Os juízes andam outra vez com o credo na boca. O credo é o
habitual: a soberania do poder judicial.
No congresso que decorre em Tróia, organizado pelo sindicato, perdão,
associação sindical, a juiz Maria José Costeira, secretária-geral da associação
reivindicou mais poder para um poder que afinal é…soberano. “Por favor,
tratem-nos como juízes!”, exclamou para as plateias, no congresso. Como
compreender esta reivindicação?
É simples: o poder soberano dos juízes resume-se a algo
essencial mas bem definido e determinado, actualmente. É a soberania derivada
do poder jurisdicional. Para resolver conflitos entre as pessoas, as sociedades
inventaram essa figura que deve ser independente, imparcial, isenta e a quem é
conferido esse poder de arbitrar e dizer o que a cada um pertence. O problema é
agora semântico: que poder têm os juízes da actualidade, para além desse núcleo
essencial que é o julgar segundo a lei e o direito, aplicando justiça em nome
de alguém, neste caso português, do povo. Este conceito, porém encerra alguns
equívocos que podem estar na origem daquela reivindicação.
Na antiguidade juízes eram os chefes, tendo uma raiz
porventura judaica e obedeciam directamente a Deus. Actualmente não é a mesma
coisa. Mesmo nada, embora ainda se sintam resquícios dessa áurea perdida, em
conceitos peregrinos que vemos espalhados em declarações infelizes de alguns
juízes.
Os juízes da actualidade são um corpo profissional de
magistrados a quem se reserva a parcela de poder jurisdicional que incumbe ao
Estado aplicar, para evitar a barbárie, essencialmente. O juiz da actualidade é
essencialmente um árbitro a quem o Estado conferiu poder de aplicar Justiça em
conformidade com a lei e o direito que devem interpretar para tal. Nesta tarefa
tem havido evoluções. Houve um tempo em que o juiz era solicitado para ser a “boca
da lei”, aquele que fala pela lei. Destarte, a lei era a soberana e quem ditava
as leis era o soberano que não era o juiz, mas o rei.
Actualmente, nas sociedades ocidentais, o juiz é apenas um cidadão especialmente
habilitado tecnicamente a exercer o poder jurisdicional e integrado num
aparelho do Estado que compreende outros poderes que aliás lhe definem as
atribuições e lhe estabelecem limites materiais de intervenção para além desse
núcleo fundamental que é o de decidir e aplicar a Justiça segundo a lei e o
direito.
O poder judicial assim considerado está muito limitado a
esse núcleo de poder que em abstracto é exercido pelos “juízes”, muitas vezes
em colectivo ( caso dos juízes dos tribunais supremos em plenário) e
disseminado por cada juiz que aplica em concreto, num processo concreto esse
poder específico.
Quanto às limitações desse poder ainda mais se poderia dizer
para acrescentar que é um poder sem autodeterminação. Para os juízes exercerem
o seu poder jurisdicional têm que ser demandados a tal, segundo regras estritas
de procedimentos e obedecendo a outras regras substantivas que devem
interpretar.
Por outro lado, os juízes estão sujeitos a um outro poder de
âmbito administrativo e para-estadual que é conferido estatutariamente, segundo
um a lei aprovada por outro poder, o legislativo, a um órgão desprovido de poder jurisdicional:
o conselho superior de magistratura. É este órgão de feição administrativa e
sem poder jurisdicional que define, segundo regras, a disciplina e baliza a
carreira dos juízes que têm aquele poder jurisdicional nos casos concretos em
que o podem e devem exercer.
Por outro lado quem define as regras profissionais e
estatutárias dos juízes? É o poder legislativo, muitas vezes influenciado
determinantemente pelo poder executivo, quem tem essa incumbência. E fá-lo
muitas vezes sem grande complacência para com esse poder judicial Basta atentar
no que se passou com o chefe do governo anterior, José Sócrates, aparentemente
despeitado com o poder judicial, que
afirmou publicamente e sem rebuço a sua intenção em limitar certas regalias supostas
dos juízes como era o caso de poderem gozar férias superiores a um mês. Particularmente e em privado mas publicamente reconhecido terá mesmo dito que pretendia "partir a espinha aos magistrados", ou seja a esse poder judicial. Quanto às tais supostas regalias, fê-lo, porque o podia fazer. Onde estava
nessa altura o poder judicial? Onde sempre esteve: no poder de decidir os casos
concretos e nada mais.
