António Barreto, sociólogo reformado, deu uma entrevista ao Jornal de Negócios de hoje, á semelhança de muitas outras que ao longo dos anos tem dado aos media. António Barreto é um dos nossos salteadores da pedra filosofal que de há quarenta anos para cá andamos a tentar encontrar, em Portugal. Perdeu-se a velha magia que nos fez durante um pouco mais de 40 anos ser um povo mais livre do que somos agora, paradoxalmente.
António Barreto durante esses anos sessenta foi comunista, inscrito no partido mais estalinista do mundo ocidental. Não deu pelo que se passou na Hungria em 1956 e voltou a não ver os tanques de guerra soviéticos nas ruas da Checoslováquia em 1967. Pouco importa. Em 1970 lá achou que era demais e abandonou o Partido, tornando-se em mais um arrependido do comunismo.
Por causa desse antifassismo primário nunca concederá razão ao inimigo de então, procurando sempre subterfúgios para encontrar a pedra filosofal nacional nos últimos 40 anos, esquecendo outros tantos que os precederam, a não ser para vituperar a falsificação dos ingredientes alquímicos e a charlatanice dos alquimistas de então.
Portanto, agora, "Portugal pode desaparecer", como disse há uns tempos e nesta entrevista retoma o estribilho: temos mais 20 ou 30 anos de vacas magras.
Não resisto a uma pergunta: se o fassismo tivesse evoluído para uma democracia à espanhola e com o PCP liderado por um Santiago Carrilho em vez de um estalinista de trazer por casa, chamado Cunhal, que país teríamos hoje? Seria o mesmo diagnóstico miserável e o mesmo prognóstico assustador?
Não creio.
Em 1976, António Barreto era ministro do PS. Passou do PCP para o PS e foi apoinante da AD de Sá Carneiro e também apoiou o inevitável Soares, praga que nos atingiu como as do Egipto. Agora chora o leite derramado e não se dá conta inteiramente das razões profundas da crise: a esquerda que temos não presta, é essa a razão principal. A esquerda chamada PS, entenda-se.
Nessa altura, Barreto foi o primeiro inimigo declarado do PCP, no I governo Constitucional, por causa da Reforma Agrária. O Partido moveu-lhe uma guerra política de morte e Barreto, antigo comunista, aguentou. Assim, como conta o Jornal de10 de Dezembro de 1976.
A prova de que a acção de Barreto era mortal para o PCP está aqui nesta entrevista de Cunhal ao mesmo O Jornal de 25 de Agosto de 1978.
António Barreto parece ser pessoa sensata e equilibrada. Depois de passar pelo PC e pelo PS, acantonou-se ao mecenato de um dos maiores capitalistas portugueses, na Fundação Soares dos Santos. O líder do grupo, em 1973, quando Barreto estava na Suíça, fugido à tropa, era já um capitalista com negócio familiar importante na área de produção e distribuição.
O que Alexandre Soares dos Santos pensa e diz publicamente é consentâneo com o que pensava nessa altura, acho. E Barreto, como é que fez o trespasse?
A questão é importante, a meu ver, pelo seguinte:
Quem agora procura a pedra filosofal não deve desprezar os alquimistas do passado. Os de há mais de 40 anos, por muito que isso lhes custe. Se não estão a chover em molhado. Ou, no caso, a malhar ferro frio.
No poema de António Gedeão, os versos alinhavam assim:
"Eles não sabem que o sonho....é uma constante da vida; tão concreta e definida como outra coisa qualquer...[...] Eles não sabem nem sonham que o sonho comanda a vida..."
A Esquerda foi sempre isto: um sonho. E que ameaça tornar-se pesadelo se não se descobrir o remédio certo, a pedra filosofal para sairmos do marasmo económico e social. António Barreto precisa de ir urgentemente ao seu passado de juventude e recuperar o tempo que perdeu a tecer loas a Estaline, lendo aquele cujo nome não pronuncia: Salazar.Sem essa chave aquelas análises não fazem sentido e o que se obtém não é pedra filosofal alguma, mas apenas chumbo e mais chumbo.