Portugal, Julho de 1973, manifestação de apoio ao Governo de Marcello Caetano, após o regresso de uma visita a Londres, onde foi recebido por manifestações hostis de portugueses, liderados pelos socialistas do sítio e ainda de Mário Soares. Todos contra a guerra no Ultramar que queriam ver acabada o mais rápido possível, para entregar os territórios aos autóctones dos movimentos de libertação que então para nós eram apenas terroristas. Tal como aconteceu depois, a correr e sem cuidar dos interesses das centenas de milhar de portugueses que lá estavam e dos autóctones que queriam outra coisa que não o que tiveram depois: guerra civil e mortos sem conta.
A imagem é da revista Observador de 27.7.1973.
Este Portugal que aqui se manifestava aos milhares e milhares, livremente, desapareceu como por encanto, na semana a seguir ao 25 de Abril de 1974, menos de um ano depois.
Para onde foram politicamente as pessoas que ali estiveram e as demais que não estando davam o apoio ao governo na sua política em relação ao Ultramar, por exemplo?
Como por um passe de mágica desapareceram do espectro político e mediático da época, substituídas precisamente por aquelas pessoas que se manifestaram em Londres, em 1973, contra Marcello Caetano, particularmente os adeptos de Mário Soares.
Como foi isto possível, em tão pouco tempo?
Apenas devido a um fenómeno simples de explicar: propaganda política demasiado eficaz, sem oposição alguma de tomo. Toda a ideologia política, nem sequer organizada e corporizada antes naqueles milhares e milhares de pessoas que se manifestaram em apoio de Marcello Caetano, desapareceu desse espaço, praticamente até hoje, com excepção de pequenos nichos de expressão que nunca se tornaram relevantes politicamente.
Aconteceu a Portugal uma verdadeira Revolução no pensamento político mais básico e muitos dos que apoiavam aquele Marcello Caetano, passaram a apoiar aquele Mário Soares, como o demonstra o resultado das primeiras eleições para a Constituinte, em 1975.
Para entender como é que isto aconteceu, tão de repente, ando aqui há anos a desenterrar memórias registadas em jornais, livros e revistas.
Hoje vão mais dois exemplos.
O primeiro é de O Jornal de 11.4.1986, há cerca de trinta anos. O jornalista Fernando Dacosta, de esquerda e autor dos primeiros livros de divulgação da figura de Salazar e da sua obra, há uns anos, escreveu este artigo de página versando o mesmo tema, mas encostando à direita uma iniciativa chamada de Portugal Século XXI que mais não era do que uma afloração de uma social-democracia que em Portugal se confundia com o "socialismo democrático", ou seja, à margem da direita que a sociedade salazarista representara.
O segundo é uma entrevista de 2004 com José Hermano Saraiva, à revista Focus que dava conta da mesma perplexidade, sem a explicar devidamente, a não ser em comentários sarcásticos inúteis e estéreis.
Apesar de a sociedade portuguesa de 1973 pouco ter a ver, em termos de desenvolvimento económico e até cultural, com a de 1940, os cultores do antifassismo primaríssimo, continuam a olhar para quem defende Salazar e alguns valores do salazarismo, assim, amalgamando o tempo dos anos sessenta e setenta com o dos quarenta e cinquenta, num continuum espaço-temporal que em si mesmo é falso e irreal .
Porque é que tal fenómeno acontece?
Uma explicação possível: o PCP e a esquerda portuguesa conseguiram o feito notável de modificarem a linguagem e os conceitos que os portugueses em geral têm do passado. Este passado foi reescrito por esses esquerdistas e continua a sê-lo, todos os dias nos media.
É só por isso que a sociedade portuguesa deixou de ser o que foi para passar a ser o que nunca poderia ter sido. Curioso...um pequeno grupo de adeptos de uma seita política, ainda por cima, fossilizada num cadáver simbolizado na figura de Lenine, conseguiu modificar toda uma geração de portugueses sem memória a não ser as que inventaram para substituir as antigas, as reais e verdadeiras, por uma parte que foi apenas a dessa seita.
Deve ser fenómeno único e a estudar sociologicamente, com proveito para quem o faça.
Não desapareceu nada: muitos aderiram ao PS, outros ao CDS e ao PSD, e alguns, os menos conhecidos, até mesmo ao PC e à extrema-esquerda. No fim de contas, quem anda atrás de políticos, para os aclamar ou apupar, nunca larga o vício, ou as intenções...
ResponderEliminarContinuamos o povo "do caldo da portaria do convento".
