Há quarenta anos, os sons que vinham lá de fora misturavam-se no rádio com as cantigas de cá, as que eram uma arma e as que só pretendiam entreter.
Recorrendo à memória e a listas de lançamentos da época é possível fazer um roteiro imaginário do que então passava como sons agradáveis ao ouvido.
Página da Mundo da Canção nº 38 de finais de 1973
A crónica de José Jorge Letria no República que fazia o balanço do ano de 1973 era muito pobre quanto a música...
Em finais de 1973 tinha saído lá fora, nos países anglo-saxónicos, música pop e rock em barda e era essa música que dominava as então inexistentes "playlists" e que era ao gosto dos apresentadores.
À hora do almoço, durante a semana e eventualmente na Rádio Renascença, ouvia-se por exemplo Sebastian, do grupo de Steve Harley e os Cokney Rebel. Tal como se ouvia o tema 5:15 dos The Who e do duplo lp Quadrophenia, um portento da música popular de todas as décadas que desde então passaram. Ou o single de Stevie Wonder, Living for the city, com sons da rua de cidades americanas em confronto racial. Ou então, o som mais distendido e sofisticado de Elton John, com Goodbye Yellow Brick Road ( aqui numa magnífica versão, nos Marretas).
Juntamente com Sebastian, lembro-me bem de ouvir à tarde, Júlio Montenegro a apresentar David Bowie Sorrow de David Bowie, tal como os Hollies, com um magnífico The air that i breathe, já em 1974. Tal como uma Shirley Bassey, com uma voz que nunca acabava de cantar Never, never, never, e um qualquer de Suzy Quatro ou o etéreo e saudoso Top of the world dos Carpenters.
Porém o som mais marcante, constante e permanente nesses meses, não era de nenhum desses grupos. Era o de Demis Roussos que tinha lançado um lp, Forever and ever, que lhe rendeu vários singles, entre os quais o que dá título ao disco e principalmente Velvet Morning, com o seu viciante "triqui, triqui, triqui, triqui, mon amour..." seguido de Goodbye my love goodbye.
Esse será provavelmente o disco mais marcante desses meses que precederam ( e os que sucederam porque apareceu logo em 1974 outro disco do mesmo cantor) o 25 de Abril de 1974. Na primavera desse ano surgiam os Abba com o esfusiante Waterloo na Eurovisão.
No rádio, nos melhores programas, ainda poderia ouvir-se um resquício do álbum dos Pink Floyd, Dark side of the moon, saído no início desse ano ou Mike Oldfield e o seu estreante Tubular Bells.
Não obstante a quantidade avassaladora da música estrangeira de expressão anglo-saxónica, em Portugal nessa altura consumia-se também música de outros lados, particularmente do Brasil.
Em finais de 1973 foi um estrondo de novidade sonora ouvir um grupo que integrava um português de Ponte de Lima, João Ricardo, dos Secos & Molhados. Ouvir o Patrão nosso de cada dia, na voz flausina e amaricada de Ney Matogrosso, ou o Sangue Latino, Vira, Rosa de Hiroshima ou Mulher Barriguda era uma barrigada de novidade sonora cantada em português, até de Fernando Pessoa.
A par desse som do Brasil, a que se juntava um single de melodia inesquecível e religiosa- O Homem de Nazaré ( e que há mais de trinta anos não ouvia) cantado por um António Marcos desconhecido , ouvia-se também, vindo do mesmo lado, Raul Seixas e Ouro de Tolo ( uma das dez melhores canções de sempre no meu top pessoal) e a Mosca na sopa, com um ritmo e uma letra que em Portugal ainda não se faziam. Só dali a meses, com a Banda do Casaco e alguns anos depois, com Rui Veloso.
Angie dos Rolling Stones ou I like you de Donovan, soavam melosos assim como Over the hills dos Led Zeppelin ou Grand Hotel dos Procol Harum ou Full Circle dos Byrds, soavam melodiosos e ritmados.
Assim, a par de umas cantigas de Zeca Afonso, do Venham mais cinco e uma ou outra de Sérgio Godinho, mais uma ou outra de um Leo Ferré esquecido, essas foram as músicas que precederam a Revolução e lhe servem de banda sonora percursora.
