No Público de hoje, João Miguel Tavares responde ao artigo de Ricardo Sá Fernandes em modo de polémica de Verão. Veremos então, em primeiro lugar a crónica de hoje porque a de Domingo já está no postal anterior.
JMT comenta o artigo do advogado Ricardo Sá Fernandes ( aqui em causa própria, embora sendo de um cliente) resumindo a questão a um ponto essencial: a legitimidade de um tribunal em avaliar um acto de poder executivo, no caso o fecho da MAC.
Ora a este propósito já RSF tinha deixado claro que os actos do poder executivo podem ser escrutinados pelos tribunais por uma razão: estão subordinados ao princípio da legalidade. E o fiscal da legalidade é o poder judicial.
Lá diz a CRP, no artigo 202ºº que nenhuma revisão constitucional ainda alterou que " na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados".
Este princípio que nem é apenas democrático porque o Estado Novo também entendia a função jurisdicional como aquela que "consiste em declarar o alcance da lei na sua aplicação aos casos concretos, julgar as questões sobre situações jurídicas duvidosas ou controversas" ( do manual OPAN, para o 3º ciclo dos liceus, até ao fim do Estado Novo, em 1974).
Portanto, aceitemos como válido e indiscutível o seguinte: os tribunais, em Portugal, têm legitimidadae para analisar e decidir questões controversas como, no caso concreto, o fecho da MAC. Isso porque tal deriva de um acto normativo e os actos normativos, como os define a actual CRP, na parte III, no artº 112º são as leis e decretos-leis, incluindo-se os regulamentos que as explicitam melhor, como ensinava o professor Queiró, em Coimbra.
O fecho da MAC obedeceu a princípios de legalidade e que no entender do advogado da parte interessada ( politicamente) não foram respeitados. E em consonância com tal entendimento sindicou tal acto junto de um tribunal. no caso administrativo, por meio de providência cautelar porque a lei actual ( dantes não era assim) também o permite. Tal significa, como explica RSF, na crónica no Público que os princípios de admissiblidade de uma providência cautelar foram respeitados e o tribunal a quo a aceitou. Portanto, tudo está bem quando acaba assim. Ou seja, por enquanto, uma vez que a providência cautelar é isso mesmo: provisória e à espera de uma acção que diga o direito definitivamente. E nesta acção, evidentemente que os problemas legais podem novamente colocar-se e conduzirem o tribunal a declarar a ilegalidade do acto legislativo, por violação cuja sindicãncia a CRP atribui ais tribunais.
Haverá nisto alguma intromisssão ilegítima e indevida do poder judicial no poder legislativo ou executivo? Não me parece, se a decisão se mantiver nesses parâmetros. Já se viu que a decisão sobre a providência cautelar não serve para aferir tal coisa, devido ao carácter limitado da mesma. Porém, o efeito mediático surge porque tais providências ( em que RSF tem sido exímio-é dele a providência relativa ao túnel das Amoreiras, salvo o erro) têm sido usadas como arma de arremesso político. Sim, parece que tal se verifica. E daí? Os tribunais têm culpa disso e deverão declararar casuisticamente que esta ou aquela providência têm esse cariz? Não me parece tolerável nem aceitável.
Tergiversar desse núcleo fundamental de razões para as acessórias considerações, dislatadas pela juiz do processo também será irrelevante ( como o serão no caso sindicado pelo tribunal de trabalho em que o trabalhador tinha sido despedido por trabalhar embriagado)..
Para finalizar: JMT cita em seu proveito argumentativo o velho comunista idiossincraticamente empedernido e arrependido em tempo serôdio e obsceno ( quando o muro ruía fragorosamente), Vital Moreira. O constitucionalista encartado, mais uma vez (é relapso nestas coisas) deixa de usar o bestunto académico e aplica a cartilha leninista, já com bedum, aprendida na juventude. Não reconhece legitimidade a um tribunal, mormente administrativo, para sindicar uma decisão que entende ser da exclusiva responsabilidade política do governo. Escreve algures que "numa democracia constitucional os juizes não governam nem se podem substituir aos governos".
Tal é verdade, assim escrito, mas falacioso assim apresentado.
Os juízes não governam, de facto, nem têm que governar. Mas é seu dever, se a tal forem chamados por iniciativa processual, como foi o caso, a decidirem questões de legalidade estrita. Como aliás, sucedeu. Quem lhes permitiu tal coisa, aos juízes ( Vital não usa a palavra tribunais...) foi...o poder legislativo.
