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quarta-feira, dezembro 02, 2015

O segredo de justiça como arma de arremesso

Segundo se escreve no Observador:

A defesa de José Sócrates quer que Joana Marques Vidal, procuradora-geral da República, ordene a instauração de um novo inquérito criminal à alegada violação do segredo de justiça, que protege o inquérito que tem o ex-primeiro-ministro como principal arguido pelos crimes de corrupção para ato ilícito, fraude fiscal qualificada e branqueamento de capitais.
O pedido não é novo e os fundamentos muito menos. No requerimento dirigido a Joana Marques Vidal, publicitado esta tarde pela assessoria de imprensa dos advogados João Araújo e Pedro Delile, são invocadas duas informações que já tinham sido noticiadas na comunicação social há várias semanas.
Estão em causa dois documentos subscritos por Paulo Silva, o inspector da Autoridade Tributária de Braga, que está a desempenhar o papel de órgão de investigação criminal na Operação Marquês, e por Carlos Alexandre, juiz de instrução criminal deste caso.

No primeiro caso, trata-se de uma informação colocada nos autos por Paulo Silva a propósito da primeira notícia a relatar a existência da Operação Marquês e da investigação a José Sócrates a partir de provas recolhidas na Operação Monte Branco, publicada na revista Sábado durante o verão de 2014.

 Esta nova investida do inocente excelentíssimo tem origem num facto ocorrido em 31 de Julho de 2014. Este aqui relatado por publicação na revista Sábado:


Foi a partir daqui que o público ficou alertado para a existência de uma investigação autónoma ao antigo primeiro-ministro.
Como agora se sabe, a notícia era verdadeira. Na altura, fiquei com dúvidas e até escrevi que era uma palermice publicar notícias assim, sem grande substância a não ser que fulano estaria a ser investigado.
Constitui isto uma evidência de violação de segredo de justiça? Talvez sim ou talvez não. E terá tal violação provocado danos intraprocessuais, como pretendia o investigador da Autoridade Tributária, Paulo Silva? Talvez sim ou talvez não. Tudo depende em saber o que fizeram os alertados a partir dessa data e se efectivamente já não estariam alertados antes disso.
Só a investigação o pode dizer, se realmente puder. E porque é que o arguido excelentíssimo  e a sua defesa ainda mais excelentíssima  querem agora nova investida investigatória a tão soturna violação do segredo de justiça?

A explicação reside neste parágrafo da notícia, ontem, no Observador:

"Numa informação emotiva, na qual crítica a “imbecilidade” e “deficiência mental”, a “canalhice” e “néscia” de algumas pessoas que terão tido intervenção na investigação, Paulo Silva escreveu que a “divulgação, numa revista semanal, de notícias sobre a matéria em investigação nos presentes autos (…) compromete definitivamente os trabalhos e a estratégia delineada (…), que “em face de todas estas adversidades, a verdade que se procura nunca será alcançada”."

Será mesmo assim? Quem é que ganhou efectivamente com esta violação de segredo de justiça? Teria havido prejuízo efectivo para a investigação?

Vejamos a reacção dos visados ao estranho fenómeno, sempre citando a notícia do Observador:

Paulo Silva solicitou ao procurador Rosário Teixeira, o titular do inquérito, que ele próprio fosse investigado e afirmou que apenas três pessoas poderiam ser responsáveis: o próprio Paulo Silva, o procurador Rosário Teixeira e o juiz Carlos Alexandre:
Descobrir o autor, ou autores (…), não nos parece difícil de apurar, mesmo não sendo um especialista nestas áreas de investigação. De forma direta ou indireta, intencional ou negligente, só poderá haver três responsáveis: eu próprio, como coordenador de investigação por parte do órgão de polícia criminal, o titular do inquérito do MP ou o juiz de instrução criminal do Tribunal Central de Investigação Criminal”
A defesa de José Sócrates cita igualmente um despacho do juiz de instrução Carlos Alexandre no seguimento da informação escrita por Paulo Silva.
Faz suas as apreensões do sr. coordenador da investigação do órgão de polícia criminal e, na medida em que, ‘de forma direta ou indireta, intencional ou negligente, só poderá haver três responsáveis (…) também solicita que a sua atuação nos autos seja investigada, de forma a aquilatar-se a sua atuação o torna um dos responsáveis de tais divulgações”.
Responsáveis não significa o mesmo que culpados, por uma razão que o investigador Paulo Silva deveria saber e evitar assim dar armas a quem as não tinha. Quem deu a notícia à Sábado podia ser mais gente que aquelas três pessoas, pela razão simples de que o processo passou por várias mãos e não era nesse aspecto segredo encerrado em cofre-forte.