Logo a seguir, o panorama musical, durante algums meses, assemelhava-se perigosamente a esta caricatura da Flama de 15 de Maio de 1974. Foi aí que as cantigas começaram mesmo a ser usadas como arma...
Ouro de tolo.
ResponderEliminar":OP
Um grande tema de um músico que em 1973 tinha um som que nós, por cá, só ouvimos nos anos oitenta. E as letras eram fantásticas.
ResponderEliminarDado às parlapatices alquímicas ( como Jorge Ben, outro grande músico brasileiro) Raul Seixas tem vários discos muito bons.
Ouro de tolo era para mim, na altura, um espanto.
E os Secos & Molhados foram uma lufada de som fresco na música de expressão de língua portuguesa. De repente, a música brasileira não era apenas samba ou bossa nova ou assim a modos de caetanear ou chicobuercar.
ResponderEliminarEsse disco foi uma descoberta das mais notáveis da música popular. Houve poucas como essa. E foi em 1973.
Pois é. É mesmo uma delícia.
ResponderEliminar.................
José, como tem uma orelhinha especial, bem que gostava que deixasse aí ou no outro estaminé o seu top ten.
E escrevi esfuziante em vez de esfusiante. Já corrigi, mas hesitei ao escrever e deixei ficar.
ResponderEliminarO top ten das cantiguinhas de sempre?
ResponderEliminarAcho que já fiz no blog do ié-ié ( Luís Pinheiro de Almeida) há uns anos.
Nem me lembro, mas se calhar já não é o mesmo...ahahah.
Há uma mão cheia delas que canto sempre, de há décadas para cá.
Uma delas é "I can´t stop loving you" de Ray Charles, de 61, acho.
Outra é de um instrumental de Mark Knopfler, banda sonora do filme Local Hero, dos anos oitenta. Dá para assobiar.
Outra que esteve no top três, e em finais dos setenta no top one, é Just like a woman, de Bob Dylan.
Dos Beatles há várias mas I´ll follow the sun fica muito à frente das outras.
E há Tes gestes de Serge Reggiani, que fica no top cinco.
E Felicidade, de Caetano Veloso fica na mesma medida.
E de Georges Moustaki há várias que até me dói ouvir, como La carte du tendre.
E Amor novo de Luís Rego fica em segundo ou terceiro.
Etc etc
E a do Fausto de 1970, Ó pastor que choras, fica bem acima no top.
ResponderEliminarE tenho-me divertido ultimamente com duas canções de Nancy Sinatra. Uma com o pai- Something Stupid, de 67 e outra em parceria com Dean Martin, Things, uma pequena jóia musical.
No top ten ainda há lugar para uma cantiga de Taiguara do LP Imyra Tayra ipy, de 76- Terra das palmeiras.
Mas os dois postais que escrevi sobre a música de 73-74, são compreensivos. Não há muito mais que aquilo, na música popular dessa época.
ResponderEliminarEstive a rever os meus documentos ( jornais e revistas) e concluí que não há mais nada de relevante.
Obrigada, José.
ResponderEliminarEu sou maluquinha por toda a música latina. Mas é para dançar.
ResponderEliminarEste ano espero matar saudades no Carnaval del Pueblo.
Um merengue. Dou muito por um merengue
ehehehehe
E adoro o renato Carosone
Obrigada, eu. Estou a ouvir o Things
ResponderEliminarSó lhe acrescentava o Don Williams- I believe in you.
ResponderEliminarÉ outra de sempre.
Mas isto é tão subjectivo que até me lembro das músicas das telenovelas dos setenta. Casarão, por exemplo, tinha Nuvem Passageira, de Hermes Aquino que é uma xaropada que adoro ouvir, tal como a Menina que mora no mato, outra que tal e que aprecio ouvir.
ResponderEliminarE gosto do Verde Vinho do Paulo Alexandre, da mesma altura.
E associo depois as músicas pop anglo-saxónicas, como o punk e o ska inglês dessa época que adorava ouvir no rádio nos programas de António Sérgio.
Tenho andado a ouvir os quatro primeiros discos dos Dire Straits, em lp original ( Dire Straits, Communiqué, Making Movies e Love over gold) e é sempre uma descoberta.
