Há pessoas cuja morte nunca imaginamos e Umberto Eco é uma dessas. Na verdade Eco não morreu completamente para a posteridade porque ficam os seus livros que para um leitor é o mais importante. Em entrevista de 1982 à revista francesa Magazine Littéraire, transcrita pelo Jornal de Letras de 14 de Setembro desse ano U.Eco dizia que escrevia para desafiar a morte, para dar filhos ao mundo.
E foi isso que aconteceu, agora. Os filhos ficaram órfãos, mas já são adultos.
Em Setembro de 1982 já tinha ouvido falar do livro O Nome da Rosa mas ainda sem ser em português. Em francês, porque a revista L´Express de 9 de Abril desse ano já tinha publicado duas páginas que me tinham deixado água na boca, para ler o livro que ainda não estava traduzido em Portugal. Tal só aconteceu um par de anos depois.
1982 é o ano do terrorismo de "Carlos", o mentor dos ataques aos atletas judeus em Munique, em 1972. Dez anos antes...
A génese do livro de Eco já havia sido contada naquela entrevista. Eco, um universitário, fizera uma tese de licenciatura sobre a estética de S. Tomás de Aquino e paralelamente interessava-se por Joyce ( cujos primeiros textos serão sobre os princípios tomistas) por se confessar interessado nos problemas da arte e da literatura. Através de Joyce chegou à Idade Média. As seitas heréticas e milenaristas tinham sido ponto de interesse anos antes a propósito de outros estudos . Quando lhe pediram um romance policial, na segunda metade do anos setenta do século que passou, juntou os ingredientes e como já tinha notas tiradas sobre monges, abadias, venenos, Guilherme de Ockam, bibliotecas, o trabalho durou o tempo de se construir uma "cosmologia" tal como aparece no romance saído originalmente em 1980.
O Nome da Rosa nunca mais me saiu da ideia mas foi apenas em Maio de 1984 que o li, precisamente numa edição de bolso da Livre de Poche. Custou 580 escudos numa das então Distrilojas ( Restauradores onde hoje é a Xenon).
Umberto Eco esteve cá nessa altura, na Universidade do Porto, nos primeiros dias de Janeiro de 1984, como se mostra na imagem. Sherolock Holmes e Arséne Lupin, personagens romanescos da minha adolescência e mencionados a propósito desse livro, era fatal interessar-me. A história é simplesmente fascinante, tem vários níveis de leitura e já a li várias vezes, em viagens. Uma vez, há uns anos, fui a Melk, na Áustria só por causa da referência. Tem lá um mosteiro e uma biblioteca, aliás.
Mais tarde, já nos anos noventa descobri um sítio na Internet- Porta Ludovica-mas numa versão anterior e que me captou a atenção e mostrou os níveis possíveis que subjazem no romance de Eco. Fantástico.
O Castel del Monte, lugar real para a ficção do romance fascinava-me, tal como as histórias à volta do romance e que Eco contou numa "Apostila" que foi publicada em Itália e que nunca chegava por cá a tempo.
Foi nesse ano que Eco foi alvo de atenção em Portugal, com entrevista no Expresso e artigo no D.N.
Os livros seguintes de U.Eco tornaram-se interessantes por causa desse romance, mas tal como os amores, o primeiro acaba por se tornar um pouco mais marcante.
ADITAMENTO no dia seguinte:
Comprei o Público para ler as anunciadas três páginas em modo de obituário de Eco.
Alexandra Prado Coelho faz uma resenha em duas páginas da obra de Eco, coisa que qualquer pesquisa no Google consegue obter melhores resultados. Para emoldurar o artigo cita dois universitários portugueses ( Moisés de Lemos Martins, professor de semiótica na UMinho e Maria Teresa Cruz, professora de Ciências de Comunicação na Nova) e ainda o historiador Diogo Ramada Curto.
Esta mania dos jornalistas, para escreverem os seus pequenos ensaios de jornal, falarem com académicos é praga que se espalhou sem remédio à vista. Este "novo-jornalismo" em busca da caução intelectual de uma academia sem relevância conhecida torna-se a antítese do propriamente dito e é coisa significante de uma esterilidade que Eco poderia comentar na Bustina di Minerva da revista italiana L´Espresso, onde escrevia habitualmente uma crónica de página.
Em vez de uma opinião pessoal sobre a obra ou sobre livros, passagens de livros, aspectos particulares e factos novos ou a relembrar, temos depoimentos de académicos cujo interesse é quase nulo e remete para uma aparente incapacidade em escrever na primeira pessoa, tomando sempre o lugar professoral da secretária de madeira de fórmica ao lado do quadro negro da irrelevância intelectual ou prazenteira. São escritos que se tornam "uma seca", semioticamente falando.
Dois outros comentadores- Gustavo Cardoso ( professor do ISCTE-IUL) e António Guerreiro ( sem referência e não me apetece agora procurar no Google) pouco mais adiantam neste modo de escrever sobre Eco.
O tal Guerreiro passa o tempo todo do seu artigo enfatuado a explicar o que fazia Eco segundo ideias que leu algures, porque não se inventam assim. Borges, o argentino que Eco afeiçoava, ao ponto de dar o nome Jorge ao monge fanático e assassino do Nome da Rosa, explicou tal coisa num livro. Aparentemente cita sem mencionar autores e plagia ideias avulsas sem motivo aparente. Não sei para que lhe deram uma página para isto.
Salva-se o escrito daquele Gustavo que conta coisas na primeira pessoa e que devia ser o único que o jornal poderia ter aproveitado.
nunca fui a Stift Melk dos Beneditinos
ResponderEliminarBento de Núrsia era um fora de série
apreciei a Rosa por me interessar pela Idade Médidia e seu desenvolvimento intelectual e científico
depois de viajar com o salmão
li o pêndulo que fotografei no Panteão do Monte de Santa Genoveva em frente da Mairie com o seu lema
'balança, mas não se afunda'
o homem do pêndulo não era físico
por cá estamos no fundo desde que se montou a ditadura do monhé
resta-nos o 'eco duma afronta'
gostava de o encontrar no dia da Ressurreição
Foi um choque quando li.
ResponderEliminarMuito boa homenagem e lembrança, José
E o programazinho na SIC, de que apenas vi uns minutos? O Mortágua terrorista, debitando sentado numa cadeira, apresentado, em legenda, como "operacional" do assalto ao Santa Maria. Fabuloso! Ecos de um regime de controlo e manipulação como nunca o Estado Novo conseguiria... a reinvenção, pura e simples, da linguagem. Nunca mais nos safaremos disto.
ResponderEliminarE os passageiros e tripulantes do Santa Maria não foram sequestrados, mas sim "retidos" durante 2 semanas.
ResponderEliminarA total glamourização destes fdp...
http://www.publico.pt/sociedade/noticia/-1723592
ResponderEliminar“O Salazar não matava, mandava prender. Franco matava mesmo e isso cria uma revolta maior.”
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarao ver a estomagueira de Eco
ResponderEliminarformada a partir dos 40
lembrei-me de recomendar como chegar aos 84 em boas condições
um livro recente que poderia ter escrito
cito de memória
Manuel Pinto Coelho
chegar novo a velho
jornaleiros e profs drs são como a inscrição do Guadalquivir no verão em Sevilha
'solo mierda'
Humberto Eco,
ResponderEliminarUm Homem que fica para a (boa) memória.
Muitos outros serão apenas cinzas.
Boa homenagem do José.