O programa do MFA não aludia a nada que se assemelhasse a qualquer caça a bruxas fassistas ou quejandas, mesmo da PIDE/DGS, desmantelada na hora. Nada. Não obstante as prisões dos "facínoras" do fassismo, pides que foram para a grelha em dois tempos e sem qualquer imputação de culpas concretas a não ser essa, sucederam-se logo no dia 25 de Abril. Às dezenas, na "grelha" e sem culpas concretas de imputação de qualquer crime a não ser o de pertenceram à famigerada polícia política.
Porém, nas semanas seguintes, com o aparecimento do PCP e outras forças "democráticas", "sempre, sempre ao lado do MFA", tornou-se objectivo do primeiro governo provisório reorganizar o Estado. Só em 7 de Junho de 1974 foi criada uma "comissão" que só foi extinta em...1991:
O Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP, criado a 7 de Junho de 1974, na dependência directa da Junta de Salvação Nacional, era uma entidade essencialmente de justiça, encarregado de instruir os processos crime pelos quais os responsáveis, funcionários e colaboradores das extintas PIDE/DGS e LP eram apresentados a Tribunal Militar para julgamento.
A incriminação dos agentes e informadores da PIDE/DGS e LP, o levantamento das redes de informadores, as ligações e o envolvimento daquelas organizações com acontecimentos de interesse ou repercussão nacional, a colaboração nos processos de reclassificação, saneamento e reintegração eram atribuições e competências deste serviço. Para efeitos de contagem de .tempo de serviço ou de reabilitação, este serviço devia facultar as declarações e os certificados que lhe fossem solicitados, quer por parte dos antigos funcionários e agentes da ex-PIDE/DGS e LP, quer pelos indivíduos perseguidos pela PIDE/DGS.
O Serviço de Coordenação da Extinção da PIDE/DGS e LP, era composto pela Presidência, por um Gabinete de Instrução de, Processos e por um consultor jurídico. Da Presidência dependiam a Repartição de Apoio e Serviços, a Repartição Judicial, a Repartição de Análise e Investigação Documental, a Delegação de Coimbra e a Delegação do Porto.
Esta imagem do Século Ilustrado de 1974 mostra o aparato bélico na prisao de um PIDE/DGS no dia 25 de Abril de 1974. O desgraçado tem mesmo cara de réu... e por isso precisou de meia dúzia de G-3 apontadas e empunhadas por tantos magalas, mais alguns vigilantes em riste, não fosse o perigoso fascista da PIDE fugir dali.
Não obstante, em 19 de Maio de 1974 o Expresso mostrava com erros ortográficos que o país carecia da "irradicação definitiva do fascismo", uma nova expressão nascida por aqueles dias, talvez na primeira semana daquele mês e que pegou de estaca junto de todas as personalidades públicas que prestaram juramento no primeiro governo provisório presidido por um mação de gema, Palma Carlos.
Em 13 de Julho de 1974, o Século Ilustrado mostrava pela primeira vez imagens dos perigosos fascistas encarcerados por malfeitorias ao povo português. Tenreiro era um deles. Moreira Baptista e Silva Cunha outros.
Em 28 de Setembro de 1974, nova leva democrática de fascistas. Desta vez, "numerosos" que foi para aprenderem com a democracia.Moreira Baptista que tinha sido preso da primeira vez e fora solto entretanto, voltou para a grelha. E Silva Cunha também.
Evidentemente que se criou logo um problema não previsto pelo antifassismo militante: os "numerosos fascistas" que crime tinham cometido? O Diário de Lisboa tinha um código penal particular, usado pelo director Ruella Ramos e que definia o crime como "envolvimento na tenebrosa conspiração que pretendia roubar a liberdade ao povo português". Tal e qual e chegava-lhe muito bem porque não precisava de outro.
Ora o jornal Expresso, em 19 de Maio de 1974 tinha apresentado um esquisso sobre a nova legalidade vigente, relativamente aos elementos da PIDE/DGS: tortura, "todo o castigo cruel, desumano ou degradante dos presos". Portanto à PIDE/DGS imputar-se-ia tal crime se fosse possível enquadrá-lo em provas e haveria certamente algumas relativamente a alguns agentes e inspectores, como Sachetti ou outros próceres da política política do antigo regime. Mas...e os outros que não tinham torturado ou mandado torturar e que foram simplesmente chefes, presidentes, responsáveis politicos? Seria possível, legalmente, incriminá-los nos mesmos termos?