Ouvi dezenas de vezes, ultimamente ( repetidas, no carro e em casa) o disco A tábua de esmeralda, de Jorge Ben.
O ano passado passei-me com todos os discos de Zappa, em lp. Comprei e gravei o que nem conhecia e ouvi dezenas de vezes tudo.
E há mais...
O Things?
ResponderEliminarExperimente ouvir no You Tube e apreciar os trejeitos faciais da filha do Sinatra.
Fiquei encantado quando vi.
E gosto muito da voz e inflexões dela.
Essa do Don Williams- I believe in you- é uma xaropada que me levou a comprar o lp nos anos oitenta, porque a ouvia no rádio de Vigo e gostava de ouvir aquilo, com a steel-guitar a contrapontar.
ResponderEliminarTal como acontece com outro country- Hoyt Axton. Experimente ouvir o disco Snowblind friend, no you tube.
Vou já lá
ResponderEliminarPara acompanhar o I believe in you há também o In the shelter of your eyes, do mesmo género e cantor.
ResponderEliminarehehe
ResponderEliminarTão engraçado o dueto com a Nancy Sinatra
Mas para ouvir como deve ser, em computador deveria ter um dac - um aparelho externo que substitua a carta de som do computador que é fraca, geralmente.
ResponderEliminarHoje vi um dac da Cambridge Audio, à venda na FNAC, por 140 euros e que é semelhante a uma pen. Permite converter os sinais digitais para frequências de 24 bits e 192 kHz. É o máximo que se pode obter assim, em coisas caseiras.
Deve valer a pena. Vem numa caixinha e pode ligar-se uns auscultadores.
Não comprei porque tenho um externo bem melhor - TEAC UD H01 que liga à tomada usb e é uma maravilha. Mas custa o dobro.
Como é isso? um dac?
ResponderEliminarVou tomar nota. Obrigada, José
Destas músicas destes anos, até meados dos oitenta, não me falha uma. Nem uma que valha a pena.
ResponderEliminarDepois disso desisti de ouvir. Nem conheço os grupos.
O meu catálogo desse periodo é tão extenso que o resto não me faz falta.
A ainda há a música erudita que é outro mundo.
Um dac é um conversor de sinais digitais que o computador gera, para sinais analógicos que a saida de auscultadores veicula.
ResponderEliminarComo os sinais sonoros gerados pelos computadores ( e telemóveis etc) são digitais, torna-se necessário que o conversor os transforme em analógicos.
Todos os computadores, assim como os leitores de cd têm um desses conversores.
Mas o dos computadores, interno, é fraco e só permite ouvir frequências no máximo idênticas à do cd- 16 bits e 44.1 kHZ o que é pouco.
Com um conversor externo como o que apontei- um dac- torna-se possível obter os sinais digitais do computador, pela porta usb e o dac transforma-os ( upsampling ou conversão por via de uma porta digital óptica que alguns computadores também têm) em frequências sonoras com muitissima melhor qualidade.
Hi-fi e até alta definição.
Consigo isso através de uma saida usb, com o tal Teac, mas também com através de um conversor suplementar de usb para Spdif e que entra no DAC ( neste caso um Dac magic da Cambridge audio) e ainda é melhor porque está ligado á aparelhagem hi-fi.
Pura delícia sonora. O melhor que se pode obter se os sinais foram de origem com alta definição ( o you tube não é porque no máximo apenas permite ouvir em 16 bits e 48kHz. Mas melhor que o cd...por vezes.
Há conversores- dac- que ate custam menos. Por 50 euros é possível arranjar um razoável.
ResponderEliminarXaropada 74
ResponderEliminarO Sugar baby love apareceu algum tempo depois do 25 de Abril
ResponderEliminarÉ o próximo capítulo da saga. Com os cantadores das armas
ResponderEliminarEsta série está muito saborosa.
ResponderEliminarE, entrentanto, já fiquei com a dica para o DAC.
Nem calcula o que tenho lido sobre o assunto, em revistas de especialidade ( Hi-Fi magazine) e na Net, em discussões de grupos, sobre qual o melhor DAC.
ResponderEliminarAté 400 euros parece-me que será o Dac Magic da Cambridge Audio.