ResponderEliminarNem os "ingredientes" do caldo mudaram...
"Não desapareceu nada: muitos aderiram ao PS, outros ao CDS e ao PSD, e alguns, os menos conhecidos, até mesmo ao PC e à extrema-esquerda"
ResponderEliminarPor isso mesmo é que desapareceu. Substituiram uma ideologia que nem o era de modo tão estruturado quanto isso, por outra que afinal o é um pouco mais, integrando a luta de classes que dantes não era relevante nem existia em modo organizado a não ser no PCP.
Esse fenómeno é que falta explicar de modo coerente e categórico.
Seria preciso perceber quem apoiava Marcello Caetano e dantes Salazar e por que o faziam e porque mudaram subitamente.
Tenho a minha explicação que tento perceber e apresentar aqui com muitas dúvidas e por isso procuro nos registos da época sinais do fenómeno que me ajudem a compreender.
JHS foi demasiadamente benevolente a respeito do zé polvinho
ResponderEliminartodos queriam ser ricos de qualquer maneira
eternamente ódio e inveja
'fi-lo porque qui-lo'
A maior parte das pessoas vai com o rebanho — na neurociência "herding" e até sofremos de um fenómeno de auto-"herding". É por isso que um restaurante cheio lado a lado com um vazio enche mais e o vazio continua às moscas.
ResponderEliminarAlém disso a política no estado novo era coisa paroquial e de recta intenção, já a esquerda entendeu (lá fora) o poder do marketing e da treta (bullshit). Também faltava uma elite fortemente politizada como nos fascismos europeus.
Portanto a maior parte foi como diz o Rui A., muitos mais papistas que o Papa, defendendo exactamente o contrário que defendiam no dia anterior. Para tipos como Mário Soares este prado era verde. Os próprios retornados foram tratados com bastante hostilidade como se fosse tudo culpa deles e a palavra retornado era depreciativa. Um ano antes Portugal era do Minho a Timor.
Chego à conclusão que este povinho tem merecido o que tem e na exacta medida. Nem mais, nem menos.
Caso único? Aconteceu em toda a Europa ocidental. Não esqueçamos que na altura também chamavam fascistas aos governos francês, inglês ou americano.
ResponderEliminarNão foi caso único nesse aspecto.
O domínio sobre a comunicação social permitiu fazer passar a ideia de que o regime anterior estava morto. Aliás, até aqui vão nessa cantiga: que o regime estava morto ou podre ou lá o que era. Portanto, tudo o que se possa relacionar com o anterior também está morto. E isso inclui uma certa ideia que se possa fazer sobre o próprio país.
Um país que, mesmo fraco, queira ser forte - como dizia D. Pedro V -, que seja digno, independente, trabalhador, honesto, é conceito considerado morto. Para além das nossas capacidades.
As pessoas têm vaga ideia de que foi possível outrora, mas não querem celeumas. Resignaram-se a ser isto uma província longínqua do império, adaptaram-se a isto e pronto.
A subsídio-dependência e os partidos-muleta mantêm o pessoal pacífico e, de uma ou outra forma, enquanto for havendo distracções e tal, 'tá-se bem ou menos mal.
Por ora.
Mas a tempestade vêm aí. Já não oferece dúvidas a quem queira ver...
Isso esqueci-me de dizer… mas ia dizer! :)
ResponderEliminarA que tempestade se refere? Coisa interna? Isso no máximo será uma nortada daquelas de levantar guarda-sóis.
"Aliás, até aqui vão nessa cantiga: que o regime estava morto ou podre ou lá o que era. "
ResponderEliminarE estava mesmo. Caiu porque não conseguiu renovar-se na continuidade. E passamos do oito para o oitenta.
Geralmente é o que sucede, mas por cá foi demasiado rápido e é isso que me intriga.
Todo o regime anterior se evaporou, restando apenas meia dúzia de prosélitos, com destaque para o Manuel Maria Múrias e poucos, muito poucos mais.
Até o Franco Nogueira desistiu.
Porém, um regime morto não é o mesmo que tenha ideias mortas, como é o caso do comunismo.
ResponderEliminarO Salazarismo/caetanismo era um regime que carecia de renovação, mas mantendo princípios e valores que poderiam ter subsistido e não substituídos precisamente por aqueles que combatiam.
É essa a questão que permite a interrogação acerca do modo como tal ocorreu.
Não concordo.
ResponderEliminarO regime conseguiu renovar-se na continuidade. Caso contrário, Caetano não teria sido nomeado e ter-se-ia voltado à ditadura militar.
