Páginas

sábado, novembro 29, 2014

Outra que venha: o recluso 44 vai dar que fazer...




Fala-se agora na obrigatoriedade legal do inquérito que envolva a figura de um antigo primeiro-ministro ser da competência da secção criminal do STJ e portanto abrindo uma janela de oportunidade para a nulidade de todo o processo de inquérito ao abrigo do qual foi preso o recluso 44.
Em que norma, artigo e entendimento peregrino se apoia esta tese ambulante divulgada  nas tv´s e novo cavalo de batalha contra o juiz do TIC de Lisboa? 

Pois...num há.  A lei especial sobre a responsabilidade de titulares de cargos políticos não contém normas especiais relativamente à competência instrutória e remete para a lei geral que é o CPP.
O artº 35º nº 3 de tal lei diz assim:  O Primeiro Ministro responde perante o Plenário do Tribunal da Relação de Lisboa, com  recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.
 Num há mas há criadores de direito em barda na defesa do recluso 44.
Ora o recluso 44 foi primeiro-ministro mas já não é. Os crimes eventualmente praticados e em investigação ocorreram enquanto o mesmo foi primeiro-ministro. Quererá a lei especial dizer que o mesmo continua a responder perante o TRL  mesmo depois de deixar de ser primeiro-ministro? E se assim for até quando? Para sempre? Ad aeternum?  É o que parecem entender estes peritos de ocasião e não me admirava nada que surgisse um Germano Marques da Silva a defender o mesmo ou um parecer de um catedrático tipo Vital Moreira...
Por outro lado o que é isso de "responde perante o Plenário do TRL"? Responde é isso mesmo: responder em processo crime.  Na fase de julgamento ou também na de inquérito? Who knows?
Vejamos então a lei geral, o CPP.
 Artigo 11.º
Competência do Supremo Tribunal de Justiça
1 - Em matéria penal, o plenário do Supremo Tribunal de Justiça tem a competência que lhe é atribuída por lei.
2 - Compete ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
a) Conhecer dos conflitos de competência entre secções;
b) Autorizar a intercepção, a gravação e a transcrição de conversações ou comunicações em que intervenham o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República ou o Primeiro-Ministro e determinar a respectiva destruição, nos termos dos artigos 187.º a 190.º;
c) Exercer as demais atribuições conferidas por lei.
3 - Compete ao pleno das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
a) Julgar o Presidente da República, o Presidente da Assembleia da República e o Primeiro-Ministro pelos crimes praticados no exercício das suas funções;
b) Julgar os recursos de decisões proferidas em 1.ª instância pelas secções;
c) Uniformizar a jurisprudência, nos termos dos artigos 437.º e seguintes.
4 - Compete às secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
a) Julgar processos por crimes cometidos por juízes do Supremo Tribunal de Justiça e das relações e magistrados do Ministério Público que exerçam funções junto destes tribunais, ou equiparados;
b) Julgar os recursos que não sejam da competência do pleno das secções;
c) Conhecer dos pedidos de habeas corpus em virtude de prisão ilegal;
d) Conhecer dos pedidos de revisão;
e) Decidir sobre o pedido de atribuição de competência a outro tribunal da mesma espécie e hierarquia, nos casos de obstrução ao exercício da jurisdição pelo tribunal competente;
f) Exercer as demais atribuições conferidas por lei.
5 - As secções funcionam com três juízes.
6 - Compete aos presidentes das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal:
a) Conhecer dos conflitos de competência entre relações, entre estas e os tribunais de 1.ª instância ou entre tribunais de 1.ª instância de diferentes distritos judiciais;
b) Exercer as demais atribuições conferidas por lei.
7 - Compete a cada juiz das secções criminais do Supremo Tribunal de Justiça, em matéria penal, praticar os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos na alínea a) do n.º 3 e na alínea a) do n.º 4. 

Em tempos de Face Oculta quando o recluso 44 era primeiro-ministro suscitou-se então um problema com as escutas que foi resolvido do modo que agora se conhece: as transcrições foram cortadas no processo administrativo onde se encontravam, por ordem do anteriro PGR Pinto Monteiro.

