Há
precisamente 50 anos, também um sábado, mais ou menos por esta hora
(17h00) , caía em Lisboa a popularmente chamada chuva "molha tolos".
Persistente num cenário cinzento e normal naquela época do ano. Horas
mais tarde, quando me dirigia para o pavilhão desportivo do Campo de
Ourique para assistir aos jogos de andebol do campeonato regional da I
divisão, já as bátegas eram bastante mais fortes mas ainda longe de algo
de anormal. Entrei no pavilhão para junto da claque do Passos Manuel (o
liceu tinha equipas de andebol que disputavam as provas oficiais da
associação e da federação) e vibrámos com o encontro e o apoiámos
fervorosamente o nosso ALPA.
Findos os
jogos da jornada já para lá da meia-noite, eu e uns amigos fomos até uma
casa de petiscos perto do pavilhão, "Os Passarinhos", e quando de lá
saímos "molhados" com umas canecas de cerveja e uns "piú-piús lá para as
02h00 da madrugada o céu abria-se em cascata e as ruas eram leitos
caudalosos que as sargetas não conseguiam sugar e absorver. A corrente
intensa da Rua João XXI desaguava no Largo do Rato com violência e daí
seguia impetuosa pela Rua de S.Bento.
Chegados ao
Jardim do Príncipe Real, o temporal dispersou-nos e cada um seguiu para
sua casa. Já na cama, no último andar de um prédio na Rua Eduardo
Coelho, ouvia a chuvada bater com estrondo nas telhas e nas vidraças das
janelas. Ao almoço, recordo-me de umas vagas referências a inundações,
mas à tarde saí para ir jogar matraquilhos e bilhar para o Jardim Cinema
e não me recordo de grandes comentários às cheias que por essa altura
já tinham ceifado a vida a centenas de pessoas.
Só me
apercebi verdadeiramente da dimensão da tragédia na segunda-feira, no
Liceu Passos Manuel, onde a rotina das aulas se alterara em função da
mortandade na zona da capital. O reitor, professores, alunos e contínuos
contavam as suas experiências pessoais abertamente, sem receios dos
"bufos" da PIDE que por lá existiam, e que nós sabíamos quem eram, mas
não ligávamos muito a esses personagens porque o Liceu Passos Manuel era
bastante rebelde no seu comportamento perante as autoridades e tanto
andavamos à pedrada com a PSP no largo anexo à igreja das Mercês como
assobiavamos os veículos da GNR que atravessavam a rua em frente ao
edifício escolar para entrarem nas traseiras do quartel dos Paulistas.
Não sei de
quem partiu a iniciativa, mas muito rapidamente os professores começaram
a solicitar aos alunos voluntários para irem ajudar as autoridades nas
zonas afectadas pelas cheias. Penso que quase toda a rapaziada com mais
de 14 anos alinhou imediatamente nessa tarefa. Eu tinha, nessa época, 16
anos e fui com o meu grande amigo (precocemente falecido) Castanheira
para Algés, onde deparámos com um cenário dantesco. Água, lama,
destroços até ao primeiro andar dos prédios na rua da linha dos
eléctricos e na avenida marginal. Chafurdámos por ali durante dias em
caves imundas, recolhendo animais mortos e ajudando a carregar vítimas
embrulhadas em cobertores enlameados para viaturas que seguiam para a
morgue do Instituto de Medicina Legal. Por volta do meio-dia apareciam
umas senhoras que nos davam uma sandes de "qualquer coisa" e uma
gasosa.
Mais que o
silêncio dos mortos incomodava-nos, sobretudo, o pranto do vivos
sobreviventes ou os rostos sem expressáo de quem ficara vazio de bens e
sentimentos.
Leio agora,
passados todos estes anos, que as autoridades abandonaram as vítimas e
quiseram esconder a "maior tragédia em Lisboa desde o terramoto de
1755". É mentira! Eu vi polícias, guardas republicanos, bombeiros,
médicos, enfermeiros, soldados, empregados da Carris, da CP, dos CTT,
estudantes, professores, anónimos, todos unidos para livrar a zona de
Lisboa daquele armagedão inesperado.
É óbvio que
existia a Censura, como existe em todos os países que estão em guerra e
Portugal combatia no Ultramar, mas, mesmo com o lápis azul o "Diário de
Lisboa" titulava, como se pode ver na foto acima, "centenas de mortos".
