Depois de ver na comunicação social a lista de, pelo menos, 36 chamadas que terão sido feitas entre o procurador Orlando Figueira e o seu escritório, o advogado Daniel Proença de Carvalho foi consultar os seus “apontamentos” de 2015 e conseguiu perceber de que fala o magistrado que está a ser julgado por corrupção. Nesta quinta-feira, no Campus de Justiça, o advogado, que representa “pontualmente” as empresas do banqueiro Carlos Silva, garantiu que a primeira vez que esteve com ele foi em maio de 2015.
“Tenho 50 anos de advocacia, conheci muita gente, mas, salvo erro, nunca me cruzei com ele. Se alguém me referiu o nome dele, eu não sabia. Na sequência do telefonema dele, recebi-o”, explicou. E acrescentou que em causa estava um contrato de trabalho feito com uma empresa angolana e que não foi cumprido. Pelo que o ajudou a cessar o contrato.
O contrato de que fala, celebrado em 2012 e o motivo para o procurador Orlando Figueira abandonar a magistratura. foi feito com a Primagest. A empresa, garante Proença de Carvalho, desconhecia, mas o seu gestor era um advogado com quem já tinha privado algumas vezes. “Era Manuel António Costa. um advogado de Angola com quem me tinha encontrado em Luanda, numa das viagens com vista a abrir um escritório em Luanda. Ele foi um dos advogados com quem falámos“.
Proença de Carvalho falou com ele e até ficou surpreendido com a abertura do responsável pela Primagest em rescindir os contratos. O advogado explicou que havia consciênca do lado dos angolanos de que havia incumprimento e de que Orlando Figueira teria que ser ressarcido pelo que perdeu. Seguiram-se várias reuniões para articular como tudo se faria. Mas Proença garante nunca foi pago por isso. E que nunca ouviu falar do banqueiro Carlos Silva. “Não fui contratado por ninguém, ninguém me pagou este serviço. Em toda a minha vida fui advogado de vários colegas, em situações mais complicadas, de magistrados. E, por uma questão de princípio, nunca cobrei honorários. Foi um gesto de boa vontade”, garantiu.
A advogada Rita Relógio pediu então ao tribunal para confrontar Proença de Carvalho com as declarações que tem prestado à comunicação social nos últimos meses e em que diz desconhecer estes contratos. “Quando fiz afirmações concretas foi sempre para dizer que não tive conhecimento nem intervenção nas circunstâncias como saiu do MP nem do seu percurso profissional posterior”, disse Proença de Caravalho, explicando que na primeira vez que o contactaram estava no Brasil e que o envolveram numa “série de coisas absolutamente falsas”.
–– Nós somos advogados, lidamos com as palavras, não admite que aí se inclui a revogação do contrato?, perguntou-lhe a advogada Rita Relógio.
— Esqueça a comunicação social. É natural que não conheça o que consta no processo, mas o que existe é que as defesas lhe atribuem alguma responsabildiade, inclusivamente conhecimento de factos. E eu refiro-me a esta questão da negociação do contrato do Dr. Orlando Figueira, que aponta como grande responsável Carlos Silva. Além do mais, existia uma concertação do senhor dr. , em que terá sido aberta uma conta em Andorra e do acordo de revogação do contrato de trabalho em que participou. E que estas três questões nunca poderiam ser abordadas: o seu nome, o de Carlos Silva e Andorra. E é dentro deste quatro que está envolvido e que foi arrolado como testemunha, resumiu o juiz presidente Alfredo Costa.
— Agradeço o esclarecimento e é nesse contexto que me vejo obrigado a fazer estas afirmações perentórias. Desafio alguém que tenha alguma prova em contrário. Não tive nenhum conhecimento sequer…, respondeu Proença de Carvalho.
27 abril 2015. Orlando Figueira liga para o escritório de Proença de Carvalho, fala com uma das secretárias e explica que é advogado, trabalha no Millennium BCP, que era magistrado do Ministério Público em licença sem vencimento e que queria reunir com Proença de Carvalho.
