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quinta-feira, junho 22, 2017

Um requisitório eloquente para envergonhar a oligarquia burocrática da desprotecção civil

 24Sapo:

Tiago Magro estava com a família em Vale da Nogueira, Figueiró dos Vinhos, no passado sábado, 17 de Junho. Em cinco minutos tudo mudou, o fogo estava a 100 metros de casa. Estão bem, estão todos bem. Só quando chegaram a Lisboa perceberam que tinham atravessado a fatídica estrada N236 até entrar no IC8. "Por certo por uma questão de minutos", desabafa. Este é o seu relato, na primeira pessoa.
"Agora que já se passaram alguns dias, que as ideias na minha cabeça estão mais claras, e que tive tempo para as passar para palavras, eu que sou um dos muitos engenheiros florestais que nunca tiveram oportunidade de exercer a sua profissão neste País, faço um pequeno relato sobre aquele que foi o maior susto da minha vida, sobre a forma como vivi este dia trágico, e algumas considerações pessoais.
No passado sábado estava com a minha família (a minha mulher Inês, os nossos filhos e os pais e avós da Inês) no lugar de Vale da Nogueira, Vila Facaia, Figueiró dos Vinhos quando, após uma bela sardinhada à hora de almoço, começámos a ver uma coluna de fumo lá bem ao longe (infelizmente, nada de muito estranho para aquelas bandas, basta começar o calor).
A tarde foi correndo sem que nada de anormal se passasse e decidimos ir dar uns mergulhos à praia fluvial do Mosteiro (a cerca de 7 km de casa, em direcção à tal coluna de fumo - que ainda assim se mantinha bem longe), e aí estivemos até cerca das 18h20.
O céu foi ficando carregado com um misto de nuvens e fumo mas, tal como nós, as dezenas de pessoas que ali se divertiam estavam longe de imaginar o que aí vinha, até porque ao longo de toda a tarde não se vira, nem ouvira, um qualquer carro dos bombeiros, jipe da protecção civil, ou da GNR a passar por ali.
Por volta das 19h30, quando já tínhamos a mesa no terraço posta, e estávamos a fazer os grelhados para o jantar, e a nossa maior preocupação eram umas gotas de chuva que caiam do céu e ameaçavam estragar o jantar (a descrição serve apenas para mostrar o nível de alarme que não existia), faltou a luz e começámos a ver que o fumo era cada vez mais denso.
Entretanto enquanto eu e a minha filha Leonor, de 5 anos, fomos até ao cimo da rua e voltámos (cerca de 5 ou 10 minutos), a Inês e os meus sogros decidiram que o melhor seria tirar os miúdos dali porque, sem luz e com aquele fumo no ar, as crianças, principalmente o José de 4 meses, não estavam lá bem. E a Inês começou a arrumar as nossas coisas à pressa...
Quando eu regressei e a Inês me disse que achava melhor irmos embora por causa do fumo, estivemos não mais de 5 minutos em casa a decidir quem ia e para onde, e a acabar de arrumar as coisas, até que abri a porta da rua para começar a colocar as coisas no carro, e ai o cenário tinha-se alterado dramaticamente… Desde um vento ciclónico, até um barulho ensurdecedor, passando por uma chuva de coisas a arder e a cair à porta de casa, e por termos o fogo a cerca de 100 metros, tudo fazia lembrar um filme de terror.
Naquele momento, a questão deixou de ser apenas o "devíamos tirar as crianças daqui" para o “temos de sair todos e já”... 
Felizmente, conseguimos sair com os vários carros e toda a gente, passando pela estrada que eu tinha subido a pé 15 minutos antes, mas que agora tinha fogo de um lado e do outro, e chegar à vila.
Daí, e já depois de nos perdermos uns dos outros, seguimos pelo caminho que nos pareceu melhor rumo a um local seguro, mais uma vez refiro, isto tudo sem NUNCA, em nenhuma altura do dia, vermos um carro dos bombeiros, da protecção civil ou da GNR.
Agora, olhando para o mapa, e ouvindo as notícias dos 47 mortos na estrada que liga Figueiró dos Vinhos a Castanheira de Pera, vejo que o percurso que fizemos foi precisamente o de apanhar a fatídica estrada N236 até entrar no IC8... Felizmente no local/hora em que passámos não havia mais do que fumo no caminho (").
