Páginas

sábado, março 02, 2013

Continua o jornalismo para quem é, bacalhau basta

 António José Morais, acusado pelo MºPº de corrupção e branqueamento de capitais, foi absolvido em primeira instância, dos crimes por que vinha acusado, apesar de o MºPº ter pedido a condenação, certamente por entender que se fez prova suficiente para tal. E portanto, irá recorrer da decisão...
Enquanto tal não sucede, o Jornal de Notícias de hoje, Sábado dá-lhe toda a largura de página, realçando a demora na decisão, mais de dez anos depois.
Seria bom que o jornal explicasse a que se ficou a dever a maior parte desse tempo, mas já que não o faz na primeira página diga-se desde já: foi devido ao comportamento da defesa, essencialmente e a partir do início do processo.
Em tempos, ( já há quase cinco anos, o tempo passa depressa...) escrevi aqui um comentário, citando um comentador, sobre a justiça penal. Repesco-o para que se entenda melhor porque é que certos processos demoram mais que outros...

O assunto que agora foi encerrado em primeira instância começou o seu percurso mediático, assim, segundo este relato de Abril de 2007:
 Segundo o Público de hoje, António José Morais e um seu monitor, serão arguidos num processo crime, aberto em 1999, por factos ocorridos em 1996, no âmbito de concurso de adjudicação de um aterro sanitário na Cova da Beira, ocorrido em Junho de 1996, a uma empresa ( HLC) da qual António José Morais, fora consultor, enquanto exercia o cargo público de director do GEPI ( gabinete de estudos e planeamento de instalações do Ministério da Administração Interna, do qual era então ministro, Alberto Costa).
Segundo o Público de hoje, “em causa estava também o papel atribuído a José Sócrates e a alguns socialistas a ele ligados, como João Cristóvão”. Os factos respectivos a este inquérito demoraram oito anos a serem investigados ( pela PJ) e o mesmo terá sido remetido ao DIAP ( ou será o DCIAP?) com proposta de acusação, por crimes de “favorecimento e corrupção”.
Sobre isto, a entrevista do doutor Morais ao DN, é parca de esclarecimentos. “Parece que houve uma denúncia anónima contra mim, a que se seguiu a abertura de um inquérito judiciário. Foi há oito anos. Fui ouvido uma vez. Não sei exactamente do que se trata porque as perguntas foram vagas.”
E explica então como foi: “A minha empresa foi contratada pela Associação de Municípios da Cova da Beira para a elaboração do caderno de encargos, especificações e desenvolvimento de todo o modelo conceptual à volta do concurso público internacional para a central de combustagem da Cova da Beira, e do tratamento da selagem de lixeiras. Realizamos o trabalho, e seguiu-se o concurso.”O concurso foi ganho por um consórcio de que fazia parte a empresa HLC , para a qual, segundo o Público, também trabalhou Couto dos Santos que agora, curiosamente, aparece a defender o primeiro ministro, contra o líder do seu partido…
A intervenção de António José Morais, na consultadoria é apresentada de modo muito curioso pelo próprio: “ A minha empresa nunca produziu para a HLC os trabalhos referidos pela comunicação social. A minha empresa foi contratada para realizar estudos semelhantes aos que havia realizado para a Associação de Municípios da Cova da Beira para outras centrais de combustão, mas contratada por uma empresa estrangeira. Acho que as notícias vindas a público pretendem apenas pressionar os magistrados para deduzirem uma acusação. Porém, eu acredito na independência da justiça.”

Depois disso, o caso foi melhor explicado pelo Público, na altura em que começou o julgamento:

O caso remonta a 1996, quando a Associação de Municípios da Cova da Beira escolheu a empresa Ana Simões & Morais para a assessorar no concurso público. Ambos são arguidos no caso por suspeitas de terem recebido dinheiro de Horácio Luís de Carvalho, dono da empresa HLC, que veio a ganhar o concurso, no valor de 12,5 milhões de euros, para a construção do aterro em 1997, depois de ter sido excluída no início do concurso e, posteriormente, readmitida.
As suspeitas de corrupção apoiam-se nos dados fornecidos por um banco offshore que funciona numa ilha do Canal da Mancha, autónoma do Reino Unido, mas considerada uma dependência da Coroa britânica. Aqueles dados dão conta de 58 mil euros transferidos para uma conta aberta pela empresa Ana Simões & Morais no banco offshore onde Horácio Luís de Carvalho também tinha conta.

