Nota prévia: não conheço o teor do acórdão relatado pelo desembargado Rui Rangel, o mediático ex-candidato à presidência do Benfica uma vez que tal não é facilmente obtido por quem quer que seja, estando ainda no âmbito do segredo de justiça que ainda vigora nos autos do processo do Marquês.
Evidentemente que os media já tiveram acesso ao mesmo e só pode concluir-se que essa violação de segredo se deve a quem interessa, ou seja à defesa do detido no 33. Adiante que passo a apostilar o dito sobre o Pe António Vieira -"quem levanta muita caça e não consegue nenhuma não é muito que recolha com as mãos vazias", dito que se lhes aplica também, a esses mediáticos conferencistas-advogados que apostaram em ganhar uma causa perdida fora do processo devido e com desigualdade de armas manifesta e perigosa que deveria ser denunciada pela Ordem dos ditos. Afinal , o Estado de Direito também contende com tal assunto, mas a referida Ordem, neste caso, parece unida no propósito daqueles e daí a impunidade.
Lendo o jornal i de hoje, com página e meia sobre o assunto e citações avulsas do referido acórdão, nada de especial consigo entender sobre a essência da decisão concreta, a não ser algumas considerações espúrias sobre a investigação criminal do MºPº que aparentemente excedem o objecto do recurso e portanto serão inadmissíveis, nesse caso.
A citação do Pe António Vieira concita novas citações do referido padre da Igreja, escritor maior entre os nossos maiores que não são muitos.
Sobre o sal que conserva e tempera, refere o padre-pregador que é o "antídoto da corrupção e a lisonja do gosto; é o preservativo dos preservativos e o sabor dos sabores"-"Sal incorruptionem corporibus, quibus fuerit asperus, imperit et ad omem sensum condit saporis aptissimus est" ( citação tirada da obra Textos Literários Séculos XVII e XVIII, de M. Ema Tarracha Ferreira, editorial Aster , 1966, usado nos então liceus).
Um juiz devia ser o sal da terra, tal como os pregadores o deveriam ser no tempo do Pe Vieira, conforme escreveu. No sermão de Santo António acrescenta: " o efeito do sal é impedir a corrupção; mas quando a terra se vê tão corrupta como está a nossa, havendo tantos nela que tem ofício de sal, qual será, ou qual pode ser a causa desta corrupção", pergunta em retórica de sermão, o referido padre-escritor. "Ou é porque o sal não salga ou porque a terra se não deixa salgar" E depois explica as variantes hipotéticas da inconsequência.
Logo a seguir no mesmo sermão aparece a célebre passagem da pregação aos peixes...e insiste nas propriedades do sal: "haveis de saber, irmãos peixes, que o sal, filho do mar como vós, tem duas propriedades, as quais em vós mesmos se experimentam: conservar o são e preservá-lo para que não se corrompa".
O desembargador ex-candidato à presidência do Benfica e comentador desportivo e de assuntos diversos nas tv´s e medias dispersos, deveria ter lido isto antes de escrever aquilo. E deveria sobretudo ter-se abstido de relatar o acórdão pelos motivos expostos. Mas não o fez e é agora novamente a estrela mediática do assunto em causa, perante a passividade de quem de direito.
O Correio da Manhã de hoje, jornal que nestes assuntos tem sido uma espécie de sal refinado, apesar de quem o não queira ver, pega no assunto de ontem e comenta assim:
E para aplicar o brocardo ridendo castigat mores, assim:
E sem muito riso, assim:
Por outro lado, para quem quiser entender algo sobre a substância do assunto em jogo, deixo aqui, ipsis verbis et coloris, uma passagem de um acórdão do trib. da Relação do Porto, de 10.2.2010:
Antes
da Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto, que procedeu à 15.ª alteração do
Código de Processo Penal, o processo penal encontrava-se em segredo de
justiça durante a fase de inquérito, pois de acordo com o disposto no
art.86.º, n.º1 do C.P.P. (na redacção da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto)
passava a ser público a partir da decisão instrutória ou, se a
instrução não tivesse lugar, até ao momento em que já não pudesse ser
requerida. O processo era público a partir do requerimento de instrução,
se a instrução fosse requerida apenas pelo arguido e este, no
requerimento, não declarasse que se opunha à publicidade.