Portanto, o equívoco da secretária-geral do sindicato dos
juízes, ou seja da associação sindical, eufemismo para não parecerem aquilo que
verdadeiramente são e serão: um corpo profissional dependente dos outros poderes
do Estado, no que se refere às regras de progressão na carreira, à remuneração,
à disciplina e até à gestão dos meios de
que dispõem para exercer o poder judicial que detêm.
É confuso? Só mesmo para quem confunde poderes e poderes.Não é próprio de juízes.
esta associação meramente corporativa tem raízes no iluminismo, com passagem pelos vários socialismos do séc. xx
ResponderEliminare veio de mal a pior.
caiu pela escada acima.
se os políticos são maus, os magistrados pertencem ao mesmo núcleo elitista.
ou seja falam do alto e grosso para os pequenos.
com uma diferença o povo soberano (herança do ancien regime) não pode eleger nem escrutinar os magistrados.
por isso são considerados simples funcionários públicos temidos e indesejados
por culpa própria porque fazem por isso
há poder (de cujo cavalo muitos caem) e poderes
o pior são os PODEROSOS
Net
ResponderEliminarchegando ao século XVI no ápice do iluminismo com John Locke, apontavam como forma de se obter uma sociedade mais justa uma divisão entre os tipos de poderes.
A concepção de Três Poderes que temos hoje é gerada a partir do século XVII, após um árduo trabalho de análise social de pensadores ainda anteriores a este século e que com o iluminista Montesquieu, em 1748, vem a ser elaborada de maneira mais clara e definitiva. Todo estado tido como democrático ou não absolutista tem em sua estruturação a identificação dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário mesmo com defasagens possíveis ou mesmo nomenclaturas diferentes.
ResponderEliminarcomo se pode ver, 'pela amostra junta',
a praxis, o pior da festa, é problema pessoal e intransmissível
a polis ou civitas não 'ganhou nada com o quiosque'
'quousque tandem ... abutere patientiam nostra'
boa noite
ResponderEliminarOs conselhos superiores são órgãos muito decorativos.
O estado MONSTRO continua péssimo prestador de serviços e este é o pior de todos. Quase inútil. Os magistrados parecem fotocópias uns dos outros.
O discurso da dama pareceu-me muito parecido com o de qualquer dona de casa.
Conselheiro Amigo já falecido dizia-me que face à: corrupção, ante-olhos partidários., arbitrariedade, má fé eu tinha mais probabilidades de ganhar na roleta do casino localizado a 200m de casa onde morava, do que sm qualquer tribunal. E que estamos perante o pig-brother.
Parabéns. Excelente post.Estou a escrever um livro sobre a questão.
ResponderEliminarObrigado. Este tema interessa-me porque vejo nestes últimos anos uma tendência de certos juízes para não perceberem o que são essencialmente e para estenderem o conceito de soberania para além das suas próprias balizas.
ResponderEliminarEsse equívoco gera frustrações e dissonâncias entre o poder judicial propriamente dito e o poder dos magistrados do MºPº que também é balizado e melhor entendido, porém.
Os juízes parece que não entendem nem querem entender.
Muitos juízes julgam-se detentores não apenas da parcela de poder judicial que por função lhes compete, mas muito mais que isso, achando-se os únicos detentores e representantes do poder judicial em sentido lato e que envolve outros profissionais forenses e não só.
ResponderEliminarNo fundo a questão reconduz-se ao entendimento do que é um Estado moderno nas democracias ocidentais e quais as suas exigências para dar "a cada um aquilo que lhe pertence", ou seja A Justiça.
Perfeito. Aqui, partilho totalmente esta ideia.
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