Blasfémias, com perguntas certas e precisas de Telmo Azevedo Fernandes:
Vou fazer como Ricardo Robles e especular. Ele em negócios imobiliários, eu em comentário político.
Se Catarina Martins sabe mais do que diz saber sobre o caso do imóvel de Alfama, a garantia que poderá ter recebido de António Costa de que o PS não hostilizará o Bloco se este se mantiver dentro de níveis bem comportados de crítica ao Governo poderá não ser suficiente para criar um cinturão higiénico em torno da sua liderança.
Embora interessando a Costa não deixar Robles cair da vereação, mantendo-o na grelha mais ou menos acesa conforme for útil, talvez Catarina Martins se veja mesmo obrigada a aceitar a sua demissão para contenção de danos no Bloco.
Bastaria que se viesse a verificar que aquando das declarações que fez sobre o caso e do lançamento da teoria da cabala contra o seu partido Catarina Martins sabia que a intenção de Robles era desenvolver um negócio de alojamento turístico, para a sua própria liderança ser posta em causa. Nesse caso, apesar dos seus olhos azuis, o cordeiro Robles teria de ser sacrificado.
Isto porque além da hipocrisia e amoralidade do Bloco já exaustivamente comentada por estes dias, para além dos aspectos políticos desta novela subsistem algumas dúvidas de outra ordem.
A título de exemplo:
No “business-case” que Robles apresentou à CGD para obtenção do crédito, a finalidade do investimento era a de habitação permanente ou de prédio de rendimento para short-rentals turísticos?
Já que o Bloco que defende o fim do sigilo bancário em situações de políticos sob suspeita, poderá o vereador fornecer cópia da memória descritiva do projecto entregue ao Banco?
Que colaterais apresentou Robles à CGD para o mesmo efeito? Património, avalistas?
A Segurança Social já confirmou oficialmente que a compra do imóvel se fez por apresentação de propostas em carta fechada?
A Segurança Social informou a Câmara Municipal de Lisboa sobre proposta de compra vencedora para eventual exercício do direito de preferência na aquisição por parte do município?
Qual a justificação da Câmara Municipal de Lisboa para não exercer o direito de preferência.
Não configura conflito de interesses a decisão da CML e o facto de Robles ser vereador?
Robles terá transparência suficiente para tornar pública a memória descritiva do projecto submetido à CML para se verificar que a intenção inicial era habitação própria (ou da irmã)?
Como é que a CML despachou aprovações em tempo record quando em situações mais simples de obras em prédios na mesma zona da cidade a espera desespera os proprietários?
Ricardo Robles pode divulgar factura das obras de reabilitação para se verificar se foi cobrado e pago IVA?
Seria também de homem e não de uma patarata se Ricardo Robles, em definitivo, esclarecesse se pretende ou não:
Doar eventuais mais-valias de uma futura venda do imóvel (ou fracções)?
Solicitar reembolso de IMT pelo facto de imóvel se encontrar dentro de ARU-Área de Reabilitação Urbana?
Abdicar de isenção ou redução de IMI por prédio estar na ARU?
Bem sei que Catarina Martins já declarou o caso encerrado, mas apesar de as questões acima não serem exaustivas, a sua liderança partidária poderá ser fortemente afectada pelo menos em parte significativa pelas respectivas respostas e, sobretudo, pelo grau de conhecimento prévio que Catarina tenha tido delas.
ADITAMENTO:
O CM de hoje, 1 de Agosto, publica uma resposta do BE que denota bem o jacobinismo que o infesta: a lei é tudo. Mas sobra uma dúvida: quem fez a avaliação tributária ao imóvel e que critérios seguiu? Foram idênticos aos dos prédios das redondezas? É isso que importa agora indagar e saber, para se contar ao povo e mostrar o que é esta canalha...
