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quinta-feira, julho 20, 2017

Pratt é outra louça: tem traço escorreito.

Artigo de Francisco Louçã, no Público de ontem, sobre Corto Maltese e Hugo Pratt.


Este pequeno escrito apedantado do primeiro prócere do BE torna-se pretexto para uma visitação à obra do desenhador Hugo Pratt tal como a conheci quando foi dada a conhecer por cá, no início dos anos setenta do século que passou.
Quem quiser escrever coisas apedantadas sobre Pratt ou Corto Maltese não precisa de ir muito longe e com dois cliques chegará lá depressa, como Louçã chegou. Aliás, não percebo muito bem a razão por que estes eruditos instantâneos, nestas como noutras obras, repetem e copiam informação que recolhem da internet, sem pudor algum e que qualquer pessoa pode consultar do mesmo modo.

Por outro lado, não se dá conta no escrito que a nova aventura de Corto Maltese está a ser publicada na revista francesa de "direita", Le Figaro Magazine, desde o passado dia 8 de Julho, semanalmente. A nova historieta é apresentada por dois "herdeiros" da arte de Hugo Pratt que antes de morrer autorizou a continuação das histórias desenhadas, por outros autores, agora espanhóis, sendo o desenhador Rubén Pellejero que nos anos oitenta colaborou em revistas espanholas de BD, como a Cimoc.



Faz agora, neste mês,  50 anos que Hugo Pratt publicou a sua primeira obra-prima, Una balatta del mare salato, com o herói Corto Maltese, em desenhos publicados em série na então inaugurada revista italiana, de Génova, Sgt Kirk e mais tarde no suplemento de um jornal italiano ( Corriere delle picolle, suplemento do C.d.Sera).
Mas seria Pratt ou Corto Maltese conhecidos em Portugal, nessa altura?  Nem de perto nem de longe. A primeira vez que vi qualquer coisa sobe Pratt e Corto Maltese foi na revista Tintin de 4.11.1972, num artigo assinado por Vasco Granja que reconhecia o desconhecimento injusto, na altura, em Portugal sobre a obra do desenhador italiano.


No artigo mencionava-se o lançamento de uma edição italiana sobre a obra de Pratt, publicada originalmente em 1971 e que actualmente vale centenas de euros no ebay.


Lembro-me de ver este volume à venda numa das livrarias Bertrand, aí pelos anos 1974 ou 75.
Porém, a primeira vez que li uma historieta de Pratt não foi a de Corto Maltese mas sim outra historieta de 45 páginas, publicada na Tintin belga, em 1973 e 1974.
Les Scorpions du désert foi publicada no número de 6 Fevereiro de 1973, logo em 12 páginas iniciais que continuaram depois durante alguns meses, em capítulos que terminaram em 26 de Março de 1974 ( nos números, 6, 9, 21 de 1973 e 11, 12 e 13 de 1974, com 11, 9, 5, 5, 7 e 8 páginas respectivamente). A primeira parte da historieta tinha sido originalmente publicada em 1969 na revista italiana Sgt Kirk, saída em 1967 que durou até 1973 e lugar primeiro da publicação da Una balatta del mare salato. 



O Tintin belga custava nessa altura( 1973)  15$00 ( 30 pesetas em Espanha e 18 francos belgas, na edição original), preço que se manteve até 30.4.1974 em que passou a custar 22$50. Em Outubro de 1974, custava 20 francos belgas, mas por cá tinha aumentado para 25$00 e em Espanha passou a custar 35 pesetas. Coisas do 25 de Abril...


A primeira vez que li uma historieta de Corto Maltese  foi igualmente no Tintin belga, de 9.4.1974 com a historieta antiga, O segredo de Tristan Bantan, em que  aparece logo na primeira imagem a célebre espreguiçadeira sita em lugares exóticos.




  O Tintin belga começou então a publicar as antigas histórias de Pratt, como se fossem novas, a cores suaves e com apresentação gráfica melhorada. Histórias que eu não conhecia e duvido que em Portugal fossem conhecidas nessa altura, a não ser que lessem a revista francesa Pif ( gadjet) destinada a putos e com artefactos associados na capa em saquetas de plástico. Foi no Pif, a partir de 1970 que se publicaram as historietas de Pratt, até 1973. A primeira, no nº 58, em Abril de 1970, 20 páginas de O segredo de Tristan Bantan:



Em 22 de Outubro de 1974, no Tintin belga,  seguiu-se "Por causa de uma gaivota", também já estreada anteriormente, na revista francesa Pif.