Sobre as demoras e delongas do processo também convém atender a certos pormenores que o JN prefere ignorar...mas já foi dada conta aqui, em Junho de 2007

 Sobre o caso António Morais, de corrupção passiva e branqueamento de capitais, envolvendo pessoas conhecidas dos meios políticos, e numa dimensão que deixa a anos-luz, toda a corrupção desportiva dos Apitos Dourados, os jornais de hoje dão-lhe uma exposição de geometria variável. O SOL não tem luz para o assunto. O Expresso, tem uma luz interior. O Público, uma luz fluorescente e o Correio da Manhã a luz do dia, na primeira página.
Um excerto:

O CM sabe que nesta investigação falhou por completo a cooperação judiciária internacional o que tornou impossível investigar a responsabilidade de outras pessoas no caso. As autoridades inglesas não responderam sequer às cartas enviadas pelo Ministério Público a pedir informação sobre contas abertas em bancos ingleses e, em particular, de transferências de grandes somas de dinheiro feitas para contas tituladas por pessoas envolvidas nos factos.O inquérito foi aberto em 1999 na sequência de uma denúncia anónima e a investigação esteve a cargo do Departamento Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira /DCICCEF) de onde saiu em 2005 com proposta de acusação. O rasto do dinheiro transferido para empresas ‘off-shore’ em Inglaterra perdeu-se, apesar do Ministério Público ter pedido diligências adicionais, que não chegaram a qualquer resultado por falta de cooperação internacional. O procurador, João Guerra, responsável pela 9.ª secção do Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) e que ficou célebre no processo Casa Pia, tutelou grande parte das investigações.Face à necessidade de evitar a prescrição do processo e confrontado com a impossibilidade de recolher mais indícios que pudessem envolver responsáveis governamentais, o Ministério Público optou por acusar com base nas provas que tinha conseguido reunir até então.Nos últimos meses o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP), liderado por Maria José Morgado e, em particular, a 9.ª secção, agora dirigida pela magistrada Teresa Almeida e que tem a competência de investigar os crimes de corrupção, acelerou o processo, finalizando a acusação que agora é conhecida contra António Morais, a sua ex-mulher e o empresário da HCL, empresa que foi favorecida no concurso de 1998.
 
Assim, neste enquadramento e sobre a questão de fundo relativa aos processos demorarem muito, em tempos transcrevi um comentário fabuloso, produzido por um juiz de direito, na revista  digital InVerbis:

Alberto Ruço
1. Parece-me que estamos perante uma boa entrevista, pela informação que transmite.
Pena é que não seja lida e que a grande maioria dos portugueses não perceba o que está em jogo.

2. A justiça não está, efectivamente, preparada para julgar quem tem poder.
Não está porque, tradicionalmente, quem tem poder não é julgado.
Julgado por fazer o quê?
A justiça está preparada para julgar, por exemplo, homicídios ( em regra, são processos simples quando comparados com a sua gravidade), ofensas corporais, roubos, furtos, violações, injúrias, alguma corrupção.
Processos de fácil investigação e cujos julgamentos começam e acabam em um dia, dois ou três.
Para além deste tipo de criminalidade, a justiça já começa a ter dificuldades, provavelmente porque não tem meios, nem legais, nem humanos.

Os poderosos não cometem, pessoalmente, homicídios, ofensas corporais, roubos, furtos... .
Se querem cometer crimes deste tipo, mandam outros sujar as mãos e estes, provavelmente, nem sabem quem são os principais mandantes.

Os poderosos cometem outro tipo de crimes, ligados à economia e à finança; ao grande tráfico de influências, à grande corrupção, ao grande abuso de poder, ao grande roubo ou furto, etc..

3. Quem é que colabora com as autoridades policiais ou com o Ministério Público quando se trata de investigar este tipo de crimes, alguns quase invisíveis?
Quem é que abre a boca?
Quem se arrisca a perder empregos, a estragar a vida, a nunca progredir na carreira, a ver a vida andar para trás?
Para já não falar em perder a vida ou o sossego dele e dos seus.
Por aqui não vamos lá.