...que para já suscita risos, mas é preciso saber mais para se saber se é preciso ir um pouco mais além:
ADITAMENTO em 2.8.2018:
O CM de hoje revela outro pormenor importante para se entender que há porcos mais iguais que outros:
Para a maioria das pessoas isto pode parecer anódino, mas não é. No reino da burocracia jacobina a lei que obriga a uma intervenção de peritos em arqueologia, em casos semelhantes ( construção junto a uma muralha fernandina, no caso) é essencial para se obter qualquer parecer camarário de viabilização de obras.
Aparentemente não foi o caso e o vereador Salgado, um sabidolas antigo, resolveu.
Vai ficar assim e o MºPº vai deixar passar isto em branco?
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terça-feira, julho 31, 2018
segunda-feira, julho 30, 2018
A moral podre da seita comunista
Observador, José Manuel Fernandes ( que se flagela por ter pertencido à seita, nos seus verdes anos, mas não se interroga ou explica porquê...):
Porque será que não fiquei surpreendido nem com os negócios imobiliários de Ricardo Robles, nem com as reacções histriónicas das suas companheiras de partido, que começaram a disparar contra tudo e contra todos enovelando-se em artifícios e mentirinhas?
Não, não foi por acreditar nas suas desculpas esfarrapadas e cheias de contradições que não deixarão de o perseguir nos próximos tempos.
Não fiquei surpreendido por uma razão bem mais simples: porque é da natureza do Bloco e da ideologia que alimenta o Bloco ser assim e actuar assim. É da natureza do Bloco porque está-lhe na massa do sangue ver-se a si mesmo como estando acima dos demais, como sendo a moral do regime. E é da natureza da sua ideologia porque ela vê-se como moralmente superior às demais.
Reparem na reacção de Catarina Martins. As críticas a Ricardo Robles não eram políticas – eram interesseiras, pois apenas visavam defender os interesses das imobiliárias que o Bloco em bloco, e Robles em particular, tão corajosamente têm atacado. E as notícias dos jornais não eram inocentes, muito menos fruto de os jornalistas tratarem de cumprir a sua missão de fiscalização dos titulares de cargos públicas, antes maquinações venais, peças encomendadas e conspirações mal disfarçadas.
Há aqui algum descontrolo emocional que até nos diverte já que, ao menos uma vez na vida, foram os bloquistas a ser apanhados em evidente contrapé, tão fora de mão que nem conseguiram beneficiar da habitual benevolência camaradas de muitas redacções. Contudo esse descontrolo emocional apenas tornou mais evidente a forma de raciocinar do Bloco e dos seus dirigentes.
Primeiro que tudo, Catarina Martins, tal como Ricardo Robles, consideram-se políticos moralmente superiores aos demais. Não há aqui nada de novo, pelo contrário: eles apenas estão na linha da tradição dos radicais de esquerda, dos jacobinos aos comunistas, eles apenas seguem a cartilha de quem, sem tibiezas nem disfarces, assumiu essa condição de estarem acima dos demais: nada menos que o próprio Álvaro Cunhal. Sim, porque foi ele quem escreveu, significativamente em 1974, o ano da revolução, um pequeno opúsculo intitulado A superioridade moral dos comunistas, um texto que é muito útil revisitar pela sua clareza e um desassombro no limite da arrogância.
Para Cunhal, “os comunistas não se distinguem apenas pelos seus elevados objectivos e pela sua acção revolucionária, distinguem-se também pelos seus elevados princípios morais”. Perguntar-se-á: porque são homens melhor do que os outros? Não, como Cunhal tem o cuidado de explicar. Eles são superiores porque “a moral dos comunistas é contrária e superior à moral burguesa”. Eles até podem ter fraquezas, mas estão do lado certo da história, e é isso e só isso que conta para os comunistas e seus aparentados (como são os bloquistas). A superioridade da sua moral deriva de serem, por definição, agentes do bem e mensageiros de um futuro radioso pois, como explicava o dirigente histórico do PCP, essa moral identifica-se com a “natureza, objectivos e missão histórica do proletariado”. O conceito chave aqui é “missão histórica”: é ele que autoriza tudo e justifica tudo.
