Em leitura desta semana dei conta que o "liberalismo" é assunto de conversa. Acicatado por este fim de texto...
Salvo os irremediavelmente patetas, os portugueses sabem que a liberdade
de “Abril” é, no mínimo, um bocadinho fraudulenta. E sabem que a
“justiça social” é um eufemismo para o controlo da economia por uns
tantos. E sabem que a retórica das “causas” é um projecto de lavagem
cerebral. E sabem que o regime é propriedade de grupos, grupúsculos e
“personalidades”. Simplesmente não querem saber. Os portugueses querem
levar a vidinha sem sobressaltos, maçadas e vergonha na cara, promessas
em que, por exemplo à semelhança de Salazar, a esquerda é exímia.
Falar-lhes de liberalismo é um luxo inútil, uma excentricidade similar a
descrever os méritos do casamento aberto a um membro do Estado
Islâmico. O tipo olha-nos com desprezo, vira costas e regressa à rotina
de cortar cabeças. Os portugueses não cortam cabeças, mas não têm a sua
em grande conta.
...aqui aí vai um comentário:
Com que então a conversa sobre
"liberalismo" é inútil? Pode ser mas também se denota que a conversa
sobre Salazar será uma perfeita inutilidade, sem uso prático nos dias de
hoje. E sobre o Estado Novo ainda menos, pelos vistos e segundo uma expert que escreve no Observador e não tem idade para ter vivido nesse tempo ( Maria João Marques).
O "pensamento" de Salazar está arredado de
qualquer discussão entre opinadores mediáticos com notoriedade porque já
definiram e circunscreveram todo o assunto: para uns é apenas um
fascista, ditador sem direito a consideração intelectual; para outros um
anti-liberal, avesso à liberdade e portanto igualmente sem consideração
intelectual que lhe valha.
Esta confluência de aparentes
antagonismos concilia-se na mesma essência: sectarismo ideológico.
No
caso do "Liberalismo" é mesmo um contra-senso, tendo em conta o proclamado valor da
liberdade individual de pensamento sem barreiras alfandegárias politicamente correctas.
Por isso a primeira questão a colocar é sobre o conceito de Liberalismo. O que é, afinal, em Portugal?
A primeira vez que ouvi falar publicamente de tal ideia estruturada nessa palavra foi já no dealbar do séc. XXI pelo que ficaram de fora algumas décadas em que esta noção contou zero para a discussão política.
No tempo de Marcello Caetano como era percebido este "liberalismo" ? Com muitas reservas e que o mesmo explicou bem, para toda a gente entender numa altura em que a clareza de conceitos era regra geral.
Em 1973 no livro publicado sobre o Quinto Ano de Governo, dizia assim sobre os sistemas políticos e económicos:
Basicamente haveria então duas concepções de vida:
A de um Estado que respeitava o que havia de essencial na liberdade do homem, a sua iniciativa e possibilidade de por via dela adquirir e dispor de bens materiais e melhorar a sua condição e a de um Estado que "tudo concentra e dirige, através de uma rede omnipresente e omnipotente de funcionários à qual estão submetidos ainda que com enganadoras aparências de autonomia".
E não se referia Marcelle Caetano "à anarquia, como exacerbação do liberalismo", como opção, considerando assim de caminho esse liberalismo como uma ideia libertária para além do admissível.
Para Marcello Caetano a Liberdade era necessária na medida em que mantivesse a essência de uma sociedade personalista, "para conservar a dignidade do homem como centro de decisões e senhor dos seus destinos, para empenhar os indivíduos na construção do futuro por suas mãos- e não para deixar o caminho aberto a totalitarismos."
E prossegue que todos estimaríamos estar numa sociedade largamente permissiva, se tal fosse possível, como de facto não era e avisava os que clamavam contra a autoridade do Estado, agitando o espantalho das tendências totalitárias do poder político que tal perigo advinha antes dos movimentos extremistas. E mostrava depois o que eram esses perigos, mencionando em que consistiam as "liberdades fundamentais" :
Uma das preocupações de Caetano era já o Estado Social, "onde a defesa da personalidade se realizará pelo sacrifício de certas exacerbações individualistas em benefício de interesses colectivos" admirava-se que numa época como essa que era então a nossa ainda aparecessem "espartilhados nas casacas de 1820, os liberais a todo o transe".
Ou seja, Marcello Caetano não era liberal, como agora o querem ser os que defendem o Liberalismo a todo o transe...
E porque não era liberal Marcello Caetano? Explicou bem e resumidamente:
"Temos de escolher entre um regime que aumente os princípios da iniciativa individual, da propriedade privada, da liberdade civil- e o comunismo que aniquila a iniciativa, a propriedade e a liberdade dos indivíduos para os substituir pelo domínio tirânico de uma nova classe burocrática. "
Essencialmente era esta a escolha que se deveria fazer. E avisava que não havia terceira via, pois o Socialismo democrático da Internacional Socialista não seria solução na medida em que o comunismo se lhe sobreporia imediatamente e o abafaria.
Foi profética esta previsão porque foi isso que sucedeu nas semanas e meses que se seguiram ao golpe de 25 de Abril de 1974.