A verdadeira e ampla divulgação da obra de Pratt ocorreu no final dos anos setenta e seguintes, com a moda do exotismo romântico que até aí era coisa sem importância mediática.

Em Fevereiro de 1978 apareceu em França a revista (A)Suivre que logo no primeiro número começou a publicar histórias novas de Hugo Pratt e o seu herói de circunstância, Corto Maltese, sempre a preto e branco em tinta da china.
A (A)Suivre pretendia ser uma mistura de banda desenhada com o romanesco, a preto e branco e durante muitos números.

A primeira aventura de  Corto na revista foi uma historieta intitulada "na Sibéria", no Oriente e no tempo dos anos a seguir ao fim da I Guerra.


Porém, tal historieta que se prolongou até Setembro desse ano de 1978, tinha já sido publicada originalmente em Itália, em Junho de 1974 ( até Setembro de 1977)  na revista Linus, outra das paragens gráficas do autor:


 Não obstante, a (A)Suivre foi o paradeiro preferido de Pratt durante anos a fio, até à sua morte em 1995.


 No número 200 de Setembro de 1984 até oferecia um original de Pratt a quem assinasse a revista...que nesse número trazia uma história inédita do "último voo de Saint-Éxupery", em 1944.


Em Janeiro de 1979 publicou a grande história de Pratt e Corto, Fábula de Veneza que tinha sido publicada antes na revista italiana L´Europeo no ano de 1977.


 


E no número final da revista, em Dezembro de 1997, quase vinte anos depois, o obituário de ambos ( Pratt e a revista):


Para a posteridade fica a última imagem dessa revista, na contra-capa do número de Janeiro de 1979:  o mito em preparação, com a publicidade à editora. A BD, Pratt incluído, nunca mais foi a mesma...

 
Em Itália, em Outubro de 1983 surgiu a revista Corto Maltese com um grafismo de qualidade inultrapassável ( os italianos sabem dessa poda) que se dedicou desde esse primeiro número à publicação de autores italianos ( e não só: em Dezembro de 1987 publicou uma história completa de Dieter Lumpen, desenhada por Pellejero, o actual desenhador de Corto) de fumetti, de banda desenhada. Durou quase dez anos, até Julho de 1983 e foi aí que se publicaram as novas aventuras de Corto Maltese e republicaram algumas antigas, geralmente com duas dezenas de páginas, então coloridas em cores suaves, de propósito, como foi o caso, nesse primeiro número, de "O Segredo de Tristan Bantan" ( a primeira e originalmente publicada em 1970 a preto e branco, na revista francesa Pif, onde Pratt publicou até 1973 e como se viu acima republicada no Tintin belga em 1974) ) , a par da publicação, em continuação, da Casa Dourada de Samarcanda. 



E assim se faz um mito  do séc. XX e que veio para ficar. Até o Louçã fala nele...e acho que o bravo Vital também. Heróis de papel...

9 comentários:

  1. não sou adepto da BD
    mas gosto de Tin Tin e Astérix

    li com muito interesse a balada de Pratt no Corrière

    depois o desbaste profissional e rural tiram-me tempo
    apesar de dormir 5h

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  2. Maravilha de compilação. Tive praticamente isso tudo no Tintin e no A Suivre

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  3. Esqueci-me de acrescentar, mas ainda vou a tempo, que só precisei de ir à Net para cologir os documentos ilustrativos das revistas italianas e confirmar as datas de publicação aqui e ali.

    O resto foi trabalho de casa que me deu um gosto especial.

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  4. A Fata Morgana aparece na aventura de Tristan Bantan, logo na primeira página...

    Por coincidência foi esse nome que cheguei a usar para mencionar a Morgado, há uns bons anos atrás ( mais de uma dúzia...ahahaha)

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  5. Bem...a "fata" aparece nas Célticas. Há uma Morgana que aparece nas aventuras brasileiras, mas já não sei se é a mesma...

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  6. Está maravilhosa a compilação. Mesmo para quem não conhece a obra, como eu. Nota-se que é feita com prazer. Como muitas outras que faz. Parabéns.

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