Muitas zonas da cidade eram precárias. É verdade. Mas o maior bairro de
lata da Europa situava-se em Paris, na democrática e evoluída França, e
era habitado por centenas de milhar de ... portugueses.
Como poderia
Salazar esconder do Povo semelhante tragédia se este mesmo Povo fazia
excursões aos milhares para visitarem as zonas atingidas pelo temporal
mortífero. Satisfaziam a curiosidade mas não ajudavam. Nem uma pedrinha
afastavam do caminho. Esconder as cheias de 1967 era como os americanos
esconderem o ataque às torres gémeas, em Nova Iorque. Impossível.
E naquele
tempo não havia o SIRESP nem a imensa frota de veículos dos bombeiros
como a que combateu os fogos de Pedrógão Grande, em Junho, ou de todo o
centro do país, em Outubro, com os trágicos resultados que se conhecem.
Não houve, então, um Presidente da República que, entre lágrimas, beijos
e abraços mentiu aos portugueses, referindo que "foi feito tudo o que
se podia fazer", houve, sim, um Presidente da República que visitou, de
cara fechada, todas as zonas alagadas. Era almirante e chamava-se
Thomaz.
E neste
disputa ditadura-democracia em tempos de luto nacional parece que a
"censura da liberdade" recusa-se a tornar público o capítulo VI do
Relatório dos Incêndios de Pedrógão Grande. Porque será?
Para que se não possa confirmar, que os mortos são bastante mais dos que os oficialmente decretados como mortos, devido ao incêndio.
ResponderEliminarA propósito, que é feito da senhora, que chegou a ir à televisão e disse, que tinha provas de que os mortos atingiam pelo menos o número 95 ?
O lápis vermelho da censura dos comunas é de facto eficiente ...
Conseguiu calá-la ...
Depois dizem que a censura terminou em 25 do 4 ...
não gostava da 2ª rep
ResponderEliminarmas estes filhos da PUTA
são milhões de vezes piores
também morava em Campdórique na Ferreira Borges em frente da falecida Ertilas
o meu vw ghia conseguiu levar-me para casa em segurança com meio metro de altura de água
a que caiu nesse dia faz hoje muita falta
o almirante Thomaz era alguém que não perdia tempo com beijos e 'verborreia frenética'
veja-se o porto 'frumosa estrevaria'
onde me posso inscrever para figurante dos eventos do panças?
Os assalariados dos pasquins, facilmente conseguiriam dúzias destes testemunhos, mas não encontraram ninguém.
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ResponderEliminarTodas las heridas de sus más de mil kilómetros de tronco principal se resumen aquí, a las afueras de Aranjuez. El Tajo, el río más largo de la Península Ibérica, agoniza. Y la sequía, la peor en España de las dos últimas décadas, está dejando más expuestos que nunca sus gigantescos problemas. La imagen en ese punto de Aranjuez lo dice todo: a un lado, el hilo verde y limpio del mermado Tajo; al otro, el negruzco Jarama, con mucho más caudal. Ambos se unen aquí, pero el cauce principal lleva tan poca agua que es incapaz de diluir la contaminación del afluente, que arrastra los desechos de la ciudad de Madrid y su área metropolitana
Muito bom
ResponderEliminar« Segundo a Pordata, entre 2010 e 2016 a tiragem somada de jornais e revistas baixou de 800 mil exemplares para metade. A tendência de queda continua imparável. E o desespero é mau conselheiro»
ResponderEliminaróptimo se falirem todos menos os desportivos que nunca li
ResponderEliminarRogerMac
Á data era oficial de PM no Reg Lanceiros 2 na Ajuda. Logo nessa noite foi toda a gente mobilizada para controlar a seguranças dos Paiois de Lisboa que também conhecíamos. O quartel ficou com o pessoal mínimo e os que sobraram dos paiois foram distribuidos para as localidades dos arredores de Lisboa
A situação só ficou normalizada lá para o final da semana. Claro que há 50 anos o país era muito mais pobre que hoje e os bairros de lata de quem afluía a´capital eram muitos. Como oficial de PM nunca percebi que o governo de então quisesse esconder a tragédia. Nunca percebi qualquer censura. Não sei porquê se levanta agora aquela história . POLITICOS de arremesso ... !!!