Vital Moreira, como de costume e tal já foi em devido tempo apontado por um seu colega académico e de reputação segura, ( José Manuel Correia Pinto), seu antigo correlegionário, limita perigosamente, em democracia, a possibilidade de sindicância dos actos de governo, pelos tribunais. Surge por isso em defesa do partido, perdão, governo, entidade que continua a entender como sendo a máxima para intervir e centralizar todas as decisões políticas virtualmente extensíveis a todos os sectores da vida em sociedade.
Passe a caricatura, Vital Moreira continua a ser leninista de coração e jacobino de acção. E como se sabe o coração tem razão que a razão desconhece.
Tal já foi dito pelo treinador Jorge Jesus numa tirara memorável, em televisão de horário nobre.
JMT faria bem em não recomendar tal personagem. O Vital, quero dizer.
Aditamento:
A crítica de José Manuel Correia Pinto a Vital Moreira já tem barbas. Cinco anos, pelo menos e para além do conteúdo integral, tem isto de essencial:
Em suma, o que por outras palavras eu quero dizer é que as pressões
tendentes a limitar a actuação dos tribunais não são bem-vindas,
principalmente naqueles domínios onde o tal princípio da separação de
poderes, que o VM tanto invoca, mais justifica uma actuação livre dos
órgãos encarregados de velar pelo respeito da legalidade democrática.
Esta defesa ilimitada dos actos da Administração não augura nada de bom.
É dela que sempre partem as grandes agressões aos direitos dos
cidadãos. Se os tribunais se inibem de os defender, pressionados por um
clima doutrinal ou político hostil, a democracia representativa fica
reduzida a uma caricatura.
Este artigo do VM, em articulação com
outros, nada felizes, sobre a liberdade dos jornalistas, a autonomia
universitária, a cerceação da democracia participativa, dá uma visão
distorcida e limitada do poder dos tribunais no controlo da legalidade
democrática e pode ajudar a abrir a porta aos piores entendimentos ou
aos maiores retrocessos nesta matéria. Por isso, é tempo de dizer basta!
Vital não se deu por achado, como nunca se dá.
No caso concreto que legalidade se acautelou ou repôs?
ResponderEliminarA legalidade intrínseca decorrente dos princípios de direito aplicáveis às providências cautelares: a legitimidade para as requerer, a fundamentação do requerido de acordo com as normas do procedimento administrativo e a provisoriedade do requerido.
ResponderEliminarTal como Sá Fernandes explica no escrito.
Se as providências cautelares administrativas têm este efeito deletério que as modifiquem legislativamente.
ResponderEliminarAí é que não haverá modo de os tribunais intervirem para sindicar a legalidade, com a excepção do tribunal Constitucional, claro está e se lho requererem.
um conhecido juiz, cujo nome não me ocorre, referia-se em tempos à 'consciência do juiz'. nunca percebi o que nem a sua serventia
ResponderEliminarcansa ouvir a expressão 'consciência limpa'. deixaram de falar na 'moldura penal' e na 'justiça fez striptise'.
quem desconhece a aplicação das leis nem sabe qual a duração duma 'providência cautelar'
as linguagens de carácter profissional (falo por mim) servem para 'avacalhar' o ambiente cívico.
jornalistas nem lidos em diagonal. só conversa fiada
"a fundamentação do requerido" :)
ResponderEliminarTalvez um dia, quando a Justiça, os Tribunais e os Magistrados perceberem da necessidade de existência de assessoria multidisciplinar permanente (e não "ad hoc", como sucede com os Peritos), a fundamentação faça algum sentido, em casos destes. Não sendo assim, como não
é; não passa de exercício deletério. O pior é que tem consequências. Quanto julga que custa o retirar e repôr - para voltar a retirar - em termos puramente economicistas? E quanto à confiança gerada no atendimento? E à certeza? E? E? E? e??????
“Os juízes não governam, de facto, nem têm que governar. Mas é seu dever, se a tal forem chamados por iniciativa processual, como foi o caso, a decidirem questões de legalidade estrita. Como aliás, sucedeu. Quem lhes permitiu tal coisa, aos juízes .../… foi...o poder legislativo.”
ResponderEliminar…/…
“Se as providências cautelares administrativas têm este efeito deletério que as modifiquem legislativamente.”