Entretanto, já a caminho de Lisboa, conseguimos finalmente estabelecer contacto telefónico com o meu sogro que estava no outro carro, mas que por ter dado umas voltas na vila, a tentar passar por outro lado, e a ajudar umas pessoas que estavam feridas, já não conseguiu passar por onde nós viemos e ficou retido a meio caminho, num lugar ali perto, com os pais dele, onde ficaram até à chegada dos primeiros bombeiros já depois da meia-noite, e até cerca das 04h00 da manhã, quando tiveram autorização para ir a casa ver o estado em que tudo tinha ficado e vir para Lisboa.
A casa dos avós da Inês, como é toda em cimento salvou-se, "apenas" ardeu toda a envolvente à casa, incluindo o palheiro e a zona dos animais. Já a casa dos tios do meu sogro, pegada parede com parede com a nossa, mas infelizmente feita com vigas e chão em madeira, não resistiu ao fogo e ardeu por completo.
Para ser sincero, só quando estávamos a caminho de Lisboa e ao passar por, seguramente, mais de 30 carros dos bombeiros, mas principalmente quando chegámos a casa por volta da 01h00 da manhã, e nos pusemos a ver as notícias é que nos apercebemos da real dimensão da catástrofe que tínhamos presenciado.
Mas há coisas que me custam a aceitar...
Não acho admissível que os mais altos representantes do país e responsáveis pela proteção civil, venham falar em "fatalidade", dando a entender que não havia nada a fazer, que foi a vontade de Deus.
Não posso aceitar que nos vendam que não há alternativa a vivermos estas situações ano após ano, e logo da boca de alguns dos maiores responsáveis por isto acontecer!
Estes fogos acontecem por causa da desertificação do mundo rural, resultado das políticas que estes senhores seguiram ao longo dos anos.
Estes fogos acontecem porque não existe ordenamento do território.
Estes fogos acontecem porque não existe vontade política em valorizar o 1/3 do território português que é área florestal.
Estes fogos acontecem porque para um pequeno proprietário em Portugal a única forma de tirar algum rendimento do seu terreno é plantando eucalipto.
Estes fogos acontecem porque mais de metade da floresta daquela zona do país é monocultura de eucalipto.
Estes fogos acontecem porque já não existem guardas florestais.
Estes fogos acontecem porque não existe uma política de prevenção de fogos em Portugal.
Estes fogos acontecem porque, aqueles que agora apelam a que se contribua para as corporações de bombeiros, são os responsáveis pelo seu subfinanciamento ao longo dos anos.
Por último não posso deixar de dizer que não acho admissível que se diga que nada naquele dia falhou, é óbvio que alguma coisa falhou e falhou estrondosamente.
Como é que após morrerem 47 pessoas carbonizadas numa estrada deste país a protecção civil diz que nada falhou?
Como é que não foi dado o alerta para que as pessoas saíssem das zonas de perigo atempadamente?
Como é que as estradas não foram cortadas atempadamente?
Como é que quem tinha acesso aos dados meteorológicos que indicavam temperaturas superiores a 40 graus, com trovoada seca, e ventos fortes, e sabendo como o terreno e atmosfera estavam secos, não imaginou que poderiam haver incêndios graves neste dia/zona do país?
Eu que estava de fim de semana, sem ver TV nem ouvir notícias, mas sou engenheiro florestal (embora ao fim de tantos anos, às vezes já nem me lembre disso) podia e se calhar devia, ter-me lembrado disso, mas não é suposto haver uma entidade responsável por manter as populações em segurança?
Porque razão é que, quando se percebeu que o fogo estava descontrolado, não se começou a alertar as pessoas para se retirarem?
Preferia mil vezes estar agora a escrever sobre a forma como me tinham estragado a tarde de praia (fluvial) do que estar com este nó no estômago desde esse fatídico dia…
Tiago José Magro, um Eng. Florestal que nunca exerceu esta profissão, talvez por viver num País que não precisa de ordenamento florestal…"