Vir para os autos lamentar e ainda dizer que " a verdade que se procura nunca será alcançada" é dar tiros no pé. E ficar com feridas expostas...

Obviamente que estes assuntos são delícias do mar para os advogados excelentíssimos. Estão obviamente a "cagar" para o segredo de justiça porque isso nunca lhes interessou por aí além e até já o disseram alto e bom som, com aquele ar meio alucinado de quem advoga borrifando-se igualmente para os estatutos da sua Ordem.
O que lhes interessa verdadeiramente é a chicana junto dos tais "três responsáveis" cujas armas lhes foram entregues, de mão beijada, por um deles, o referido Paulo Silva. Lamentavelmente. Ingenuamente. Candidamente.

6 comentários:

  1. Abstraindo do caso concreto, não é assim tão difícil salvaguardar o segredo de justiça. Basta apenas vontade de se alterarem os inúmeros procedimentos absurdos que ainda vigoram nos tribunais.
    Aqui há uns anos convenci a titular de um inquérito a dar-me carta livre para tomar todas as medidas que entendesse necessárias para proteger um processo. Resultado: as primeiras notícias só apareceram nos jornais quando o processo foi para instrução. Como não sou especialmente inteligente nem um génio processual, a conclusão óbvia é que, acima de tudo, falta vontade para se eliminarem alguns procedimentos habituais na tramitação e que são porta aberta para as tais violações.

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  2. Huummm...se o processo estiver nas mãos de várias pessoas, ou seja, de investigadores criminais, vulgo OPC ou de inspectores tributários, mais os funcionários dos magistrados e mais cartas rogatórias para traduzir e mais "traslados" e ainda mais isto e aquilo dificilmente se manterá um segredo absoluto.

    Basta que uma dessas pessoas diga qualquer coisa para que se possa saber alguma coisa. E por vezes os jornalistas inventam o que julgam faltar. O famigerado Pedro Guerra do Independente e agora comentador avençado do Benfica era assim. E tenho um caso concreto que se passou em 1998 ou 99, com o caso do sangue contaminado dos hemofilicos.


    Pelo contrário será possível em casos como o Face Oculta em que uma equipa da PJ trabalhou muito perto dos magistrados e foi possível manter um segredo total até o processo transitar para a PGR. Aí, nesse mesmo dia, o segredo foi à vida.

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  3. Nem o pai morre, nam a gente almoça.

    Reversão, a bem da nação.

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  4. Exactamente, José.
    Na sua resposta tocou em diversos "pontos-fracos" e são precisamente essas nesgas de oportunidade que o(s) responsáveis pelo segredo devem acautelar.

    Obviamente que não irei aqui dar o ouro ao bandido mas, dentre os muitos aspectos a ter em consideração, já pensou que, por muito coesa e blindada que uma equipa de investigação seja, é impossível manter um segredo quando o mesmo se encontra "guardado" numa qualquer aplicação informática que é "guardada" sabe-se lá por quem... Food for thought, apenas.

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  5. Juntando essas debilidades inerentes ao sistema que temos e à vontade de comer do jornalismo caseiro, ou pelo menos do Correio da Manhã da Tânia Laranjo, verdadeira palafreneira de uma estrebaria jornalística que não aplaudo,e particularmente em certos assuntos de natureza escandalosa, temos a "tempestade perfeita".

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  6. José, falta aí um terceiro elemento para se formar a "tempestade perfeita" e, pedindo desculpa, vou cometer a maldade de o citar.

    "Os magistrados que se julgam olimpicamente isolados destas coisas são estúpidos ao não perceberem o mal que fazem à magistratura e basta um deles não se dar conta para que todos sofram na pele profissional consequências irremediáveis e piores que a solução que deram ao caso concreto. Quem não entende isto não devia ser juiz."

    O dever de reserva tem uma amplitude tal que chega a ser castrador. Quem não o suporta - ou nem sequer o compreende - e pensa que pode andar com a pilinha de fora a mijar em todas as esquinas que lhe aprouver devia ser eliminado à partida ou logo que o cheiro a amônia se fizesse sentir. Infelizmente, todos conhecemos os resultados brilhantes a que o CEJ e os CS nos habituaram.

    Quanto à estrebaria, confesso não ser apologista ou sequer leitor da mesma (já desde os tempos do pasquim de notícias). Do género, apenas aprecio o Brett 2009 Edition, da Herdade do Arrepiado velho. Neste, o cheiro e o sabor ainda se aproveitam ;)

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