Para Marcello Caetano a escolha de regime em 1973 era clara e apresentou-a: ou a Liberdade condicionada do regime que existia ou o totalitarismo comunista à espreita.
Para tal não havia lugar ao liberalismo saído de uma experiência quase libertária e anarquista. Marcello Caetano estava mais próximo de Keynes do que de Hayek, se quisermos.
Porém não era assim tão simplista. Se para Hayek a sociedade era mais complexa do que o cérebro humano, Marcello Caetano compreendia tal fenómeno e temperava as suas opções ideológicas fugindo à planificação científica do socialismo comunista e aceitando a ordem do mercado como uma cataláxia: uma ordem espontânea que se produz através dos actos as pessoas que conformam com as regras jurídicas da propriedade, dos danos e dos contratos. E aceitando por isso o mecanismo dos preços. Ou seja, o que Hayek defendia.
Hayek percebia que o capitalismo é superior ao comunismo porque este se torna ineficaz por não compreender a natureza do processo económico. Marcello Caetano não pensava de modo diverso.
E se esta era a teoria básica, válida ainda hoje, confundir-se-ia o liberalismo económico e social defendido nos anos vindouros com essa situação extremada de laissez faire, laissez passer associada a uma retracção do Estado para redutos ínfimos?
Pois tal denota apenas a opção por métodos de eficácia teorizados e experimentados depois, dentro desse quadro mental de concepções económicas fundamentais.
Quando alguém "sobrepõe a liberdade individual como valor absoluto e superior ao individualismo, racionalidade, progresso, bem comum e paz civil, sociabilidade, poder político limitado e responsável não se anda longe das posições anarquistas", como dizia Marcello Caetano, embora esta citação seja de um livro de 2009 ( Qu´est-ce que le libéralisme? de Catherine Audard).
O "libertarismo" associado ao liberalismo terá surgido com Herbert Spencer, no séc. XIX e ressurgiu na América dos anos sessenta como reacção ao intervencionismo estatal, vindo da escola austríaca, de Roberto Nozick, passando por Mises e Leo Strauss.
Estas ideias vincaram a crítica à redistribuição social-democrata de riqueza para com os mais desfavorecidos, baseada em argumentos radicais acerca da injustiça de tal efeito, com desprezo pelos conceitos da "mão invisível" de Adam Smith ou da "ordem espontânea" de Hayek. Essencialmente, a liberdade das trocas asseguraria a justiça e seria suficiente para tal devendo evitar-se toda a intervenção do Estado nessa tarefa para evitar a limitação das liberdades individuais.
Os direitos de propriedade têm a prioridade sobre os demais e ocupam o seu espaço, particularmente os do Estado Social e das prestações redistributivas em prol dos mais desfavorecidos.
Será este o liberalismo "libertário" que se defende agora, em Portugal? Não acredito...
E se não for, o que será então? O que foi posto em prática pela Thatcher ou por Reagan nos anos de poder anglo-saxónico, com influência da escola de Chicago de Milton Friedman? Esta mutação do liberalismo procurou desfazer os monopólios nas empresas e ao mesmo tempo controlar o poder conquistado pelos sindicatos e corporações, em nome do mercado.
Na prática, a Grã_Bretanha de Thatcher lutou contra os sindicatos e reduziu os impostos na saúde, educação e transportes, incentivando o acesso à propriedade privada, mas não se pode dizer que tenham desmantelado os serviços sociais. Simbolicamente acabou com a distribuição gratuita de leite nas escolas infantis.
Ou seja, o que Thatcher ou Reagan fizeram nos seus países foi o que tínhamos por cá, no tempo de Marcello Caetano, o que não deixa de ser irónico...
Actualmente, o liberalismo nacional não pode deixar de pugnar pela reversão de algumas "conquistas revolucionárias" que ficaram até consagradas constitucionalmente. Nesse aspecto, nós em Portugal estamos 40 anos atrasados em relação a outros estados europeus. E de algum modo em 1974 tendemos para um regime que se aproximava do totalitário de que Marcello Caetano falava.
Se tal não se concretizou deveu-se a vários factores e um deles até foi o de a Internacional Socialista não o ter permitido através dos seus representantes por cá ( PS de Mário Soares).
Portanto os "Liberais" de agora têm tanto que fazer antes de atingir o estádio em que a Grâ-Bretanha se encontrava nos anos oitenta que só nessa altura poderão reivindicar as mesmas medidas tomadas: reduzir o poder dos sindicatos e baixar os impostos. E acabar com algumas "prestações sociais".
Até lá é preciso mudar a Constituição, diminuir o poder do PCP e dos sindicatos que o Arménio Carlos e Mário Nogueira dominam e controlar a loucura exasperada do BE.
Vincar o idealismo liberal antes disso é utopia pura, parece-me. E para o conseguir só vejo um caminho: conhecer o comunismo, o PCP e o BE para denunciar o que são e o que pretendem.
Falar do Estado Novo, de Salazar e de Marcello Caetano é um atout, ou modo de vincar uma diferença ao mesmo tempo que se compreenderá melhor quem somos pelo que fomos, porque ninguém nasce sem raízes. Nem sequer os libertários do liberalismo...
"ninguém nasce sem raízes".
ResponderEliminarViva o Tradicionalismo.