Tudo funcionou como estava previsto dentro da legalidade constitucional.
Mas o contexto da época era de agitação mundial. Fosse qual fosse a modalidade do regime, era coisa que teria de enfrentar-se.
Não vale a pena estar agora aqui a assacar responsabilidades, mas nenhum regime pode renovar-se na continuidade sem continuidade. Ora, a falácia do argumento que o regime não tinha continuidade. é que, na realidade, teve-a até lha tirarem pela força.
Isto é como a guerra que estava perdida mas só se perdeu quando se deu ordem para parar de combater.
Não era questão de regime.
A França tinha um regime plenamente democrático segundo o dogma parlamentar e tal não impediu a revolução colorida original que foi o Maio de 68 e a mudança real de regime que lhe sucedeu.
De resto, morto está este, esta 1ª república maçónica de ideias gastas e obsoletas, requentada no microondas dos fundos sociais europeus...
E dizer que o povo queria democracia é frase feita. Vê-se bem agora o quanto a quer: tanto ou tão pouco que nem pela metade vota e só se alguém lhe pagar a viagem à urna. Se as eleições fossem em dia de trabalho nem 1% ia votar.
Era a moda das revolucinhas como diz o falecido Sombra do regime requentado, aqui:
ResponderEliminarhttp://www.macua.blogs.com/25_de_abril_o_antes_e_o_a/page/28/
Público - Em relação a Timor, a ideia que dá é que o senhor não percebeu bem o que estava ou ia acontecer.
R. - Percebi muito bem e o que percebi é o seguinte: os estudantes timorenses que estavam aqui na universidade foram para lá fazer a sua revoluçãozinha e alguns militares de esquerda também foram para lá criar partidos e fazer a sua revoluçãozinha de esquerda, a época era essa. Nessa altura, quantos partidos de extrema-esquerda tínhamos aqui? Não deitaram fogo à embaixada de Espanha? Os SUV não faziam para aí tropelias de todo o tamanho? Era a época dessas loucuras. Também em Timor houve a apetência do heroísmo barato, do esquerdismo desse tempo.
E diz outras coisas interessantíssimas, como esta:
P. - Há quem defenda que em Angola havia as condições excelentes para haver uma negociação com mais tempo e com paz, porque a guerra estava ganha.
R. - Estava em 25 de Abril, quando as nossas forças davam suporte militar a qualquer actuação política. Mas depois deixaram de dar, aconteceu o mesmo fenómeno de degenerescência, digamos assim, da disciplina militar e da cadeia de comando, rompeu-se a cadeia de comando, rompeu-se a disciplina militar igualmente. E, por outro lado, os movimentos militares também intensificaram os seus ataques para puderem negociar em força. A Unita até praticamente tinha deposto as armas, mas logo a seguir avançou para poder dizer: "Também sou um movimento de libertação."
O regime estava tão morto quanto estava a guerra perdida...
Dizer que o regime estava morto ou que a guerra estava perdida não é nem mais nem menos do que sacudir a água do capote da responsabilidade pelas consequências das "loucuras" cometidas.
ResponderEliminarO regime caiu em 1974. Não em 1968. Em 1974 estava exangue porque não foi possível sequer arranjar um punhado de resistentes aos pindéricos que foram de Santarém ao Terreiro do Paço e aí se armaram em heróis sem disparar um tiro.
ResponderEliminarDepois veio o grande Otelo, vejam lá o cabo de guerra que arranjaram!
Portanto, o regime apodreceu por dentro e não houve quem o revitalizasse.
O fenómeno extraordinário, porém, foi a transformação literalmente da noite para o dia que ocorreu.
O "fascismo" em França era linguagem usada pelo PCF, apenas e tão só. Por aqui foi mais alargado e é essa diferença que importa salientar.
JRF:
ResponderEliminara tempestade vem de fora mas vai causar estragos aqui.
A União Europeia tem os dias contados. Quanto mais não fosse pela saída da Grã-Bretanha que não pode tolerar de maneira alguma uma hegemonia continental. Em saindo, só lhes resta um caminho: deitá-la abaixo.
E não é que seja preciso muito...
Toda a gente está com cagufa pelas eleições francesas, fazendo jus ao Pavlov. A Frente Nacional ao comando da França pode ser a melhor hipótese de a União se desfazer com um mínimo de ordem sem se despenhar catastroficamente - que é o plano dos ingleses, porque não sabem, nem querem saber de fazer de outra forma.
Qualquer um dos outros candidatos não fará mais do que fugir para a frente até à derrocada final.