Nenhum despacho tinha assim de ser proferido para o inquérito ficar sujeito ao segredo de justiça.
A filosofia subjacente à
publicidade do processo e segredo de justiça mudou radicalmente de
paradigma com as alterações introduzidas ao Código de Processo Penal
pela Lei n.º 48/2007, de 29 de Agosto.
O artigo 86.º do Código de Processo Penal, passou a dispor, designadamente, o seguinte:
« 1- O processo penal é, sob pena de nulidade, público, ressalvadas as excepções previstas na lei.
2- O juiz de instrução pode,
mediante requerimento do arguido, do assistente ou do ofendido e ouvido o
Ministério Público, determinar, por despacho irrecorrível, a sujeição
do processo, durante a fase de inquérito, a segredo de justiça, quando
entenda que a publicidade prejudica os direitos daqueles sujeitos ou
participantes processuais.
3- Sempre que o Ministério
Público entender que os interesses da investigação ou os direitos dos
sujeitos processuais o justifiquem, pode determinar a aplicação ao
processo, durante a fase do inquérito, do segredo de justiça, ficando
essa decisão sujeita a validação pelo juiz de instrução no prazo máximo
de setenta e duas horas.
(…) ».
Deste modo a regra é, agora, a de
que o processo penal é público e o segredo de justiça é a excepção, o
qual vigora apenas durante a fase de inquérito.
O segredo de justiça, que além do
mais serve para proteger a investigação e alguns interesses pessoais
dignos de tutela, designadamente dos suspeitos e dos arguidos, atenta a
presunção de inocência, e ainda das vítimas e de testemunhas, tem
acutalmente lugar:
- quando o arguido, o assistente
ou o ofendido requererem ao Juiz de Instrução a sujeição do inquérito ao
segredo de justiça, por entenderem que a publicidade prejudica os seus
direitos, ( n.º2 do art.86.º ) e o Juiz de Instrução, ouvido o
Ministério Público, assim o decidir, por despacho irrecorrível; ou
- quando o Ministério Público,
entendendo que os interesses da investigação ou os direitos dos sujeitos
processuais o justifiquem, determina a aplicação ao processo, durante a
fase de inquérito, do segredo de justiça, e o Juiz de Instrução , no
prazo máximo de 72 horas, valida a decisão do Ministério Público (n.º3
do art.86).
Da letra do art.86.º, n.º3 do
C.P.P. resulta que o Ministério Público determina a aplicação ao
processo do segredo de justiça “durante a fase de inquérito”.
O inquérito compreende o conjunto
de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar
os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as
provas, em ordem à decisão sobre a acusação ( art.262.º, n.º1 do
C.P.P.).
Como regra, a abertura do
inquérito ocorre com a notícia do crime ( art.262.º, n.º2 do C.P.P.) e e
seu encerramento pelo Ministério Público deve ocorrer nos prazos
máximos indicados no art.276.º do C.P.P. que estatui, designadamente, o
seguinte:
« 1. O Ministério Público encerra o
inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação, nos prazos máximos de
seis meses, se houver arguidos presos ou sob obrigação de permanência na
habitação, ou de oito meses, se os não houver.
(...)
3. Para efeito do disposto nos
números anteriores, o prazo conta-se a partir do momento em que o
inquérito tiver passado a correr contra pessoa determinada ou em que se
tiver verificado a constituição de arguido.
(...) ».
Enquanto no regime processual
anterior o prazo de encerramento do inquérito se contava a partir do
auto de notícia do crime e da abertura do processo, hoje o prazo
conta-se a partir do momento em que o inquérito tiver passado a correr
contra pessoa determinada ou em que se tiver verificado a constituição
de arguido.
Por fim , o art.89.º, n.º 6 do Código de Processo Penal, estatui o seguinte:
« Findos os prazos previstos no
artigo 276.º, o arguido, o assistente e o ofendido podem consultar todos
os elementos de processo que se encontre em segredo de Justiça, salvo
se o Juiz de instrução determinar, a requerimento do Ministério Público,
que o acesso aos autos seja adiado por um período máximo de três meses,
o qual pode ser prorrogado, por uma só vez, quando estiver em causa a
criminalidade a que se referem as alíneas i) a m) do artigo 1.º, e por
um prazo objectivamente indispensável à conclusão da investigação.»