Mas se se consegue alguma investigação, fruto de escutas telefónicas, alguma documentação apreendida, do o próprio trabalho dos investigadores que podem eventualmente ser testemunhas dos próprios crimes quando estes ocorrem no decurso da investigação, há ainda que contar com a dificuldade em julgar estas pessoas.

4. Nos julgamentos penais vê-se, com assiduidade, que quem confessa são os desgraçados, ainda que possam ser extremamente violentos; são tidos publicamente como maus e não têm problemas em assumir também, publicamente, que são maus, confessando.
Como é óbvio, quem tem poder tem boa imagem social e elevada auto-estima.
Se por hipótese cometeu um crime, dificilmente confessa o que quer que seja e faz tudo para que a investigação não dê frutos e se for acusado defende-se com unhas e dentes.
É perfeitamente compreensível.
Se puder contar com ajuda da comunicação social tem a vida mais facilitada.
É expectável que uma pessoa destas não coloque obstáculos à investigação e assuma publicamente que é uma mau cidadão, que praticou acções criminosas?

5. O nosso código de processo penal permite que um advogado, na função de defensor do arguido, requeira quase tudo, desde que tenha a mínima ligação com o objecto do processo e possa recorrer de tudo o que indefira os seus requerimentos, quer para o tribunal da Relação, para o Supremo Tribunal e para o Tribunal Constitucional.
Sem que haja qualquer sanção económica, disciplinar ou outra adequada, a aplicar após a conclusão do processo, consoante fosse de justiça, quer para o arguido ou para o advogado, consoante os casos.
Ou seja, pode-se fazer quase tudo, sendo o limite a consciência de cada um.
Ora, isto, tanto pode funcionar bem, como mal, em termos sociais.

6. Depois, temos ainda o problema da formação da convicção do juiz e da sua explanação ( com ou sem júri, é igual).
O que é necessário fazer para provar ou dar como não provado «x» ou «y»; para que um tribunal forme a sua convicção num ou noutro sentido?
Aqui passamo-nos, literalmente, para a face oculta da Lua.
E como não há um método e um conhecimento ou ideia comum do que seja isto da « livre convicção do juiz», então, é simples, vale tudo, mesmo tudo.
Isto é, como não sabemos do que estamos a falar, tudo é prova; qualquer palavra, discrepância, contradição é explorada até à exaustão; pode-se requerer qualquer coisa, sob pena de choverem protestos, quer na sala de audiências, quer à saída do tribunal, quer na imprensa, acusando o juiz de ser parcial, de estar contra o arguido, de já ter tomado a decisão e por aí fora.
Choverem mais requerimentos e recursos.
Podem moer-se, sem dó, pudor ou piedade, as testemunhas, as vítimas, os peritos, toda a gente, pois tudo tem de ser permitido, desde que o arguido entenda que tem interesse.
E se alguém quiser descarregar o stress, já sabe que há um destinatário: o juiz, os tribunais, a Justiça, previamente culpados de tudo o que possa correr mal.

7. A forma como a lei de processo permite que o sistema de justiça funcione pode transformar qualquer processo numa casa de horrores para alguns dos intervenientes.
Isto não tem que ser assim; não pode ser assim; há que trabalhar no sentido de dignificar a justiça, porque uma sociedade sem justiça suga a dignidade às pessoas e é muito mau viver numa sociedade de pessoas que não se sentem com dignidade, porque aquelas que sentem que a perderam, também não querem que os outros a tenham, nem lha reconhece! :

3 comentários:

  1. as leis penais desta republiqueta parecem, ter origem num tipo de personagem conhecida dos Romanos por
    'imbecilis stultus'
    e congeminadas no templo da deusa 'Caca'

    transformaram isto numa tenda de horrores

    ResponderEliminar
  2. Comentário fabuloso, esse que foi transcrito.
    E agora pergunto eu: vale a pena ser cidadão deste país?
    Pagamos com os nossos impostos uma justiça caríssima para ela nos tramar?
    Eu quero voltar p'ra ilha!

    ResponderEliminar
  3. Já ontem o Carlos Enes falou nisso no mural dele do Face, José!!!

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.