E isto é só aqui na Europa.
No mais, é bom de ver que as grandes potências estão em movimento. Como grandes "placas tectónicas" geo-estratégicas que são, é fatal que haja sismos...
Eu não acredito nessa da UE ter os dias contados enquanto for melhor para os cidadãos em geral.
ResponderEliminarEnquanto houver essa percepção não haverá mudança. A Le Pen não vai ganhar em França se os franceses perceberem que há quem faça melhor.
Veremos, por isso.
O José continua a ver as coisas com os olhos da altura, parece-me. Continua imerso na narrativa criada para justificar o injustificável.
ResponderEliminarNão haveria de sobra, mas acaso faltavam quadros técnicos ao Estado? Gente competente? Havia degradação da capacidade de governar? Dos serviços públicos?
Que se quere dizer, ao certo, com "estar morto"? Ao Governo faltava capacidade de governar? Se não é isso, então que é? Falta de regeneração? Acaso o Presidente do Conselho não fez nomear os ministros que entendeu, e jovens, por sinal?
Essa morte em retrospectiva anunciada não há quem a concretize. É tal e qual as soluções para a guerra que o Governo nunca teria sido capaz de encontrar mas ninguém sabe concretizar quais seriam...
Atiram-se ao ar umas noções vagas, enfumadas, umas frases feitas, clichés, que se tomam por evidentes mas nunca, em momento algum, são concretizadas por ninguém.
E dizer que não se arranjaram resistentes não é argumento. Para se arranjarem teriam primeiro de perceber o que estava a acontecer, quem o estava a fazer acontecer, etc. Isso não é assim tão fácil. Depois teriam que estar organizados a priori. Só isso levanta logo uma data de problemas.
Não era questão de regime. Um regime parlamentar, com partidos e liberdade e tudo e tudo, teria caído tão ou mais facilmente. Fosse por golpe militar, fosse por revolução colorida. E tê-lo-iam feito cair, se persistisse na defesa do interesse nacional, assim como fizeram cair o francês.
Estar morto é o contrário de estar vivo...ahahaha!
ResponderEliminarMorto, neste caso é um regime não ser capaz de reagir a uma tentativa de derrube tão pífia como foi o levantamento de rancho de 25A.
Foi isso que aliás aprendi nestes últimos anos de pesquisa, aqui.
Morto, neste caso, é ter os quadros técnicos, a estrutura empresarial adequada e com sintomas de renovação e uma organização social que melhorava de dia para dia e mesmo assim, ter acabado como regime de valores que existiam.
O modo como acabou é que se torna estranho porque afinal em Abril de 1974 o regime tinha pés e cabeça para andar mas faltava-lhe o principal: ânimo. O regime tinha perdido o ânimo porque estava num beco, por causa do Ultramar.
E lá vamos nós ter ao mesmo sítio da discussão de sempre,mas para atalhar razões digo já que não deveríamos ter saído a correr como saimos. E para tal era preciso continuar a guerra como estava. Duraria mais uma meia dúzia de anos, mas seria preferível.
Tal não aconteceu, porém, devido à rapidez dos acontecimentos e ao comunismo ter tomados as rédias do novo regime.
E lá vem a pergunta de sempre: como é que isto sucedeu tão rapidamente?
Na Rússia de 1917 houve algo parecido, mas as condições económicas eram muito mais adversas do que nós tínhamos por cá.
Em 28 de Setembro de 1974 viu-se a verdadeira força do regime anterior: exangue. Os comunistas já dominavam aqueles que antes os tinham preso...
A verdadeira questão, para mim, continua a ser esta:
ResponderEliminarPorque é que o comunismo e o esquerdismo marxista-trotskista-maoista-leninista, prevaleceram num país que semanas antes nem podeia ouvir falar abertamente nessas abencerragens?
Que estranha magia ocorreu em Portugal nessa altura?
Foi esse fenómeno que alterou tudo, em Portugal.
ResponderEliminarEm 28 de Setembro os "fassistas" presos, umas dúzias de personalidades ainda ligadas ao antigo regime mas que eram tudo menos fascistas, foram-no por causa desse fenómeno que atira para o fassismo aquelas pessoas que não pensavam como eles e que António Reis definiu muito bem naquele artigo no O Jornal em que diz o que é a "direita". Estupidamente, claro, mas muito linear e simplista.
Tivesse o pensamento de Spínola em "Portugal e o Futuro" persistido e as coisas podiam ter sido outras.
ResponderEliminarMas não, abriram as portas do governo a Cunhal, os militares recusaram-se a continuar a combater, "nem mais um soldado" para a guerra colonial...