A argumentação deste livrinho surge-nos numa língua de pau a que já não estamos habituados, mas a sua lógica mantem-se intacta: os radicais de hoje, como os radicais de ontem, vêem-se como moralmente superiores porque acham que lutam por uma sociedade sem classes, porque defendem que “a propriedade é um roubo” (no sábado os bloquistas que foram ao acampamento de juventude tinham um painel dedicado a esse tema, mas suponho que o nosso Robles é capaz de não ter assistido) e entendem que só há uma sociedade decente, que é aquela onde tudo é de todos e nada é de ninguém (o que sempre acabou com o partido e o Estado a serem donos de tudo, mas isso são detalhes).
O paradoxo desta moral é que ela pressupõe que os radicais sejam desprendidos dos bens materiais, e eles acham mesmo que são. Ou, para ser mais exacto, acham que serão no dia em que se realizar a sua utopia. Até lá fazem o que Lenine lhes ensinou: usam tudo o que as nossas sociedades colocam ao seu dispor para atingirem os seus objectivos. Fazem-no na acção política, mas não lhes repugna fazê-lo também nas suas vidas pessoais. Isso não lhes causa qualquer problema de consciência – não causou a Ricardo Robles, como não causa a Varoufakis (no seu apartamento com vista para a Acrópole), como não causa a Pablo Iglesias (feliz na sua vivenda de 650 mil euros), como não causa a todos os políticos do PT brasileiro que “fizeram como os outros” e enriqueceram.
Por isso, repito, nada disto nos devia surpreender. É uma tradição antiga, com raízes na Revolução Francesa e nos jacobinos de 1793, de quem, como escreveu François Furet, o grande historiador desse período, “se esperava que abrissem o caminho à burguesia, mas que nos deram o primeiro exemplo de burgueses que detestam os burgueses em nome de princípios burgueses”. Foi apenas o primeiro exemplo, pois muitos outros se seguiram, como recordou e elencou no seu magistral estudo O Passado de uma Ilusão – Ensaio Sobre a Ideia Comunista no Século XX.
Será possível encontrar melhor encarnação dessa imagem de um burguês que detesta os burgueses do que Ricardo Robles? É difícil, porque na verdade o vereador bloquista se atreveu a ir longe demais no exercício da hipocrisia. Mas, de novo, temos de reconhecer que as evidentes contradições entre o que diz e o que faz possuem antecedentes famosos e, sobretudo, reveladores da doença congénita do radicalismo moralista.
Regresso à Revolução Francesa pois volta a ser nela, e na forma trágica como evoluiu de uma libertação para uma opressão, e desta para o Terror, que encontramos alguns dos males que hoje detectamos no radicalismo “moralmente superior”. Edmund Burke, porventura o mais lúcido crítico dos excessos franceses, não pode por exemplo deixar de notar, na crítica que fez a um dos filósofos que inspirou os radicalismos revolucionários, Jean-Jacques Rousseau, que se tratava de alguém que, ao mesmo tempo que se proclamava ao serviço da Humanidade não tivera sequer a humanidade suficiente para não entregar os seus seis filhos a um orfanato, tendo uma conduta pessoal deplorável. “A lover of his kind, but a hater of his kindred”, escreveu de forma ácida mas certeira, interrogando-se sobre se os homens deveriam ser julgados pelos seus comportamentos reais ou pelas suas grandiosas, e “generosas”, proclamações. Ou seja, identificou um mal que ainda hoje detectamos nos muitos “filhos de Rousseau” que por aí andam – pois é isso que são, mesmo que gostem mais de se ver como “filhos de Marx”.
Na nossa esquerda chique, muito bem representada nas fileiras do Bloco, esta condição é especialmente evidente. O amor que proclamam pela causa dos pobres, ou dos idosos, ou dos doentes do SNS, é sempre um amor tão absoluto e radical que só pode ser um amor “abstracto”. É um amor que por isso mesmo nunca ou quase nunca se traduz em acções desinteressadas de voluntariado, em gestos simples de solidariedade como darem apoio a doentes em cuidados paliativos ou andarem pela cidade a distribuir comida aos sem abrigo. Isso seria corromper o seu amor absoluto porque isso seria “caridadezinha” – para além de que iriam misturar-se com as organizações cristãs de solidariedade social, que abominam.