A tragédia de 1967 ora abundantemente evocada trouxe ao blog momentos de desespero e revolta. A censura de hoje tem escondido do povo português a tragédia que ocorreu 8 anos depois. Veja-se a propósito o livro QUANDO PORTUGAL ARDEU, de Miguel Carvalho, que seria uma excelente oferta de Natal aos netos dos visitantes deste blog.
ResponderEliminarJoão Pedro
Ò João Pedro, revoltado andas tu mas é com a bicha solitária que apanhaste na Coreia do Norte. E quando descobrires que é mais que uma, 30 ou 40 no mínimo, de outras tantas espécies, vais ficar desesperado!
ResponderEliminarEu tenho um testemunho estático:
ResponderEliminarNesta aurora democrática já morreram mais portugueses ainda na gestação da gravidez com a promoção de abortos do que aqueles que morreram por catástrofes naturais e guerras do ultramar nos tempos fassistas.
"É óbvio que existia a Censura, como existe em todos os países que estão em guerra"
ResponderEliminarNão havia necessidade desta boçalidade. Por acaso nos EUA quando participaram na II Guerra Mundial também imprensa com lápis azul ?
Ai não?
ResponderEliminarEntão como foi com hibakusha?
Mais, aqui
ResponderEliminarhttps://en.wikipedia.org/wiki/Censorship_in_the_United_States#/media/File:Censored_WPA_poster.jpg
ResponderEliminarPara quem vem para aqui armado aos cágados, bastava uma simples pesquisa na net
ResponderEliminarOffice of Censorship
ResponderEliminar« EL TAJO SUCIO | 2
LA CLOACA DE MADRID
El río es incapaz de diluir todos los residuos urbanos e industriales que le llegan desde sus afluentes »
parece o caneiro de Alcântara da 1ª rep
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ResponderEliminarComo a despesa pública pode asfixiar a nossa autonomia
Jorge Jordão, Presidente da Confederação dos Serviços de Portugal
00:07
Mais despesa pública equivale à perda inevitável de autonomia e liberdade de decisão política.
Temos por hábito prestar mais atenção ao que nos chega de fora do que às vozes que se fazem escutar no país. Por isso, é de esperar que a chamada de atenção feita pela Comissão Europeia ao Governo português, a propósito da proposta de Orçamento do Estado para 2018, encontre o devido eco nos responsáveis pelas nossas finanças públicas.
Bruxelas alerta para o “risco de não cumprimento” das metas estabelecidas no Pacto de Estabilidade e Crescimento devido a um “desvio significativo” no ritmo de ajustamento recomendado pelos responsáveis comunitários e pelo Banco Central Europeu, que continuam a monitorizar as contas nacionais. Os documentos do semestre europeu colocam Portugal num reduzido grupo de países em risco de derrapagem financeira.
Espera-se que a referida advertência seja escutada em São Bento e no Terreiro do Paço. Ao contrário do que se tem vindo a apregoar, o Orçamento do Estado para 2018 não apazigua os mercados nem mobiliza os agentes económicos. Isto, desde logo, porque a nossa dívida tem crescido para patamares alarmantes: em agosto transpôs, pela primeira vez, a barreira dos 250 mil milhões de euros, cifrando-se no mês seguinte em 130,9% do PIB.
Os mais recentes sinais estão ainda longe de ser tranquilizadores. Pelo contrário, o compromisso estabelecido pelo Governo com os seus parceiros da esquerda parlamentar para o descongelamento de carreiras e promoções por antiguidade (não por mérito) na administração pública só pode suscitar preocupação. Só no caso dos professores, prevê-se um acréscimo de despesa da ordem de 650 milhões de euros, em atualização de escalões e salários até 2023, com efeitos permanentes nos próximos exercícios orçamentais
ResponderEliminarÓ Zé Rui olha que não, olha que não...
João Pedro
Eu estou convencido que durante o Estado Novo, o Mundo era um imenso paraíso… censura era cá, bairros de lata era cá, pobres só por cá, analfabetismo era aqui, repressão e violência não havia igual, insegurança, colonialistas e inventores da escravatura, ladroagem e lei do isqueiro.
ResponderEliminarDepois do 25A o Mundo piorou muito…
Mas agora com a "livre circulação" vamos voltar ao antigamente.E ninguém precisa de ir apanhar calor e mosquitos.É só participar na feitura da raça mista a que já estão obrigados os pobres em bairro social multicultural.Embora os ciganos andem a resistir a misturar-se aqueles malandros...
ResponderEliminarClaro que é tudo com subsídio para nossa riqueza...