Antes do 25 os oficiais de serviço no quartel liam livros de cowboys e tio Patinhas para passar o tempo; depois do 25 todos eram entendidos em socialismo.
O linguajar socialista estava em toda o lado e ninguém queria ficar para trás.
E neste aspecto, o PS deu uma grande ajuda.
O joserui tem toda a razão no que escreveu. E o Muja também. Contràriamente aos bois, o povo só atua em manada.
ResponderEliminar"Para tipos como Mário Soares este prado era verde."
Isto é verdade. O povo era totalmente ignorante quanto às estratégias políticas, às manobras de bastidores da esquerda, às tácticas comunistas e afins. Espertalhão e maladro ao máximo, Soares, com os ensinamentos e as ordens secretas emanadas do outro lado do Atlântico para serem cumpridas uma vez alcançado o poder, sabia perfeitamente como comprar a comunicação social levando-a a apoiá-lo incondicionalmente e para sempre. O mesmo aconteceu com os funcionários públicos e com o povo miúdo. Para tanto bastou serem distribuídos subsídios a rodos por todos eles, tudo feito com os milhões usurpados ao povo, milhões a que ele agora tinha livre acesso e dos quais se ía abastecendo diàriamente para seu gáudio e usufruto, distribuíndo algumas migalhas pelos seus servos. E foi com estes truques sujos, mas também com chantagens, ameaças, saneamentos e subornos e valendo-se de milhares de corruptos e de corruptores, seus homens de mão, que este sabujo conseguiu com a maior das facilidades meter milhões de portugueses na palma de uma única mão.
Não precisamos de ir ao sítio de sempre porque podemos aprofundar mais, penso.
ResponderEliminarA questão do ânimo é relevante. E isso é defeito entranhado.
Falta-nos perseverança, geral e culturalmente falando. Não sei de quando vem isso, mas é tão verdade hoje como era na altura. E tal se constata facilmente e em "auto-crítica" individual.
E acho que isso está relacionado com a famosa capacidade de desenrascar. O desenrascanço é sobretudo útil ao que passa a vida a mudar de planos.
O português, confrontado com dificuldades, e sem que lhe seja imposta disciplina por terceiros, imediatamente procura meios de as não enfrentar. Imediatamente questiona qualquer plano traçado e o vaticina ao fracasso. Depois desenrasca-se como pode. E assim saltita entre soluções mal-amanhadas, achanatadas - incompletas.
Salazar era raro nesse aspecto: tinha perseverança ou, pelo menos, consciência da falta dela. E, portanto, tomava precauções para garantir a disciplina. Estudava-se com dúvida mas, uma vez assente, era para fazer até ao fim - com fé.
Essa era a grande diferença do regime: planeava-se e fazia-se, de fio a pavio.
E é por isso que hoje tudo parece rafeiro e manhoso: nada se leva a cabo, tudo fica como o encontram as primeiras dificuldades, os primeiros contratempos. Por isso derrapam também os orçamentos - não é só corrupção criminosa. Um orçamento é um plano. Não havendo capacidade de cumprir planos...
Com a guerra foi igual. Assim que faltou a fonte de perseverança e disciplina, logo se procurou o desenrascanço para fugir aos contratempos e às dificuldades.
Saber donde vem esta característica, isso é que era trabalho e coisa de alevantado interesse e proveito...
"Antes do 25 os oficiais de serviço no quartel liam livros de cowboys e tio Patinhas para passar o tempo; depois do 25 todos eram entendidos em socialismo.
ResponderEliminarO linguajar socialista estava em toda o lado e ninguém queria ficar para trás.
E neste aspecto, o PS deu uma grande ajuda."
Exactamente, mas o que fez essas gente toda assumir como melhor opção o que antes era vituperado como uma desgraça e uma tragédia?
Marcello Caetano não era parco em declarações a esse propósito nas conversas em família. Então porque deixaram de acreditar no que ele dizia e passaram logo a aceitar as ideias comunistas como boas?
O povo pode ser manada mas também o era em Julho de 1973, sendo assim. Ou seja, o povo, assim vale nada como referência e isso custa-me a aceitar porque nas eleições de 25.4.1975, votaram maioritariamente socialista e social-democrata.
Portanto, não tanto manada quando isso.
O que me espanta é terem abandonado completamente o que era o regime anterior e passado a execrar o mesmo, adoptando a linguagem comunista e socialista.