A nossa esquerda chique está cheia deste tipo de figuras – a que Burke também chamou “filósofos da vaidade” –, mas imagino que nesta fase do meu texto muitos pensem que exagero. Afinal nem todos são como Ricardo Robles, nem todos fizeram, ou tentaram fazer, os negócios em que este se meteu, o que é uma evidência. Afinal os que no Bloco são mais ortodoxos (como Luís Fazenda, o único dirigente bloquista a distanciar-se do vereador lisboeta) sabem que à “superioridade moral dos comunistas” deve corresponder também um mínimo de esforço para seguir a chamada “moral comunista”, e que Robles está a milhas dessa preocupação terrena.
Mas eu, que conheci por dentro estas organizações (por lá andei entre os 15 e os 23 anos, depois curei-me), que li os livros que os inspiraram e inspiram e participei em muitos convívios (na época não lhes chamávamos pomposamente “workshops”) de formação de militantes, identifico nas Catarinas, nas Mortáguas e nos Robles o mesmo sentimento de “superioridade moral” que sempre se respirou nesses meios e que Álvaro Cunhal tão orgulhosamente reivindicou. A diferença é que hoje já se abandonaram palavras como “proletariado” e “luta de classes”, trocando-as por temas mais “urbanos” e preferindo os corredores das universidades às cantinas das fábricas para difundirem a sua doutrina (nisso são muito mais gramscianos do que leninistas). A diferença é que a esquerda chique é mesmo só ideologia e complexo de culpa (pela sua condição burguesa), o que a torna ainda muito mais amoral.
Se não fosse este o ar que o Bloco respira não se tinham unido todos e todas da forma como uniram na defesa do indefensável.
Os comunistas, sejam bloquistas ou ortodoxos, não podem ser de outro modo senão profundamente hipócritas quando defendem a igualdade de todos e a abolição das classes em nome de um ideal utópico e irrealizável. O combustível intelectual para tal é a inveja e por isso a hipocrisia o seu produto natural.
Assim, a moral da seita comunista, com o Bloco à ilharga é profundamente nociva, nutrida a ódio e congruente com a violência física e verbal.
Em 1974, na "superioridade moral dos comunistas", uma pequena tese do mestre Álvaro Cunhal, este defendia o sectarismo moral agarrado ideologicamente ao comunismo.
A seita comunista, para além da superior ideia de organização económica e política, sufraga uma doutrina de mais-valia relativamente à corrente do capitalismo burguês, os seus concorrentes no mercado das ideias.
Neste mercado ideológico, Álvaro Cunhal, Francisco Louçã, a pobre de espírito Catarina Martins ou o espertalhaço Robles estarão sempre do mesmo lado: o dos vendedores especulativos que procuram o lucro das suas ideias, traduzido em votos.
Dantes estavam em barracas de feira, sem condições e com cheiro a mijo. Agora, frequentam os centros comerciais, mas continuam com o fedor inerente.
Mas há mais que eles: o Livre Tavares é outro que frequenta esse mercado, com barraca à parte. Hoje no Público, berra a anunciar o seu produto: Ó fregueses, o meu peixe é o mais fresco!
Porque será que não fiquei surpreendido nem com os negócios imobiliários de Ricardo Robles, nem com as reacções histriónicas das suas companheiras de partido, que começaram a disparar contra tudo e contra todos enovelando-se em artifícios e mentirinhas?
Não, não foi por acreditar nas suas desculpas esfarrapadas e cheias de contradições que não deixarão de o perseguir nos próximos tempos.
Não fiquei surpreendido por uma razão bem mais simples: porque é da natureza do Bloco e da ideologia que alimenta o Bloco ser assim e actuar assim. É da natureza do Bloco porque está-lhe na massa do sangue ver-se a si mesmo como estando acima dos demais, como sendo a moral do regime. E é da natureza da sua ideologia porque ela vê-se como moralmente superior às demais.