Do Público de hoje, esta entrevista a alguém que percebe de fogos florestais. O que o mesmo diz não é diverso do que se tem escrito por aqui, uma vez que me parece o senso comum que só não é entendido pelos burocratas da desprotecção civil  e os papagaios da versão pró-governamental que apenas procura sacudir a água de um capote encharcado.




A revista Visão conta uma pequena história de uma sobrevivente da EN236-1 que explica de modo prosaico o que sucedeu: "Nesse fim de dia", o que condiz com outros testemunhos acerca da hora a que tudo se consumou, portanto, depois das 19:00 e do corte do IC8, duas pessoas de Nodeirinho, mãe e filha decidiram sair dali e meteram pela EN236-1,dirigindo-se a Castanheira de Pera. Dizem que não havia fogo  e de repente, durante o percurso que dura dez minutos, entre Figueiró dos Vinhos e Castanheira de Pera, sentiram o carro a abanar e ventos muito fortes. Pensaram em voltar para trás mas não o fizeram. Dizem agora que se o tivessem feito estariam mortas. Quem vinha atrás não teve a mesma sorte e terão sido as últimas pessoas a passar ali, naqueles momentos,  escapando ao fogo assassino.



Vendo a imagem do Google maps que a Visão publica, não se percebe se tomaram o IC8 e desviaram para a EN236-1 ou se entraram directamente nesta vindas por caminhos desde a aldeia onde estavam. A revista podia ter perguntado...mas tudo indica que não.


Entretanto, também da Visão, mais uma achega para mostrar a incompreensão de alguém que é ministra e não percebe ter chegado ao patamar mais elevado do princípio de Peter: "leitura da situação" dos fogos com um mapa em papel...diz o autarca de Mação que teve pena da tal ministra. E é de ter...




26 comentários:

  1. Exacto. O corte da IC8 foi nesse nó que eu coloquei mais abaixo. E tudo aconteceu 7 ks mais à frente- mais altos, na parte alta do local e em estrada estreita e às curvas.

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  2. Fórum TSF do dia
    Pergunta:
    Deve ser criada uma comissão técnica independente para esclarecer o que se passou em Pedrógão Grande?

    Sim 26%
    Não 70%
    Sem opinião (os restantes)

    Há uma grande vontade em demonstrar que a realidade não aconteceu. Está demasiado justificado ou seja, cheira a marosca. É que nem se fica pelos 50%. Sinceramente, não acredito que seja verdade.

    Quando é que o CM faz uma rádio?

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  3. José:

    Como é que a ministra e mailos outros todos chegaram a Pedrógão Grande no dia 17?

    Ela chegou perto da 1 da manhã. Os outros também foi à noite.

    Foram todos de elicóptero?

    É que, se foram pela estrada- pela A1- tiveram de entrar na IC8v para chegarem a Pedrão Grande!

    aqui

    A IC 8 foi cortada mais abaixo e nada teve a ver com a treta de protecção das pessoas mais a este!

    Foi cortada para os carros de bombeiros poderem transitar sem estorvo!

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  4. Toda essa malta viajou pela IC8 que agora dizem ter sido cortada às 7 da tarde.

    Cortada o tanas. Apenas bloqueada num nó fatal que dava acesso às populações daquelas aldeias!

    E foram esses 47 que morreram! Fugindo das aldeias a arder!

    Mais tarde o estadão inteiro continuou a transitar pala IC 8 que agora esse cigano diz ter sido cortada para salvaguarda das pessoas e só a outra N236 é que não houve tempo!

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  5. helicóptero... para o caso.

    O caso é que ou foram de avião ou tiveram de entrar na IC8 para irem a Pedrógão Grande.

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  6. Parece-me que foram de carro e por isso foram pelo IC8. Se for verdade que afinal o IC foi fechado para facilitar o trânsito de veículos especiais, como bombeiros, então estamos pior.

    Mas ninguém esclarece nada. A Oligarquia está em pânico e é bom que esteja.

    Por outro lado, como diz o especialista do Público agora vamos assistir ao 80 depois do 8 minimal e repetitivo: as estradas vão passar a serem todas bloqueadas pelos cabos imbuídos do poder de desviar trânsito e as aldeias evacuadas ao primeiro sinal de alarme de algo que lhes faça lembrar Pedrógão.

    Vai ser assim porque é sempre assim com esta canalha que não se demite nem é demitida.