A mediocridade tomou conta do poder alargado, em Portugal. E a democracia favorece essa mediocridade. Talvez seja mais isso porque como é sabido um rei fraco faz fraca a gente forte.
ResponderEliminarE a característica de um povo ser desenrascado não pode ser alargada como vício generalizado. A disciplina é imposta por cima, e se em cima há os medíocres a mandar, como aconteceu na democracia, o certo é degenerar tudo.
Talvez seja mais isso que o tal famoso desenrascanço...
Pois a questão é mesmo essa.
ResponderEliminarO desenrascanço não é o vício propriamente dito, mas a consequência de ter de se viver com o vício - que é a falta de perseverança.
A falta de perseverança só é defeito em coisas que se realizam e carecem de etapas para se concretizarem.
ResponderEliminarAs ideias comunistas, em Portugal não padeceram desse vício, antes pelo contrário. Perseverantes são eles...
E no final de contas o que movimenta tudo são as ideias. A ideia de igualdade esquerdista, por exemplo, é um cancro que persevera em Portugal há décadas e não há meio de acabar com as metástases.
E tem sido essa ideia a que determina a mediocridade nos que mandam. As eleições escolhem aqueles que a defendem de modo mais eficaz, mantendo uma cerca liberdade.
E como os medíocres sabem disso, temos o Costa a mandar.
Uma observação para o Muja, com quem estou quase sempre de acordo, mas aqui talvez não.
ResponderEliminarEm 25/4/74 ninguém levanta um dedo na defesa do Estado Novo. Isso não diz nada do bando de trambolhos que nos calharam em rifa, mas diz-nos algo sobre o estado anímico de milhões de portugueses: no mínimo indiferença, no máximo hostilidade para com o Estado Novo. Que chegássemos a 74 moralmente desarmados como efectivamente sucedeu é um facto, caso contrário um mínimo de resistência teria necessariamente ocorrido.
E partilho de uma ideia em que o José tem insistido, que não deixa de confirmar as perspectivas pessimistas sobre a natureza humana: em 74 Mário Soares era um tipo profundamente desacreditado ENTRE A OPOSIÇÃO, vide o tal congresso das oposições de Aveiro. Após 74 é retrospectivamente convertido em lutador anti-fascista temerário e clarividente, da esquerda à "direita democrática". O mesmo vale genericamente para um certo socialismo democrático não comunista, que antes de 74 recolhia muito pouco favor. Atenção, não falamos de uma alteração do juízo de pessoas sobre um facto. Trata-se de uma pura e simples reconstrução da história e a sua posterior interiorização a um nível nunca visto.
Miguel D
Os comunistas costumam dizer que basta uma vanguarda revolucionária para a revolução ser possível.
ResponderEliminarBastaria meia dúzia de gente "esclarecida" para arrastar o resto do povo.
E a gente esclarecida andava por aí como toupeiras, como Joaquim Letria que ainda há tempos confirmou ser militante desde a década de 60.
Eu tendo a concordar com o Muja na apreciação do regime vivo. Não resistiu ao levantamento de rancho porque era um regime benévolo e isso foi aproveitado pelos subversivos.
ResponderEliminarPara evitar um 25A era necessária uma purga à moda de Estaline nas "forças àrmadas". Limpar o sebo a Otelos e cia., antes que tivessem tempo de dizer ai. Ora, ao contrário do que os antifassistas por aí obram, o Estado Novo não era violento. Mas a tese que caiu de podre e não sei que mais, é uma tese muito querida à esquerda e de facto retrospectiva.
O regime, com características mais fascistas teria uma milícia de milhares de homens bem doutrinados, prontos para o que desse e viesse. E facilmente se teria defendido o país dos bebedolas que tomaram conta disto, mas não era essa a sua natureza. E a verdade é que a guerra desgasta qualquer regime, ainda para mais em três frentes e contra tudo. -- JRF
Guerra...i.e. terrorismo ! ( hoje é coisa de todos os dias , mas à época...)
ResponderEliminarDe todo o modo , a situação impunha um controle da Informação que por efeito
perverso prejudicou ainda mais o regime : estou convicto de que se tivessem sido reveladas ao País e à comunidade internacional as imagens das barbaridades por lá perpetradas logo no início, p.ex. pela UPA no norte de
Angola ,a compreensão da importância do que estava em jogo e a motivação para resistir teria sido muito maior.( é que , let´s face it , pese embora
o sacrifício heróico de tantos que lá foram ajudar a evitar o pior , o opinião geral que se sentia era de inutilidade do esforço e , numa expressão simplista , contra a " guerra ".