Procedendo a uma análise do art.89.º, n.º6 da Código de Processo Penal, o Prof. Frederico de Lacerda da Costa Pinto ( Publicidade e Segredo na Última Revisão do Código de Processo Penal , Revista do CEJ , 1.º Semestre 2008, Número 9, páginas 7 a 44 )
começa por realçar que a “ a solução do artigo 89.º, n.º 6, foi
construída [ no Anteprojecto e na Proposta de Lei] num contexto em que o
Ministério Público decidia unilateralmente e sem controlo judicial do
acesso ao processo, que ficaria em segredo de justiça enquanto o titular
do inquérito não encerrasse esta fase processual. Portanto, o regime
foi pensado para evitar um prolongamento excesssivo do segredo de
justiça dependente em todos os aspectos de uma única entidade – o que
significava para o arguido a manutenção desse estatuto e para a
assistente a ignorância do que estaria a ser feito, por força do regime
de acesso aos autos. Ora, o regime mudou radicalmente com as alterações
do Parlamento, pelo que a sua função estabilizadora dos diversos
interesses em potencial conflito se encontra agora perdida e em risco de
ser adulterada. No contexto da nova regulação do segredo de justiça e
do acesso aos autos, matéria sujeita a um intenso controlo judicial, o
regime do art.89.º, n.º6, do C.P.P. é razoavelmente desnecessário e gera
mais problemas do que aqueles que resolve, podendo facilmente ser
convertido num instrumento de boicote à investigação criminal.”.
Como modo de ultrapassar os
inconvenientes deste regime – para o que propõe, designadamente, a
criação no art.276.º do C.P.P. de um regime de suspensão de contagem do
prazo do inquérito quando estiverem em causa diligências a executar por
terceiros, que não o Ministério Público ou os órgãos de polícia
criminal, ou declaração de inaplicabilidade do regime à criminalidade
organizada, em especial aos crimes económico-financeiros, à corrupção e à
criminalidade transnacional – o Prof. Frederico de Lacerda da Costa
Pinto defende, num esforço de interpretação conforme ao art.20.º, n.º3
da Constituição, que “ ...numa leitura articulada materialmente com o
interesse público inerente à investigação criminal, o art.89.º, n.º 6,
do CPP não pode permitir o acesso automático aos autos sempre que tal
possa pôr gravemente em causa a investigação, se a sua revelação criar
perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade
dos participantes processuais ou vítimas do crime.”.
Para este efeito invoca a
aplicação analógica do limite do art.194.º, n.º 4, al, b), do C.P.P.,
que estabelece que a fundamentação do despacho que aplicar medidas de
coacção só deve enunciar os indícios probatórios, dando-os a conhecer ao
arguido, se não puser gravemente em causa a investigação, se não
impossibilitar a descoberta da verdade ou a sua revelação não criar
perigo para a vida, integridade física ou psíquica ou para a liberdade
dos participantes processuais ou vítimas do crime.
Adoptando a interpretação
preconizada pelo Prof. Frederico de Lacerda da Costa Pinto, o Tribunal
Constitucional, no seu acórdão n.º 428/2008, de 12 de Agosto de 2008,
decidiu julgar inconstitucional, por violação do art.20.º, n.º3, da
Constituição da República Portuguesa, a interpretação do art.89.º, n.º6,
do Código de Processo Penal, na redacção dada pela Lei n.º 48/2007, de
29 de Agosto, segundo a qual é permitida e não pode ser recusada ao
arguido, antes do encerramento do inquérito a que foi aplicado o segredo
de justiça, a consulta irrestrita de todos os elementos do processo,
neles incluindo dados relativos à reserva de vida privada de outras
pessoas, abrangendo elementos bancários e fiscais sujeitos a segredo
profissional, sem que tenha sido concluida a sua análise em termos de
poder ser apreciado o seu relevo e utilização como prova, ou, pelo
contrário, a sua destruição ou devolução, nos termos do n.º7 do artigo
86.º do Código de Processo Penal.