E ainda subsistia outro problema de base, teórico é certo, mas pedra de sapato insuportável numa democracia: nullum crimen sine lege. Não poderia haver incriminações de ninguém sem que houvesse previamente lei a suportá-la. E não havia. O que havia era o Código Penal fassista, vindo de 1886 e não se estava a ver o regime democrático a usar o argumento da actividade subversiva usado pelas leis "fassistas" ( entretanto revogadas) para incriminar os novos presos políticos...
Este dilema só provocava coceira de cabeça aos "socialistas democráticos", porque aos comunistas o assunto tinha sido resolvido em dois tempos e à maneira soviética e sem grandes sobressaltos cívicos e de consciência.
E de resto, aos novos antifassistas não interessava por aí além condenar um Sachetti com provas irrefutáveis e deixar à solta uma miríade de outros "pides" que passaram pela grelha mas não se chamuscaram. O que lhes interessava mesmo era condenar criminalmente um regime e meter na grelha, durante anos, os seus representantes directos e disso não faziam segredo pelo que a frustração em não o fazerem logo, como queria o director do Diário de Lisboa e outros, era grande e dolorosa.
Portanto, como diria Lenine- que fazer?
Uma lei, ora. E assim nasceu a Lei 8 / 75 de 25 de Julho, em pleno PREC. Legalizar era o caminho, mesmo retroactivo, mascarando-o com outras leis "universais" dos direitos humanos que legitimariam a aplicação para o passado de factos com importância no futuro, como se fizera na Segunda Guerra mundial com os facínoras nazis. Os fassistas portugueses mereciam tratamento idêntico, claro está, porque o crime era imprescitível e atentatório da Humanidade em geral.
Portanto, para harmonizar legalmente tudo, já havia a Convenção de Genebra ( para crimes de guerra); a Declaração Universal dos Direitos do Homem ( para tudo e mais alguma coisa); a Convenção internacional sobre direitos cívicos e políticos ( para se aplicar a factos passados mas não ao então presente...) e a Convenção sobre o Genocídio ( é mesmo...) e ainda a Convenção Europeia os direitos do Homem. Parece que havia convenções não ratificadas por Portugal mas que era isso para um caso destes, de julgar o "fassismo"?
Para se resolver o problema teórico, em primeiro lugar era preciso saber o que era isso de "fascismo", ou como diria Domingos Abrantes, o "fassismo" que para o indivíduo de dentes raros era coisa mais clara que o futuro radioso dos amanhãs a cantar.
O República de 13 de Janeiro de 1975 dava uma ajudinha para se perceber o que seria o tal de fassismo...à falta de melhor caberia lá tudo o que fosse "reaccionário" e estava a definição dada.
É certo que estes conceitos não eram suficientes para algumas almas complicadas que gostam de estragar tudo, como por exemplo um advogado como Joaquim Pires de Lima, conhecedor profundo do processo do "Ballet rose" e que escrevia no Expresso de 15 de Fevereiro de 1975 algo que qualquer jurista sabia de cor: "se em 25 de Abril não houve uma revolução, mas um golpe de poder, só será possível sancionar pessoas ligadas ao regime anterior através da lei antiga". E mais: " após a revolução do 25 de Abril e a libertação nacional do regime fascista, ou se destruíam os inimigos da revolução ou não é admissível sancioná-los com leis criadas e mantidas naquele regime". Um dilema, portanto.
Quase todos os que mandavam no poder político-militar, com excepção dos comunistas e socialistas, estiveram mancomunados com o tal "fassismo", a começar pelo próprio presidente da República. E como resolver o dilema?
Fazendo uma lei à medida e arranjando justificação plausível para a sua aplicação retroactiva com base naquelas convenções gerais e abstractas que tinham aplicação directa nesses casos mas não nos entretanto criados com a prisão dos tais "numerosos fascistas".
O grande advogado tonitruante, algoz de homosexuais parlamentares, Carlos Candal de seu perfil, que deixou descendência no hemiciclio, escrevia a sua solução miraculosa no O Jornal de 22 de Outubro de 1976:
E tal porque no O Jornal de 7 de Maio 76 já se alvitrava o que poderia acontecer aos PIDES na grelha, na altura cerca de quatro dezenas, depois da fuga espectacular de Alcoentre que originou a cantiga de Fernando Tordo, "que se passa?" antologia da nova ideia democráticas de justiça:
Infelizmente, o primeiro julgamento dos tais PIDES na grelha correu mal porque o réu foi absolvido, por uma razão simples e que já deveria ser previsível: a lei 8/75 de 25 de Julho era inconstitucional. Assim, sem mais.