José, siga o meu conselho, deixe os recortes de jornais e leia livros. Deixe de ser pacheco pereira.
ResponderEliminarTudo o que se queira bem feito carece de perseverança porquanto se não pode fazer sem plano ou orientações que se hajam de seguir.
ResponderEliminarA mediocridade é para mim efeito desse aspecto porque sem plano ou orientações só é possível fazer bem o que for fácil; e o que é difícil nunca se acaba. O que é o medíocre, senão o fácil feito e o difícil mal acabado?
A contra-prova tira-se facilmente por quem já tenha trabalhado no estrangeiro: o português, lá, é excelente trabalhador e isso inclui, em particular, os cargos de chefia. O português não só trabalha bem como dirige bem. Está longe de ser medíocre. É para mim efeito da disciplina e perseverança impostas pelo estrangeiro que não sofre do mesmo mal.
Tal como, sob a orientação portuguesa de quem esteja consciente disso - como Salazar -, o português se revela, de uma forma geral, bom trabalhador e chefe competente.
Eu não estou a inventar nada. São múltiplas as referências em discurso à necessidade de se cumprirem os planos traçados. De seguir as orientações que ficaram assentes. A experiência está feita e os resultados conhecidos.
Quanto ao 25 e a defesa do EN ou falta dela.
ResponderEliminarQuem tem o dever de defender o Estado e o Governo são, por assim dizer, os corpos constituídos: Forças Armadas, polícias, etc.
É ingénuo pensar-se que as populações, em poucas horas, se poderiam aperceber da situação, auto-organizarem-se, eventualmente armarem-se, e disporem-se e manobrarem no sentido de obstar à estratégia e táctica dos golpistas dando-lhes, eventualmente, combate.
Não me lembro de uma vez em que isso tenha acontecido nos tempos modernos em Portugal ou na Europa.
Golpes e contra-golpes são dados pelos mesmos corpos constituídos porque são eles quem possui os meios e a técnica para os executar - e já assim é difícil e arriscada empresa. Esperar isso de uma população desenquadrada é, parece-me, ingenuidade.
Poder-se-ia obstar que, se Salazar fosse vivo, a população se revoltaria contra qualquer golpe que o visasse. É bem possível, mas nisso entra o culto da personalidade que, goste-se ou não - e Salazar não gostava - não deixa de ser uma realidade política nos países latinos, pelo menos.
Agora, revoltas para proteger regimes em si é coisa que não me lembro de ver, sejam eles quais forem. Não haverá revolta nenhuma para proteger este, disso podemos estar certos e descansados...
O que se passou depois, nomeadamente no Norte, foi outra coisa - foi revolta da população contra os efeitos que já sentia directamente. Contra o que sentia ameaçar aquilo que prezava e estimava e, até, a sua própria forma de vida.
Não creio que o regime, enquanto regime, pudesse ou devesse ter feito mais para se proteger. Ficou provado que funcionava. Note-se a transição política operada num contexto de guerra prolongada, e tendo em conta a figura política em causa. Não houve a menor perturbação.
Se os tempos fossem outros que não os da moda das revoluções, era bastante provável que as coisas se tivessem passado de outra forma. E, lá está, talvez se tenha, com a preocupação da renovação, subestimado a dificuldade da continuidade, e a firmeza ou perseverança que tal requeria e sempre requer.
Muja,
ResponderEliminar1. Em 25/4/74 amotinam-se uns quantos regimentos da metrópole, maioritariamente constituídos por recrutas sem qualquer experiência de combate. Nas fotos vê-se que muitos nem sabem segurar uma arma. O grosso das Forças Armadas (na metrópole e no Ultramar) não mexe um dedo, o mesmo para a GNR e PSP. Lembro-me de um postal do Dragão em que se citava um militar esquerdista que resumia o apoio ao MFA a 5% da tropa.
2. Em 25/4/74 prendem o Thomaz, o Marcello e mais mais dúzia. Toda a restante classe política do Estado Novo (desde ministros e deputados da Assembleia Nacional a presidentes de câmara), empresários, etc não mexem uma palha, não se organizam, nada niente zero.
Havia uma colapso anímico total em 1974.
Miguel D
O antigo regime era do caraças.Alguém no seu interior o quis deitar abaixo quando resolveram achincalhar o seu esteio mais jovem.E conseguiram-no!
ResponderEliminarAliás modernamente tivemos o Passos a fazer o mesmo.Só para que a oposição lhe ocupasse o lugar.
Vejam com que cuidadinho os que estão no poleiro cuidam dos seus...
