RR:
O antigo ministro da Economia Álvaro Santos Pereira diz que alguns do problemas da economia portuguesa resultaram de fraudes na banca e defende, por isso, que políticos e banqueiros que cometam este tipo de crime devem sentir o peso da justiça.
“É importantíssimo que a justiça assuma as suas responsabilidades e leve até às últimas consequências quem quer que seja no sistema político ou bancário. Que seja responsabilizado e seja preso”, disse Santos Pereira, em entrevista à RTP. “Tem de haver consequências”, enfatizou.
"Fraudes na banca"=prisão. Certo? Nada mais incerto.
Em primeiro lugar é preciso saber com rigor o que são "fraudes na banca" e que o antigo ministro não explica porque dá por assente saber o que é e todos também perceberem da poda, o que evidentemente não é assim.
Desde logo avulta uma questão que não é explicitada: banca pública ou privada? Se for naquela, a administração pode ser responsabilizada por "administração danosa" que é um crime que prevê penas de prisão até cinco anos.
Repenico por isso um postal de 30 de Julho de 2014 sobre a temática, a propósito de uma tomada de posição de Camilo Lourenço, outro voluntarista desta justiça sumária:
O "crime" de "gestão danosa", aparece no Código Penal, sim, mas com outro nome, administração danosa, no artº 235º
Artigo 235.º
Administração danosa
1 - Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras
económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante
em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena
de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias.
2 - A punição não tem lugar se o dano se verificar contra a expectativa fundada do agente.
Para
entender melhor o equívoco deste e outros comentadores
importa esclarecer desde logo que tal crime não se aplica a entidades
privadas, como é o caso do GES/BES, mas apenas a empresas do sector
público ou cooperativo. Desde logo fica de fora, por causa disso e esta
falta de rigor jurídico em quem fala abertamente na tv sobre estes
assuntos, retira credibilidade o que diz.
Tirado daqui, esta parte de um acórdão com uma passagem sobre esse crime.
No que concerne ao
crime de administração danosa p. e p. pelo art. 235.º a lei estabelece
que «Quem, infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras
económicas de uma gestão racional, provocar dano patrimonial importante
em unidade económica do sector público ou cooperativo é punido com pena
de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias».
A conduta típica do crime em causa analisa-se
numa actividade não de execução livre mas «uma combinação do modelo de
execução vinculada e de execução típica. Por um lado, o dano tem de ser
produzido infringindo intencionalmente normas de controlo ou regras
económicas de uma gestão racional; por outro lado, inversamente, tal
pode acontecer sob as formas ou procedimentos mais diversificados» -
Prof. Costa Andrade, Comentário Conimbricense, tomo II , p. 542.
A punição através do art. 235.º do Código Penal
postula uma dupla exigência quanto ao respectivo elemento subjectivo:
em primeira linha a intencionalidade dos factos praticados em violação
das normas de gestão racional e, em segunda linha, a verificação das
consequências desses mesmos factos que têm de ser abrangidas por
qualquer forma de dolo, incluindo o dolo eventual.
Ou seja , a tipicidade do crime de
administração danosa implica «a verificação dolosa não só relativamente
aos factos mas também às consequências» - cfr. Acórdão da Relação de
Coimbra de 10-03-2004 relatado pelo Exm.º Juiz desembargador Dr. Serafim
Alexandre, acessível in www.dgsi.pt .
O crime em causa só é punível a título de
dolo , afastando-se a mera negligência com o fim de «afastar da vida dos
negócios o perigo, ainda muito grande, do medo da responsabilidade» -
Prof. Costa Andrade ob. cit. p. 551.
Já no preâmbulo do Dec. Lei 48/95 de 15 de
Março o legislador estabelecia que:«… Daí que não seja punível o acto
decisório que, pelo jogo combinado de circunstâncias aleatórias provoca
prejuízos, mas só aquelas condutas intencionais que levam à produção de
resultados desastrados. Conceber de modo diferente seria nefasto - as
experiências estão feitas - e obstaria que essas pessoas de melhores e
reconhecidos méritos receassem assumir lugares de chefia naqueles
sectores da vida económica nacional».
O dolo em relação aos actos de violação das
normas de controlo ou regras económicas de uma gestão racional tem de se
traduzir num acto de específica intenção, ou seja de dolo directo,
afastando-se deste modo o dolo necessário e eventual mas também não
sendo exigível um elemento subjectivo da ilicitude.
Trata-se «(…) de um facto congruente no que
toca às relações entre o tipo objectivo e subjectivo, não se fazendo
intervir qualquer intenção de obtenção de vantagem ou produção de
prejuízo (como acontece com o crime de infidelidade, art. 224.º). O dolo
tem de abarcar todos os elementos da factualidade típica. Se em relação
à violação de normas de controlo ou regras económicas se exige uma
específica intenção (que afasta nos termos gerais o dolo eventual) já em
relação ao resultado típico bastará o dolo eventual» - cfr. Prof. Costa
Andrade , ob. cit. p. 552.
