António Pedro Vasconcelos em entrevista ao i de hoje deu a conhecer onde estava no 25 de Abril de 1974: na revista Cinéfilo que então dirigia.
A revista era uma lufada de ar muito fresco de modernidade no panorama editorial português e assemelhava-se, em 1973, ao que o Observador representava no jornalismo nacional uns anos antes: um produto do marcelismo. A Cinéfilo, sendo de esquerda, não era abertamente comunista e era por aí, por essa nesga cultural que a evolução política se iria desenvolver, no caso de não suceder o golpe do dia 25 de Abril de 1974, agora a perfazer a data redonda dos quarenta.
Quanto a António Pedro Vasconcelos, refere que nunca foi comunista porque leu coisas sobre os "processos de Moscovo" quando esteve em Paris e ficou vacinado contra o estalinismo tipo Cunhal. Muitos outros leram as mesmas coisas e não se deixaram influenciar ou tomaram os factos como propaganda anti-comunista. Até houve quem lá estivesse, em 1935 quando os factos ocorreram e não se deram por achados. É o caso de Francisco Miguel, o antifassista primário, secundário e de superior sectarismo comunista.
A entrevista ao i:
No 25 de Abril está em Lisboa...
Estava em Lisboa, era chefe de redacção de "O Cinéfilo". Vivia aqui
na Lapa, na Travessa do Combro. Lembro-me de ter sido acordado por uma
amiga minha a dizer-me o que se estava a passar, lembro-me de ter visto a
Emissora Nacional, que era aqui no fundo da rua [Rua do Quelhas, onde
mora actualmente António-Pedro Vasconcelos] com soldados em cima do
telhado. E depois fui direito ao "Século", porque lá havia notícias. "O
Século" foi o jornal que fez mais edições. Havia um frenesim de
jornalistas e fotógrafos a entrarem e a saírem Fui directo à redacção de
"O Cinéfilo", que era no edifício de "O Século" e mandei parar tudo o
que estava nas rotativas para imprimir. Se ia haver uma revolução, a
edição que ia sair tinha de dar conta daquilo que acontecesse. Depois
andei entre "O Século" e o Largo do Carmo, que era ali ao pé. Aconteceu
uma coisa extraordinária na manhã do 25 de Abril. Havia um indivíduo no
"Século" que era o estafeta que levava todos os dias as provas à
censura, que era ali em baixo, na Rua da Misericórdia. O papel dele há
anos e anos era levar as provas à censura do "Século", do "Século
Ilustrado", do "Cinéfilo". E ele bate-me à porta e diz: "Sr.
Vasconcelos, já tem as provas para levar para a censura?" E eu disse: "Ó
senhor (já não me lembro como se chamava) esqueça isso. A censura
acabou, não vê o que se está a passar, a revolução está na rua." E ele
começou-me a falar da censura e a dizer: "Ó sr. Vasconcelos, não brinque
com estas coisas, eles estão lá." O homem estava obstinado. E eu disse:
"Esqueça, vamos ali para o Largo do Carmo, isso acabou." E de repente
eu vejo na cara dele que fica completamente em pânico e diz: "E agora o
que é que eu vou fazer?" Foi a primeira vítima do 25 de Abril, foi o
primeiro desempregado do 25 de Abril.
O homem, genuinamente, caiu em si: "A minha profissão há 30 anos é
levar e trazer as provas da censura." Se um dia eu fizesse um filme
sobre o 25 de Abril começava assim, se calhar. Eu sei que é uma
banalidade dizer-se isto, mas se eu quisesse ilustrar o que é a
felicidade é o dia 25 de Abril. Depois as pessoas começam a dividir-se, o
que é normal. Havia a chamada unidade antifascista e depois, a partir
do momento em que somos livres, as pessoas começam a tomar as suas
posições. Há os tipos que são do PCP, os que são da extrema-esquerda, os
que não são nem uma coisa nem outra, são só democratas...
E o que era na altura o António-Pedro Vasconcelos?
Eu não estava filiado em lado nenhum, fui a todas as reuniões de
todos os partidos de extrema-esquerda. Fui ver e ouvir. Acho que era um
social-democrata, mesmo que não me dissesse um social--democrata. Nunca
fui comunista, tenho uma grande atracção por Marx, sobretudo o Marx
jovem. Acho-o um escritor genial. Aliás, quis fazer um filme sobre ele.
Comprei os direitos de um filme que o Rosselini queria fazer sobre Marx e
morreu antes de o fazer. Comprei à viúva do Rosselini os direitos, mas
nunca consegui fazê-lo porque não tive dinheiro. Mas, ao contrário de
quase toda a minha geração, nunca fui comunista. Lembro-me de em Paris
ter lido os processos de Moscovo, o que foi uma coisa que me chocou
imenso. O estalinismo era uma forma de totalitarismo. Mas nunca tive
militância política activa, tive aproximações, apoiei tudo o que fosse
contra o regime. A seguir ao 25 de Abril nunca tive filiação partidária.
E a Cinéfilo de que fala António-Pedro que tem uma capa em que se menciona a Censura:
no 25.iv devia ir ao palácio dito da justiça como testemunha dum processo duma multinacional dos gringos
ResponderEliminara família obrigou-me a ficar em casa em pijama com medo de um tiro conseguir acertar num magrizela como eu apesar da altura
aquela ridícula revolução parecia ter como lema
'pé na tábua e fé em Deus'
Se há coisa que essa revolução não teve e não tem é fé em Deus.
ResponderEliminar“Em poucas décadas estaremos reduzidos à indigência, ou seja, à caridade de outras nações, pelo que é ridículo continuar a falar de independência nacional. Para uma nação que estava a caminho de se transformar numa Suiça, o golpe de Estado foi o princípio do fim. Resta o Sol, o Turismo e o servilismo de bandeja, a pobreza crónica e a emigração em massa.”
ResponderEliminar“Veremos alçados ao Poder analfabetos, meninos mimados, escroques de toda a espécie que conhecemos de longa data. A maioria não servia para criados de quarto e chegam a presidentes de câmara, deputados, administradores, ministros e até presidentes de República.”
Marcelo Caetano sobre o 25 de Abril
Tirando a boutade hilariante sobre sermos uma Suiça,o diagnóstico está correctíssimo.
ResponderEliminarJosé,já leu a entrevista do Pulido Valente ao i? Gostaria de um comentário seu porque ,apesar de tudo, é notável pela lucidez com que se debruça sobre o Soares,o Melo Antunes,o PCP e outros.
ResponderEliminarVivendi:
ResponderEliminarEssa passagem de Marcello Caetano vai servir de epígrafe ao blog durante uns tempos...para ver se alguém reflecte na profecia que era previsível e fatal.
Só não viu quem continua a não ver. Ou seja, os que nos afundaram.