Escreve Noronha Nascimento num desses despachos ( o de 27 de Novembro 2009): "A competência do STJ ( sic) como resulta inequivocamente do artº 11º nº 2 al. b) do CPP ( e tal como já se decidiu no despacho de 3 de Setembro) tem um âmbito material que abrange vários actos ( autorização, gravação e transcrição), dependendo estes actos das circunstâncias concretas de cada caso; competência essa definida pela dimensão pessoal-funcional das entidades a que se refere, independentemente da posição (alvo ou terceiro) que assumiram na comunicação.
A letra da norma na sua expressão verbal, não consente outra leitura ( "em que intervenham") na amplitude da sua formulação; ela abrange qualquer comunicação interceptada em que intervenha uma das referidas entidades ( P.R., P.A.R. ou P.M.) i.e. , em que seja interlocutor receptor ou emissor de comunicação recebida ou dirigida a um alvo do catálogo, qualquer uma daquelas entidades institucionais."
E remata: " em matéria de intercepção de comunicação, a forma equivale e tem o valor da substância".

O problema que agora se coloca é saber se um primeiro ministro conserva essa qualidade para toda a vida e já sabemos que não. Perde-a quando é exonerado.  É o que diz o artigo 186.º da CRP
(Início e cessação de funções)
1. As funções do Primeiro-Ministro iniciam-se com a sua posse e cessam com a sua exoneração pelo Presidente da República. 

Ou seja não se é primeiro-ministro para a vida nem a lei consagra regimes de excepção para antigos primeiros-ministros continuarem a gozar das prerrogativas  depois de exonerados, mesmo relativamente a factos que se fossem conhecidos enquanto exercessem funções , deveriam ser investigados nos termos da lei que regula a responsabilidade dos titulares de cargos políticos e do CPP , em caracter de excepcionalidade e que são  muito taxativos na designação.  Enquanto o forem, são. Deixando-o de o ser já não são porque não tem sentido algum aplicarem-se-lhes  as regras relativas a privilégios, regalias, incompatibilidades etc etc.e permitir-se-lhes outras liberalidades como trabalhar por conta de multinacionais farmacêuticas sem restrições. 

Era o que mais faltava!  Mas parece que é isto que querem agora defender...no tal combate com "as armas do Estado de Direito".



9 comentários:

  1. Mas sé é Primeiro Ministro para a vida, podia também ter de pedir asilo político no Brasil e levar o marocas, o que era uma excelente ideia.

    ehehehe

    ResponderEliminar
  2. Aliás. Muito sinceramente, a investigação e actuação perfeita da PJ tinha sido chegar aí.

    A fazer com pedisse asilo político, já tendo mais que provas suficientes para não ter vontade de regressar.

    ResponderEliminar
  3. Ora aí está uma excelente ideia!

    ResponderEliminar

  4. « É o que parecem entender estes peritos de ocasião e não me admirava nada que surgisse um Germano Marques da Silva a defender o mesmo ou um parecer de um catedrático tipo Vital Moreira...»

    O Marinho Pinto esteve precisamente a sustentar essa teoria ontem à noite , no programa fogo contra fogo .

    ResponderEliminar

  5. Entretanto , no velório , digo , no congresso do PS o ambiente é de consternação geral .

    Pode ser que o geronte apareça para animar aquilo...

    ResponderEliminar
  6. podiam enviar o 44 para uma colónia de férias na ilha do Fogo

    sempre podia ser útil durante a catástrofe

    ResponderEliminar
  7. José,
    Óptimo post o seu.
    Com a referida excepcionalidade, o que se protege é o exercício das funções de PM e durante o seu desempenho, não só pela dignidade da função mas também porque, naturalmente, no seu exercício tratará de muitos assuntos da sua função política e que até poderão cair no âmbito do segredo de Estado, que como sabemos tem um regime especial.
    Ora, não há razões para que esta protecção continue a ser garantida ao ex-titular desta função. Estou convencido que só a vontade de destruir esta investigação poderá explicar outro entendimento. Mas a haver, ficará definida a vontade real de se combater a criminalidade de colarinho branco ou que envolva gente chic e "poderosa". Aquilo que chamo o poder da trampa.

    ResponderEliminar
  8. Naquele tranquilo "hotel" não disponibilizarão cicuta?

    Daquela boa.
    Stock especial: para "napoleões".

    ResponderEliminar

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.