Compulsados os factos descritos na acusação
verifica-se que se parte do princípio de que a actuação dos arguidos de
em 4 de Junho de 2004, enquanto membros do Conselho de Administração
deliberaram a aquisição do gerador da F... e adjudicaram a prestação de
serviços de manutenção e abastecimento do mesmo - a partir do Sábado
seguinte - de acordo com a proposta de preço diário de 2073,23 euros,
até que existisse um novo PT no CMP constituiu um acto de violação de
uma gestão racional perante o problema de fornecimento de energia ao
CMP, com a adopção de soluções erradas em detrimento de outras mais
ponderadas, coerentes e económicas.
Mas em relação ao elemento subjectivo não
resulta da acusação que os arguidos tenham actuado com dolo directo em
relação a tais violações; ou seja e em conformidade com o disposto no
art. 14.º , n.º 1 do CPenal , existe dolo directo quando o gente actua
representando um facto que preenche um tipo de crime actua com intenção
de o realizar.
Ou seja, o dolo directo ou de 1.º grau a
realização do facto típico é o fim, i. é o objectivo imediato da acção
do agente sendo irrelevante que este objectivo imediato seja o único
objectivo do agente ou seja um meio para a realização de um outro facto
típico.
Já no dolo necessário a realização do facto
típico não é o objectivo imediato da conduta mas o agente sabe que tal
realização é uma consequência certa, ou quase certa, da sua conduta.
Por fim, o dolo eventual analisa-se em o
agente representar como possível a realização do facto típico e
conformar-se com o risco de a sua conduta vir, efectivamente, a realizar
tal facto - cfr. art. 14.º , n.º 3 do CP.
Cfr. Prof. Taipa de Carvalho , Direito Penal Parte Geral , 2008 p. 325.
Por outro lado,
existe outro crime que lhe pode ser aplicado, ao grupo GES/BES e a quem
actuou em seu nome: o de infidelidade. Assim:
Artigo 224.º
Infidelidade
1 - Quem, tendo-lhe sido confiado, por lei ou por acto jurídico, o
encargo de dispor de interesses patrimoniais alheios ou de os
administrar ou fiscalizar, causar a esses interesses, intencionalmente e
com grave violação dos deveres que lhe incumbem, prejuízo patrimonial
importante é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de
multa.
2 - A tentativa é punível.
3 - O procedimento criminal depende de queixa.
4 - É correspondentemente aplicável o disposto nos n.os 2 e 3 do artigo 206.º e na alínea a) do n.º 1 do artigo 207.º
Mais
uma vez aparece a palavra "intencionalidade" que dificilmente poderá
ser contornada de molde a poder provar-se em audiência a prática de tal
crime.
Portanto, se o antigo ministro estiver a falar de banca privada, relativamente às "fraudes" pode bem repensar o que disse e tentar recentrar o problema noutro género de crimes: falsificação, por exemplo. Ou corrupção. E isso parece que existe, mas não é necessariamente fraude.
Ou será este tipo de "fraudes" a que o antigo ministro queria aludir? Sábado de hoje:
Estas entram no capítulo da administração danosa e também no da corrupção, para além do mais...
entendi que se referia à caixinha de surpresas
ResponderEliminarcujo inquérito vai dar em nada porque vao ser encerrado apesar da opini
ao contrária do TRL
'preto é,
Galinha o fez em Coimbra'
fui fazer e comer o almoço
ResponderEliminarquando pedalava revi parte da entrevista
o entrevistador estava pouco à vontade e só descomprimiu no aperto de mão
monhé exige ser respeitado
E mesmo a "falsificação", mais das vezes, a verificar-se, será como acto instrumental do tipo infidelidade e consequentemente em mero concurso ideal, consumida como elemento doloso da infidelidade. A falsificação como falsidade material na descrição de uma coisa não compreende o tipo formal de crime falsificação de documento ou outras falsificações especiais (daí a burla compreender sempre uma determinada falsificação da realidade, sem autonomia com o tipo "falsificação").
ResponderEliminarA coisa é complexa, contudo não duvido que a prova de elementos de dolo da acção, ainda que eventual, seja conseguida!
Quando ocorra a demonstração de um benefício directo para o agente conseguido com o prejuízo, ou na medida desse prejuízo, da infidelidade, dever-se-ia colocar a hipótese de preenchimento do tipo de burla qualificada previsto no art. 218 n.2 do CP (curioso que as circunstancias elencadas se verificam todas em relação às "grandes burlas" financeiras. Verdadeiros burlões) , com uma reacção penal mais gravosa que os tipos de infidelidade ou insolvência dolosa. O ardil é, precisamente, esse, de o burlão ser infiel!!
Então se formos ver o que é "traição" há de certeza mais uma oportunidade para uma patriótica sociedade de advogados.
ResponderEliminarJustiça da boa só com advogados-juízes "independentes" que por amor à camisola até admitem morrer no posto de trabalho.Só não mostram é o resultado para bom entendedor...