Daí para cima é só gastar dinheiro...
regressado ao rectângulo em janeiro 72 (para mal dos meus pecados)
ResponderEliminarcomprei uma 'aparelhagem' para o meu 'biltre', então com 10 anos
e para mim uma belíssima colecção de LPs de música clássica de todas as épocas
nas férias sofria muito a ouvir os sons horrorosos da música 'anglo-sexónica', mas fui-me habituando
actualmente das 23 às 24 volto aos Mozarts, Dvoracks, Glinkas ... flamenco (faleceu Paco), Moustaki , Pavarotti, tutti napuletane fedente,
brasileiros que meu primo de Sum Paulo enviava desde os anos 50
esqueci
ResponderEliminarJohn Philips de Sousa
o major Glenn Miller
Sinatra
da minha juventude
A música como arte dos sons agradáveis ao ouvido não se distingue pelos intérpretes a não ser pela qualidade intrínseca da execução e variedade de estilos.
ResponderEliminarAinda assim, a música erudita tem muitos intérpretes e cujas variações lhe dão tonalidades diversas.
A música com instrumentos "clássicos", cordas, teclas e sopros, mais corais, é por vezes de beleza inexcedível, mas o ritmo dos instrumentos modernos confere uma nova vida a sons antigos.
O jazz e o rock e o folk e o country, para mim, misturam-se muito bem com as sinfonias e a música de câmara e os intermináveis quartetos e quintetos com pianos e orquestras.
A música coral, religiosa é outra maravilha.
Em sumo: não distingo os géneros musicais para dizer que este é superior àquele.
Não gosto de xaropes nem de empadões.
ResponderEliminarPrefiro antes Van Der Graaf Generator, Bach, Coltrane, Pete Namlook - para citar poucos.
(As fuças do Dennis Roussos nessa foto assemelham-se às de um actor português de telenovelas, agora julgo no defeso.)
Não faltam aqui os franceses (e as francesas, claro)?
ResponderEliminarCitei Leo Ferré porque não me lembro de ouvir mais nenhum e dos xaroposos franceses, tivemos sorte em não ouvir a maior parte. Os Sardous e as Sheilas não apareciam por cá, nos rádios.
ResponderEliminarE dos demais, talvez Brel passasse, mas é belga. E talvez Reggiani, de facto.
Em 1973-74 saiu um dos seus melhores discos, o que contém Le premier amour du monde. E creio que esse passava.
Em em 1974, mas no Verão saiu o tema de Moustaki, Danse. Até o escrevi na capa do Expresso da altura.
ResponderEliminarÉ tema do próximo postal.
Lmebro-me de ouvir o "je t'aime, moi non plus" em dueto, numa jukebox do Tamariz.
ResponderEliminarEssa canção esteve proibida em vários rádios da Europa. Por cá, também. Basta ouvi-la e percebe-se que nem hoja passaria facilmente.
ResponderEliminarNo entanto, o disco vendia-se. E foi muito tempo antes de 25 de Abril de 74.
Na Inglaterra, nos anos oitenta, a canção Shipbuilding de Roberto Wyatt ( comunista que foi dos Soft Machine) foi probida pelo governo Tatcher. Por causa da guerra das Malvinas.
Robert Wyatt é um dos meus cantores preferidos e tenho os melhores discos dele: Rock Bottom e Ruth is stranger than richard. Em lp.
ResponderEliminarE tenho o tal Shipbuilding, claro. E Yesterday man que é um single de...1974. La boucle est bouclée.
ResponderEliminarVendia-se e ouvia-se em jukebox pública, no Tamariz.
ResponderEliminarLembro-me bem.
Demis
ResponderEliminarConcerto em Portugal 14 de Outubro de 1974.
O Yesterday Man era a música da noite numas férias que tive em Albufeira.
ResponderEliminarA Albufeira que desapareceu e que era linda.
(eu também devia ser catita mas nem dava por isso ehehehehe.
E foi nessa altura que bebi os primeiros Martinis.)
Mas lembro-me bem porque fui logo convidada para um grupo de praia por ser a menina mais bem-vestida das redondezas. O fato de banho era dos Profírius e era um encanto.
ResponderEliminarProfirios.
ResponderEliminarTalvez Porfírios...ahahaha
ResponderEliminarahahahaha Isso mesmo.
ResponderEliminar":O))))))