Caro José
Eu já percebi, e acho que quem o leia com um mínimo de atenção também, o José acha (e bem na minha opinião) que a culpa para esta “fantochada” é do poder legislativo.
Tem toda a razão e aliás na minha opinião a culpa principal e inicial é do poder legislativo constitucional.
Segundo o que expõe, os membros que constituem o poder judicial são meros “escravos” das suas obrigações profissionais.
Devo-me estar a repetir, quando recordo uma máxima dum saudoso professor que tive no IST, que depois de nos obrigar a estudar determinados regulamentos técnicos, ele fazia questão de nos dizer que “os regulamentos são para os engenheiros que não sabem”.
Não estamos a falar exactamente da mesma coisa, eu sei!
Mas da maneira como o José apresenta o assunto, pelo menos a mim deixa-me sempre a impressão, que com evolução tecnológica da nossa sociedade, a solução mais lógica e económica seria substituir no futuro os Juízes por computadores, pelo menos nesta “cena” das providências cautelares.
Fazia-se o “input” dos dados (iniciativa processual), e obtinha-se automaticamente um “ouput”( decisões de questões de legalidade estrita).
Pelo menos agora, nesta fantochada das candidaturas autárquicas, garantia-se alguma homogeneidade” na decisão.
Também me repetindo, acho este assunto mais uma discussão “do sexo dos anjos, quando o inimigo já nos pilha a cidade”.
Mas gostava de lhe deixar um desafio “filosófico” para me dizer o que pensa desta eventual situação:
1. É óbvio que este governo vai mesmo encerrar a MAC.
2. Também é óbvio que o PS vai ganhar as eleições de 2015.
3. Esse futuro Governo resolve reinstalar a MAC na sua actual localização.
4. Nessa altura, eu que não tenho mais nada de fazer, recorrendo aos meus conhecimentos técnicos de urbanismo, estatística, demografia e investigação operacional, preparo um dossier técnico, que comprova que essa relocalização é um erro crasso.
5. Chamo um advogado (com algum nome na praça) e digo-lhe para ele tomar a “iniciativa processual” de instaurar uma providência cautelar e impedir essa relocalização.
6. Pressuponho que um Juiz se vai sentir obrigado a dar-me razão e vai dar ordem a esse tal futuro governo, para que pare o que está fazer, mesmo que entretanto já se tenha reposto o funcionamento, a recolocação de pessoal, etc.
7. E o José vai achar lógico, sensato e perfeitamente legitima essa actuação, mesmo que isso implique gastos extraordinários para o erário público, risco de vida para os utentes, etc.?
Estanos mesmo a viver no mesmo universo?
Ou isto é um fenomeno "Fringe"?
.
Pelo que percebi o ponto 6 não é isso.
ResponderEliminarSuspendia até depois haver decisão se era ou não era assim.
E nem compete ao mesmo que despacha a tal de "cautelar" julgar o resto.
O juiz que recebe a providência só tem de dizer se ela faz sentido de ser feita, ou não.
ResponderEliminarO resto não é com ele e costuma correr em processo paralelo.
Por exemplo- eu já fiz uma coisa dessas por arresto a bens que podiam desaparecer e que eram garantia de quem os recebesse me poder pagar o que devia.
O arresto fazia sentido.
Ganhei também a causa da dívida e assim não fiquei a arder.
O que eu não percebo é como é que pode ser permitido tomarem-se decisões que depois são consideradas fora da lei e ninguém ser penalizado por isso.
ResponderEliminarSe fossem, esses tais processos tinham mais cuidadinho em não pisar o ramo verde.
No meu caso, providência e processo correram em paralelo.
ResponderEliminarMas, se tal não existisse, de nada me valia ganhá-lo.
Mas, no caso desta polémica, o erro do JMT foi ter pegado em palha mais mediática para, a partir dela inferir o qeue não podia.
ResponderEliminarPegou numa passagem do texto da sentença onde vêm para lá uns floreados que parecem políticos- em vez de perceber ou pegar até no tema dos floreados estilísticos que enchem centenas de páginas de decisões, achou que bastavam para inferir que o pressuposto da aceitação da providência cautelar também fora político.
Isto é um erro que me parece até demasiado básico.
E ainda lhe acrescentou o outro fait-divers da bebedeira noutro texto para com isso fazer coro na "república de juízes".