- 5 maio 2015. Proença recebe Orlando Figueira no escritório. Garante que é a primeira vez que o vê. Este diz-lhe que tinha celebrado um contrato com uma empresa angolana e que depois de “um historial de incumprimentos”, queria pôr fim a essa ligação contratutal. O magistrado terá explicado que quem celebrou o contrato foi o advogado Paulo Blanco, com quem tinha cortado relações naquele momento, e Paulo Marques — o advogado que exercia em Angola, que entretanto faleceu e que Orlando Figueira alega em tribunal ser quem ia substituir em Angola. Proença diz que não conhecia a empresa, a Primagest, mas que conhecia o seu administrador, Manuel António Costa, um advogado com quem tinha estado em Luanda quando pensou em abrir lá escritório. Com o contrato e o contrato-promessa nas mãos, Proença contactou-o. Ele mostrou “agrado” em rescindir.
- 25 de maio. Nova reunião. Orlando Figueira diz que vai fazer uma retificação à declaração de rendimentos de 2012 e 2015, porque não tinha declarado os valores que recebera da Primagest às Finanças. Proença achou estranho.
- 28 de maio. Orlando Figueira vai ao escritório e entrega a Proença os documentos com as simulações do que teria que pagar dos impostos. O advogado explica-lhe que se fosse pago directamente pela Primagest, ele também teria que declarar esses valores. Que, na verdade, os contratos celebrados deviam ter sido feitos com valores brutos e não livres de impostos.
- 9 de junho. Manuel António Costa aparece “de surpresa” no escritório de Proença de Carvalho e entrega-lhe as minutas da revogação dos contratos.
- 16 de junho. Manuel António Costa e Orlando Figueira encontram-se no escritório com Proença de Carvalho É o primeiro contacto a três. Há acertos de contas. Orlando Figueria diz que recebeu 7 mil euros em dinheiro. Antes deste encontro, Proença recorda dois telefonemas do magistrado para o escritório.
- 2 de dezembro. nova reunião, depois de um contacto de Orlando Figueira que deixou Proença de Carvalho “surpreendiodo”. Disse-lhe que estava a ser investigado depois de uma queixa anónima contra o advogado Paulo Blanco. Mas que o despacho de arquivamento que tinha feito era “normalissimo” e que o processo se deveria a guerras internas no DCIAP, contra a então diretora Cândida Almeida.
O advogado, que continua a ser ouvido esta tarde, revelou ainda que já depois desse telefonema teve um encontro casual que teve com o magistrado no centro comercial Amoreiras.
— Mas o Dr. Orlando Figueira estava detido [primeiro em prisão preventiva, depois em domiciliária], perguntou-lhe uma das juízas.
— Tenho a certeza que era ele. E cumprimentei-o, respondeu a testemunha.
Da bancada dos arguidos, Orlando Figueira abanou a cabeça negativamente.
Comentário:
Esta situação que ocorreu hoje no tribunal de julgamento do caso Fizz fez-me lembrar o célebre poema de Fernando Pessoa, noutro contexto:
O poeta é um fingidor.
Finge tão completamente
Que chega a fingir que é dor
A dor que deveras sente.
O Observador conta apenas isto que fica transcrito do depoimento, prestado sob juramento e portanto sujeito a sanções penais, criminais, em caso de perjúrio.
Desconheço que perguntas lhe terão sido endereçadas para além das citadas. Acho estranho que não lhe tenham sido perguntadas duas coisas:
A primeira é a razão da sua aparente liberdade de circulação nos corredores ( e gabinetes seleccionados) do DCIAP, segundo já foi testemunhado por uma testemunha qualificada, magistrado nesse local.
A segunda seria sobre a circunstância de conhecer ou não o pai da magistrada Inês Bonina, autora da acusação do MºPº e em que grau de proximidade.
Só estas duas questões e as que surgissem com as respostas.
'-vindo o depoente ...
ResponderEliminar-sr dr juiz eu vinha de nascente'
águas de bacalhau
a pataco
Ahahahah! Agora fez-me rir.
ResponderEliminarTem graça, efectivamente.
Estou a ouvir Frank Zappa em Camarillo Brillo que é uma música desopilante. E rir a seguir é uma continuidade.
ResponderEliminarassunto interessante
ResponderEliminarmaterial para boas séries
Este maquiavel, lá vai aparecendo agora. Pelo menos pode-se ver quem é o advogado disto tudo. Fraca consolação, mas apear de tudo, uma consolação.
ResponderEliminarO procurador acusa-o de mentir… estou chocado!
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