Reparem na reacção de Catarina Martins. As críticas a Ricardo Robles não eram políticas – eram interesseiras, pois apenas visavam defender os interesses das imobiliárias que o Bloco em bloco, e Robles em particular, tão corajosamente têm atacado. E as notícias dos jornais não eram inocentes, muito menos fruto de os jornalistas tratarem de cumprir a sua missão de fiscalização dos titulares de cargos públicas, antes maquinações venais, peças encomendadas e conspirações mal disfarçadas.
Há aqui algum descontrolo emocional que até nos diverte já que, ao menos uma vez na vida, foram os bloquistas a ser apanhados em evidente contrapé, tão fora de mão que nem conseguiram beneficiar da habitual benevolência camaradas de muitas redacções. Contudo esse descontrolo emocional apenas tornou mais evidente a forma de raciocinar do Bloco e dos seus dirigentes.
Primeiro que tudo, Catarina Martins, tal como Ricardo Robles, consideram-se políticos moralmente superiores aos demais. Não há aqui nada de novo, pelo contrário: eles apenas estão na linha da tradição dos radicais de esquerda, dos jacobinos aos comunistas, eles apenas seguem a cartilha de quem, sem tibiezas nem disfarces, assumiu essa condição de estarem acima dos demais: nada menos que o próprio Álvaro Cunhal. Sim, porque foi ele quem escreveu, significativamente em 1974, o ano da revolução, um pequeno opúsculo intitulado A superioridade moral dos comunistas, um texto que é muito útil revisitar pela sua clareza e um desassombro no limite da arrogância.
Para Cunhal, “os comunistas não se distinguem apenas pelos seus elevados objectivos e pela sua acção revolucionária, distinguem-se também pelos seus elevados princípios morais”. Perguntar-se-á: porque são homens melhor do que os outros? Não, como Cunhal tem o cuidado de explicar. Eles são superiores porque “a moral dos comunistas é contrária e superior à moral burguesa”. Eles até podem ter fraquezas, mas estão do lado certo da história, e é isso e só isso que conta para os comunistas e seus aparentados (como são os bloquistas). A superioridade da sua moral deriva de serem, por definição, agentes do bem e mensageiros de um futuro radioso pois, como explicava o dirigente histórico do PCP, essa moral identifica-se com a “natureza, objectivos e missão histórica do proletariado”. O conceito chave aqui é “missão histórica”: é ele que autoriza tudo e justifica tudo.
A argumentação deste livrinho surge-nos numa língua de pau a que já não estamos habituados, mas a sua lógica mantem-se intacta: os radicais de hoje, como os radicais de ontem, vêem-se como moralmente superiores porque acham que lutam por uma sociedade sem classes, porque defendem que “a propriedade é um roubo” (no sábado os bloquistas que foram ao acampamento de juventude tinham um painel dedicado a esse tema, mas suponho que o nosso Robles é capaz de não ter assistido) e entendem que só há uma sociedade decente, que é aquela onde tudo é de todos e nada é de ninguém (o que sempre acabou com o partido e o Estado a serem donos de tudo, mas isso são detalhes).
O paradoxo desta moral é que ela pressupõe que os radicais sejam desprendidos dos bens materiais, e eles acham mesmo que são. Ou, para ser mais exacto, acham que serão no dia em que se realizar a sua utopia. Até lá fazem o que Lenine lhes ensinou: usam tudo o que as nossas sociedades colocam ao seu dispor para atingirem os seus objectivos. Fazem-no na acção política, mas não lhes repugna fazê-lo também nas suas vidas pessoais. Isso não lhes causa qualquer problema de consciência – não causou a Ricardo Robles, como não causa a Varoufakis (no seu apartamento com vista para a Acrópole), como não causa a Pablo Iglesias (feliz na sua vivenda de 650 mil euros), como não causa a todos os políticos do PT brasileiro que “fizeram como os outros” e enriqueceram.