Tanto bastou para se levantar um coro de protestos de antifassistas encartados nas leis penais e constitucionais ( não encontrei a posição de Vital Moreira mas devia ser conforme...)
Claro que este tipo de leis atamancadas e materialmente inconstitucionais para todos menos para os que afeiçoam o direito às conveniências políticas, tinha que dar nisto, tratado no O Jornal de 23 1 de 1976: um dos "numerosos fascistas" presos na sequência do 28 de Setembro e que estivera preso sem conhecer auto de culpa alguma, Kaulza de Arriaga acabou solto e até prometia concorrer à presidência da República. Ultraje! gritaram os comunistas.
E quanto ao juiz que considerou inconstitucional a lei? Atacado logo no O Jornal, com nome posto. Assim:
Tudo isto acabou por dar em...nada jurídico, para grande desgosto do Candal que não desarmou de "irradicar" o fascismo. E para tal, como para grandes males só grandes remédios, o Candal , passados dois anos de opróbrio jurídico, teve uma ideia luminosíssima como só de um fumador de cachimbo poderia sair:
E foi assim que nenhum PIDE/DGS foi jamais condenado e os "fassistas" se livraram das garras da grelha e alguns até se inscreveram depois no PS...por inépcia do regime e por incapacidade em provar os crimes que imputaram àqueles. Para resolver o imbroglio que criaram inventaram outra ideia luminosa do tipo daqueloutra: amnistias em catadupa.
Enquanto durou o folclore houve foguetes no ar.
Está deliciosa esta crónica... (narrativa, se preferirem).
ResponderEliminarMuito bem, José.
Vivi estes tempos mas era ainda um jovem adolescente.
Apercebi-me e lembro-me de muita coisa que se fez na altura - das nacionalizações e dos saneamentos, por exemplo - mas não desta engenharia para tentarem condenar os colaboradores do regime fassista.
Publiquei:
ResponderEliminarhttp://historiamaximus.blogspot.pt/2013/06/o-julgamento-dos-fassistas.html
P.S. - Devia de escrever um livro com tanta habilidade que demonstra.
em Campo de Ourique, um pobretana como eu, tinha o mesmo alfaiate de Moreira Baptista
ResponderEliminarnunca perdoaram a Tenrreiro o ataque feito do Alto do Duque ao navio da Armada que ia com comunas para a guerra civil de Espanha. foram tomar banhos de mar para Cabo Verde.
os comunas assaltaram os ficheiros da Pide e retiraram fichas importantes de camaradas que 'chibaram' e de pessoal político. por isso ameaçavam rolar cabeças.
um deles meu colega de trabalho na empresa entregou-me a minha ficha com uma dúzia de linhas por ter concorrido a uma lista de oposição sindical em 68 e ser sócio da CED desde 72
como ser nascido em Portugal tenho vergonha da maior parte do lixo humano ter permitido tudo.
continuo a detestar que me chamem português
prefiro Alentejano, mas o menos possível
Irradicação no Espesso? Priceless!
ResponderEliminarSe non è vero è ben trovato (para aproveitar um anúncio para a Língua Italiana - devia aproveitar para uma aproximação à Albânia...).
Foda-se, se não visse não acarditava :)
O revanchismo esquerdista.Mas levaram as massas à africanização cá dentro...e sempre a marchar!
ResponderEliminarSalvo erro o Tenreiro é a vítima nº1 do 25...pois ainda não foi recuperado.E atendendo ao nome de certas ruas na capital...
ResponderEliminarInfelizmente, não tenho conhecimento destes casos mas a fazer fé na crónica, congratulo-me de não ter sido condenado quem não se provou ter cometido crime algum (ou não ter cometido acto que à data do seu cometimento não constituia crime).
ResponderEliminarPara mim, foi um avanço.
Não foram condenados porque havia muitas "forças de bloqueio".A tal maioria silenciosa.Sim porque quem deu cabo disto tudo é uma minoria aguerrida mas traidora,Os tais do tudo e do seu contrário que cantam a internacional o seu verdadeiro hino...
ResponderEliminarGrande trabalho, José
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