telejornal e das idiossincrasias que foram permeando as leis e a opinião publicada, através de conferências e mais conferências e ainda mais conferências sobre o assunto, em que a gente do ISCTE teve papel muito relevante.
A adopção acabou assim por ser durante alguns anos uma solução mágica que não é, evidentemente. Foi preciso alguns anos para que quem manda ( por exemplo a secretária de Estado Idalina Muniz, perceber que a adopção seria uma solução perversa em muitos casos.
E agora apostam noutra solução.
Ainda assim e em resumo: a situação social em Portugal, comparativamente ao que havia em 1971 está muito diferente, para melhor, em termos económicos estritos.
Mas não noutros aspectos. E foi esses que referi.
José,
ResponderEliminarAgradeço a atenção e o esclarecimento acerca da sua posição/ideia.
Estou de acordo consigo quanto ao que transmite da "posição" da "maioria"(?)das "técnicas de serviço social" e dos Juízes.
Sim, muito mudou, para melhor em termos económicos.Os outros aspectos, temos de cuidar deles todos os dias mediante as nossas forças. Esses aspectos que refere serão porventura os mais dificeis de mudar porque envolvem Ciência, Cultura e um sentimento forte de um NÓS - COMUNIDADE.
Cumprimentos.
Que ideia... andam a tirar filhos aos pais e a dá-los para a adopção a gays, essa é que é a verdade.
ResponderEliminarO lobby gay consegue chegar-se à frente e há até forum na net onde se denunciam casos de entrega a gays conhecidos da noite.