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  7. Numa oligarquia só falam os oligarcas e esses têm um medo de morte, agora.

    Por isso o silêncio dos inocentes é total.

    Isto é muito mas muito pior que a Censura do tempo de Salazar.

    Muito pior mesmo.

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  8. Esta mentalidade começou no tempo do manhoso de Boliqueime.

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  9. Não estão nada em pânico, nem têm medo nenhum. Mas claro que estão a tentar não se queimar.

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  10. Bem pior que no tempo do Salazar. Nessa altura sabíamos com quê contávamos. Com a esquerdalha no poder, funcionamcomo os comissários políticos. É claro o jornalixo e telelixos a apoiar e a lavar mais branco.
    Merecíamos ter em Portugal um jornal sério e honesto.
    Estes prostitutos, vão deixar assentar a poeira e depois não aconteceu nada.
    É o karma deste povo miserável que não merece mais.
    A revolta é grande

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  11. Têm medo porque tentam controlar os danos e confundir as pessoas. Tal como sucedeu na Casa Pia e os protagonistas são os mesmos.

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  12. Lavem lá a boquinha com sabão. "Pior" que no tempo do Salazar?!

    A mera comparação é insultuosa.

    O Estado Novo não fazia sacrifícios humanos a ídolos.

    Porque isto foi sacrifício humano ao ídolo da democracia.

    Digam lá que não foi.

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  13. "Isto é muito mas muito pior que a Censura do tempo de Salazar. "

    Isto não é o mesmo que dizer que é "Pior" que no tempo do Salazar".

    Para que se compreenda melhor ( e para bom entendedor) significa que houve uma mutação na percepção social, jornalística e política.

    Nesse tempo de Salazar havia uma percepção correcta da Realidade que era escondida nos media da época por efeito da Censura mas nem por isso se tornava desconhecida da maior parte.

    Hoje há uma percepção incorrecta da Realidade por efeito da distorção mediática da mesma, potenciada por uma aparente liberdade de informação que afinal é muito mais condicionada do que naquele tempo de Salazar.

    Basta ler o que alguns indivíduos escrevem aqui, como é o caso do papagaio Ricci.

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  14. O facciosismo massificou-se.

    O cretino que para aqui anda a dizer que nós é que usamos os mortos para efeitos políticos, não se enxerga que ele é que faz isso para ser a voz do dono e defender facciosamente o partido dele.

    Tomam a peito, de uma forma nunca vista no Estado Novo, a defesa dos chefes do Poder por mero facciosismo de luta tribal.

    Para não darem pontos à equipa adversária.

    A realidade que se lixe.
    E em sendo de esquerda é coisa pior porque é sempre uma questão de vida ou de morte a luta contra o fantasma da "Direita" e untam o tribalismo com uma moral rançosa.

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  15. Modificaram a política e associaram-na ao mero clubismo. Uma irracionalidade completa que dantes não existia de todo. Nem sequer do lado do Poder.

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  16. É esse o fenómeno que explica muitos outros, por exemplo, a ausência de verdadeiro combate à corrupção e a escolha dos medíocres para mandar.

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  17. Um papagaio dantes era conhecido como "louro". Agora é mais "loira", com a conotação actualizada. Até nisso se degradou o ambiente.

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  18. Sim, mas até parece que isso é coisa nova... Isso já era assim na 1a República e no final da Monarquia.

    A doutrina do Estado Novo formou-se em reacção a isso - estava-lhe nos fundamentos.

    Tristemente, a verdade é o Estado Novo foi a excepção em, pode dizer-se, centenas de anos.

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  19. E nesse sentido estas pessoas morreram imoladas ao bezerro de ouro democrático. Como as que morreram nos golpes, levantamentos e atentados da 1a República.

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  20. Só não se regressou a este estado de coisas mais cedo, por um lado, porque a ordem imposta e construída durante o Estado Novo e, por outro, o dinheiro despejado pela UE, foram atrasando o processo de degradação.

    Mas isso não podia durar para sempre...

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  21. "Tristemente, a verdade é o Estado Novo foi a excepção em, pode dizer-se, centenas de anos."

    Não sei se assim foi. Não sei se na I Repúblicas as coisas eram como hoje. Acho que não eram. Hoje o fenómeno é mais complexo e vem de fora, dos países protestantes.