E pior- a lógica do JMT ao dizer isto, ao mesmo tempo que cita o Vital, anula-se.
ResponderEliminarPorque, se os tribunais são bichos políticos da crina à cauda, então, se ele quer o que Vital diz, bastavam os verdadeiros bichos políticos mandarem mais que eles e tê-los pela trela.
As decisões políticas não são sindicáveis pelos tribunais, em princípio e só por isso. O Constitucional, no entanto, tem como função sindicar algumas dessas decisões, mas enquanto estiverem em lei e se esta for considerada inconstitucional. Vital Moreira sabe muito bem que assim é. Mas faz-se de desentendido sempre que o leninismo que o habita é posto em causa pelos poderes que se equilibram em democracia.
ResponderEliminarVital é das pessoas mais anti-democráticas que conheço. Provavelmente mais que um fascista puro.
De resto se o Governo quer mesmo fechar a MAC ( e quer) basta-lhe fazer uma lei que tenha em conta os condicionalismos existentes e será inatacável, a decisão.
O que Ricardo Sá Fernandes disse na providência ( e na acção terá que repetir) é que houve ilegalidade nessa decisão e apontou o motivo. Se tal irá ou não ser sufragado pelo tribunal, aina não se sabe porque só na acção principal ( e não na providência cautelar, como bem disse a Zazie que já percebeu tudo como habitualmente) é que tal se irá fazer.
"O que eu não percebo é como é que pode ser permitido tomarem-se decisões que depois são consideradas fora da lei e ninguém ser penalizado por isso."
ResponderEliminarCara zazie
É exactamente isso que eu também queria perceber.
Em assuntos entre particulares é óbvia a necessidade da providência cautelar.
E quando o processo principal que corre em paralelo terminar, alguém vai pagar mesmo o que deve.
Ou seja, se a providência cautelar tinha lógica, quem a instaurou salvaguardou os seus direitos, e se não tinha, então vai pagar de certeza o mal que fez (espero eu).
Como é que esta “equidade” não se aplica quando uma das partes é um governo democraticamente eleito em confronto com quem lhes apetecer de momento?
.
“De resto se o Governo quer mesmo fechar a MAC ( e quer) basta-lhe fazer uma lei que tenha em conta os condicionalismos existentes e será inatacável, a decisão.”
ResponderEliminarCaro José
Se assim é, parece-me que o Juiz que despachou a tal providência cautelar, “dando ordens” ao Governo, então deveria ter um mínimo de bom senso e limitar-se informar o Governo de quais os procedimentos legislativos que deveria tomar, para que a sua actuação se enquadrasse perfeitamente dentro da Lei.
E não intervir directamente na acção executiva (à semelhança do que foi feito no Túnel do Marquês) com tudo o que isso pode implicar de acréscimos de despesa pública.
Se num ou noutro caso, a razão estivesse do lado de quem instaurou as providências cautelares, então passava a haver óbvia matéria para criminalizar os políticos que não seguiram os “bons e sábios conselhos” do poder judicial.
Para um ignorante como eu, isto parecia-me mais lógico no relacionamento entre os 3 poderes do Estado.
eheheh
ResponderEliminarMas agora um juiz ia fazer planeamento de partos e coisas assim?
o Mentat às vezes tem cada ideia.
O juiz aplica a lei perante e mais estrita questão que lhe é apresentada.
Não tem nem pode dar pareceres técnicos e muito menos formas de contornar a lei.
Para a segunda servem os advogados.
"Mas agora um juiz ia fazer planeamento de partos e coisas assim?
ResponderEliminaro Mentat às vezes tem cada ideia.
O juiz aplica a lei perante e mais estrita questão que lhe é apresentada."
Cara zazie
Acha que eu me dei ao trabalho de saber os termos da tal providência cautelar?
Não fui eu que disse que o assunto eram favas contadas para o Governo com uns retoques legislativos.
Pelo que me diz, aquela minha ideia de substituir Juízes por computadores até é aceitável.
Já que o “trabalho” deles é tão “automático”…
Ai José... o motivo :)
ResponderEliminarMas acredita mesmo no motivo invocado? Que a MAC não cabe no HDE?! - Ó valha-me Deus, enfim. Quem é que meteu na cabeça desta gente que os serviços da MAC iam todos para HDE?Quem? ... Alguns até podem ir para o HSFX, veja lá...