O que é que um livro acerca do passado que se viveu pode dizer mais que as notícias?
ResponderEliminarEssa agora- só por ser literatura é mais factual, se calhar. E dá mais status dizer que se lê opiniões muito literárias, em vez dos relatos delas no próprio momento, ainda que os livros se tenham de socorrer dos mesmos relatos. Se o não fizerem inventam.
Eu não percebo este hajapachorra. Será que ele lê e entende o tema do debate?
ResponderEliminarÉ que às vezes (para não dizer sempre) dá ideia que nem sabe de que se está a falar. E depois julga que está a ldiar com parôlos que só sabem ler recortes de jornais e manda-os ler literatura.
Há gente que vive em torres-de-marfim. Não percebem corno da realidade. Mas sabem desconsiderar tudo o que não vive na mesma torre.
Se não tinha idade para entender essa realidade é outra coisa.
ResponderEliminarO José tinha. Viveu-a. Não precisa de ler relatos de outros mais velhos. Recorda os factos pelos jornais porque é aí que o factual é registado.
Nem tinha reparado no comentário do hajapachorra.
ResponderEliminarSó tenho que perguntar que livros terei de ler, sobre estes assuntos.
Já tenho alguns e com sorte pode ser que venha a conhecer mais.
Quanto à temática, terá a ver com sociologia, matéria que não domino.
Mas por isso mesmo é que pergunto...socorrendo-me de factos que leio nos jornais ( e livros) da época e tentando compreender a realidade desse tempo, não apenas à luz da realidade actual mas em diacronia.
Não estou a ver como é possível apreender tal realidade apenas com a leitura de interpretações de "livros", embora tal ajude.
Se um livro me relata factos de 1973 e 74 que ajudam a compreender a mudança súbita operada na sociedade, ou seja, na populaça, agradeço tal contributo.
Os artigos de jornal que aqui coloco referem-se a acontecimentos, relatados por jornalistas.
Quando coloco crónicas ou opiniões, como a de António Reis sobre o conceito de "direita" faço-o para mostrar qual era o entendimento na época ( e agora, embora contraditório) sobre tal conceito.
Para obter a explicação sobre esse entendimento da parte de alguém que era fundador de um partido político terei que saber mais um pouco e os livros ajudam, de facto.
São esses, aliás que procuro ler, a par de outros. A literatura também ajuda, mas apenas aquela que é suficientemente relevante para mostrar a época e as pessoas. Em Portugal, sobre tal matéria há os clássicos do séc. XIX e início do XX, Oliveira Martins e outros Raul Brandão e pouco mais.
Os contemporâneos ( VPV, Rui Ramos, et al) ajudam alguma coisa mas pouco, porque também vivi o tempo dos sessenta e setenta e lembro-me, tendo a minha opinião.
Em tempo de pós-Páscoa, o coro das carpideiras! é caso para perguntar a estes inteligentes/corajosos: onde é que estavam no 25 de Abril?...certamente de cravo na mão!
ResponderEliminarCarlos, carpe diem.
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ResponderEliminarObrigado!
Eu não percebo como o José, sendo um jurista de formação, centre a sua análise na ideologia. Nenhuma ideologia se cumpre.
ResponderEliminarTodas as ideologias nascem por populaças instrumentalizadas
Li só hoje a entrevista ao Prof. José Hermano Saraiva. Gostei imenso. Só não apreciei o elogio que ele faz (nesta altura..., tivesse ele sido entrevistado hoje, por exemplo, e outro galo cantaria). Eu sempre gostei de ouvir este senhor narrar acontecimentos da História de Portugal e não só, nos programas transmitidos pela RTP, com a sabedoria e a facilidade de expressão que lhe eram características. Sem medo das palavras sobre a democracia e deixando bem explícita a imensa admiração por Salazar.
ResponderEliminarGrande português, este ilustre historiador. E um enormíssimo patriota.
"Nenhuma ideologia se cumpre".
ResponderEliminarOra bem. A marxista-leninista-trotskista-maoista-castrista tentou esse cumprimento e essa tentativa é que está em causa.
Em 1974, num número da revista francesa L´Express, salvo o erro apontava-se que a causa do totalitarismo na URSS já estava vertida ideologicamente, em embrião na doutrina de Marx.
A exposição de desigualdades sociais explicadas através da luta de classes entre trabalhadores explorados pelos patrões é uma ideologia simplista que funciona às mil maravilhas em Portugal e não só. Na Venezuela, neste momento é o motor da situação de caos.
Portanto, desprezar a ideologia parece-me um grande erro.