    Talvez o Arroja tenha mesmo razão na questiúncula entre católicos e protestantes como factor fundamental e diferenciador.

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  22. Pois é bem capaz de ter. Às vezes penso nisso e o PA deve ter acertado nesse "ovo de Colombo".

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  23. Do que se lê, eram pior; porque havia o facciosismo mas acirrado pela violência que o Estado era incapaz de conter.

    Salazar e Cerejeira foram à missa-protesto contra o encerramento de S. João de Almedina de pistola no bolso.

    Houve a história da carrinha da morte, assassinatos a torto e a direito, combates nas ruas com militares revoltosos.

    Enfim, acho que não há grandes dúvidas. Ainda não chegámos a esse estado de coisas.

    Como estamos hoje parece-me corresponder mais aos últimos tempos da Monarquia em que o facciosismo paralisava a acção do Estado, mas a estabilidade monárquica prevenia ainda a rédea livre dos extremismos e o caos.

    Hoje não temos monarquia mas temos a influência das organizações supra-nacionais, nomeadamente a UE.



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  24. Acho que a hipótese do Arroja não é ovo de colombo mas merece atenção, pois é evidente que é um factor determinante.

    Mas há nuances que parecem sugerir outras causas que antecedem essa: o protestantismo inglês é muito diferente dos da Europa Central. A Inglaterra é a única potência europeia com religião de estado, por exemplo (pelo menos até a Rússia reconhecer oficialmente).

    A meu ver a geografia é o factor principal que condiciona todos os outros, porque não pode alterar-se para a maior parte dos países.

    No nosso caso é manifesto que sofremos todos os inconvenientes do isolamento insular sem nenhuma das vantagens. Espanha é um muro para o bom mas é-o muito menos para o mau.

    E há muitas outras nuances que quem viveu em Inglaterra pôde constatar com olhos de ver: o sistema político é arcaico, como é, aliás, quase tudo o que esteja para além das aparências. Apesar do aspecto moderno, com tudo o que isso implica de bom e mau, por debaixo dessa superfície encontra-se um país praticamente medieval - ao ponto de quase se poder afirmar que assenta ainda na sociedade tripartida.

    A democracia inglesa como modelo universal - eu iria mais longe: como modelo aplicável fora de Inglaterra - é um erro profundo, um equívoco tremendo. É puro culto da aparência.

    Nenhum país europeu tem hoje a estrutura e a longevidade das instituições que permita aplicar esse conjunto de princípios arbitrariamente escolhidos e a que se chamou democracia de forma aproveitável. Nenhum país tem aristocracia senão em nome. Nenhum país tem coroa senão em puro formalismo. Nenhum país é tão rural como a Inglaterra. Nenhum país tem aquelas universidades.

    Nenhum país europeu tem já uma orgânica sequer remotamente semelhante. Todos foram devastados por revoluções sucessivas. A Inglaterra tem interrupções internas há 400 anos.

    A democracia inglesa não pode dissociar-se da Inglaterra. Esse pensamento é tipicamente jacobino e iluminista. E, como tal, desesperantemente estúpido e desastroso - como o comprova a história.






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  25. Os ingleses - a aristocracia inglesa, que é quem manda realmente em Inglaterra - sabe muito bem disso. Mas a promoção de versões contrafeitas do seu próprio sistema deve ter-lhes parecido favorável pois era evidente que enfraqueceria os outros. Não sei se, contas feitas agora, o saldo dessa estratégia é positivo - mais foi-o durante muito tempo.

    Aquelas boutades como a que se atribui a Churchill sobre a democracia ser o menos mau de todos os sistemas deve pôr-se na conta dessa estratégia - Churchill era um aristocrata - e sem perder de vista o cinismo e o sarcasmo típico dessa gente.

    O inglês diz muita coisa que não faz e faz muita coisa que não diz.

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  26. Ou seja, a democracia inglesa é o menos mau de todos os sistemas de escolha do governo inglês que se tentou em Inglaterra (visto que só se tentou outro que foi o que o precedeu).

    Visto assim, que era o que ele queria dizer - o referencial dos ingleses é sempre a Inglaterra, estejam onde estiverem - já não parece uma ideia tão genial quanto isso.

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