Em face do exposto, considerando o
regime legal resultante da Lei n.º 48/2007, o Tribunal da Relação
entende que, sendo a regra actualmente a publicidade do inquérito, o
segredo de justiça apenas pode vigorar, com a concordância do Juiz,
durante os prazos estabelecidos na lei para a realização do inquérito;
fora desses prazos o segredo de justiça pode manter-se, a requerimento
do Ministério Público, por um período máximo de 3 meses, que pode ser
prorrogado por uma só vez e, mesmo depois desta prorrogação - numa
exigência de interpretação conforme ao art.20.º, n.º 3, da C.R.P. -
quando o acesso aos autos puser em causa gravemente a investigação, se a
sua revelação criar perigo para a vida, integridade física ou psíquica
ou para a liberdade dos participantes processuais ou vítimas do crime.
Assim, tal como se defende nos
acórdãos da Relação do Porto, citados no despacho recorrido, entendemos
que a determinação de aplicação do segredo de justiça pelo Ministério
Público, nos termos do art.86.º, n.º 3 do C.P.P., deverá ocorrer dentro
dos prazos de duração máxima do inquérito assinalados no art.276.º do
Código de Processo Penal.
Também o pedido do Ministério
Público, de prorrogação do segredo de justiça, deve ser feito antes de
expirado o prazo do inquérito previsto no art.276.º do C.P.P – cfr.
neste sentido, o Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, Univ. Católica Ed., 2007, pág. 258.
Pese embora a direcção do
inquérito caiba ao Ministério Público, assistido pelos órgãos de polícia
criminal ( art.263.º, n.º1, do C.P.P.) e seja ele quem procede à
determinação de aplicação do segredo de justiça (art.86.º, n.º3 do
C.P.P.), incumbe ao Juiz de Instrução a validação dessa determinação de
aplicação do segredo de Justiça.
Sendo a validação, ou não, um acto
decisório do Juiz de Instrução, para este ponderar os interesses que
subjazem ao afastamento da regra da publicidade, terá o Ministério
Público de indicar minimamente as razões pelas quais no caso concreto se
deverá afastar a regra e optar-se pela excepção da sujeição do
inquérito ao segredo de justiça.
Grande postal, José. E deliciosas parábolas que se lembrou pegando-lhes na citação do Padre António Vieira.
ResponderEliminarNão se lê disto nos jornais.
Será isto?
ResponderEliminarhttps://drive.google.com/file/d/0Byq2i93xmND7a3k0WWdUZXlvVGxFdUxid3hwUlNPemJBZ1hN/view?pli=1
Não percebo muito de justiça, mas esta frase cheira-me a esturro. O candidato derrotado ao lugar do Luís Filipe Vieira tentou encalacrar o processo ou é apenas impressão minha?
ResponderEliminar"assim se declarando o fim do segredo de justiça interno desde a data de 15 de Abril de 2015".
Será que também deve muito ao 44? Ou aspira a voos mais altos?
Lembrei-me logo de outro dito do Pe.Ant.Vieira:
"Se nos vendemos tão baratos, porque nos avaliamos tão caros?"
Padre António Vieira
Em qualquer caso, 0 44 já tem o que queria, saber precisamente até quanto descobriram dos seus vícios privados para começar agora a rebater as acusações uma por uma até tornar a pesada pena a que tinha direito numas férias em Évora.
ResponderEliminar"assim se declarando o fim do segredo de justiça interno desde a data de 15 de Abril de 2015".
ResponderEliminarNão me parece que seja isso...
o sal da terra também pode ser o sal gema cuja cristalização é mais antiga
ResponderEliminarno meu longinquo tempo de jovem
o porco (COM LICENÇA DA CONVERSA) ia parcialmente para a salgadeira antes de ser fumado
recuso tentar perceber a lógica do direito
por este não decorre de leis naturais,
as suas são fabricadas pelos politiqueiros de acordo com o seu desejo
muito disto funciona off shore
'e mais não digo, por não saber ...'