Por isso, repito, nada disto nos devia surpreender. É uma tradição antiga, com raízes na Revolução Francesa e nos jacobinos de 1793, de quem, como escreveu François Furet, o grande historiador desse período, “se esperava que abrissem o caminho à burguesia, mas que nos deram o primeiro exemplo de burgueses que detestam os burgueses em nome de princípios burgueses”. Foi apenas o primeiro exemplo, pois muitos outros se seguiram, como recordou e elencou no seu magistral estudo O Passado de uma Ilusão – Ensaio Sobre a Ideia Comunista no Século XX.
Será possível encontrar melhor encarnação dessa imagem de um burguês que detesta os burgueses do que Ricardo Robles? É difícil, porque na verdade o vereador bloquista se atreveu a ir longe demais no exercício da hipocrisia. Mas, de novo, temos de reconhecer que as evidentes contradições entre o que diz e o que faz possuem antecedentes famosos e, sobretudo, reveladores da doença congénita do radicalismo moralista.
Regresso à Revolução Francesa pois volta a ser nela, e na forma trágica como evoluiu de uma libertação para uma opressão, e desta para o Terror, que encontramos alguns dos males que hoje detectamos no radicalismo “moralmente superior”. Edmund Burke, porventura o mais lúcido crítico dos excessos franceses, não pode por exemplo deixar de notar, na crítica que fez a um dos filósofos que inspirou os radicalismos revolucionários, Jean-Jacques Rousseau, que se tratava de alguém que, ao mesmo tempo que se proclamava ao serviço da Humanidade não tivera sequer a humanidade suficiente para não entregar os seus seis filhos a um orfanato, tendo uma conduta pessoal deplorável. “A lover of his kind, but a hater of his kindred”, escreveu de forma ácida mas certeira, interrogando-se sobre se os homens deveriam ser julgados pelos seus comportamentos reais ou pelas suas grandiosas, e “generosas”, proclamações. Ou seja, identificou um mal que ainda hoje detectamos nos muitos “filhos de Rousseau” que por aí andam – pois é isso que são, mesmo que gostem mais de se ver como “filhos de Marx”.
Na nossa esquerda chique, muito bem representada nas fileiras do Bloco, esta condição é especialmente evidente. O amor que proclamam pela causa dos pobres, ou dos idosos, ou dos doentes do SNS, é sempre um amor tão absoluto e radical que só pode ser um amor “abstracto”. É um amor que por isso mesmo nunca ou quase nunca se traduz em acções desinteressadas de voluntariado, em gestos simples de solidariedade como darem apoio a doentes em cuidados paliativos ou andarem pela cidade a distribuir comida aos sem abrigo. Isso seria corromper o seu amor absoluto porque isso seria “caridadezinha” – para além de que iriam misturar-se com as organizações cristãs de solidariedade social, que abominam.
A nossa esquerda chique está cheia deste tipo de figuras – a que Burke também chamou “filósofos da vaidade” –, mas imagino que nesta fase do meu texto muitos pensem que exagero. Afinal nem todos são como Ricardo Robles, nem todos fizeram, ou tentaram fazer, os negócios em que este se meteu, o que é uma evidência. Afinal os que no Bloco são mais ortodoxos (como Luís Fazenda, o único dirigente bloquista a distanciar-se do vereador lisboeta) sabem que à “superioridade moral dos comunistas” deve corresponder também um mínimo de esforço para seguir a chamada “moral comunista”, e que Robles está a milhas dessa preocupação terrena.
Mas eu, que conheci por dentro estas organizações (por lá andei entre os 15 e os 23 anos, depois curei-me), que li os livros que os inspiraram e inspiram e participei em muitos convívios (na época não lhes chamávamos pomposamente “workshops”) de formação de militantes, identifico nas Catarinas, nas Mortáguas e nos Robles o mesmo sentimento de “superioridade moral” que sempre se respirou nesses meios e que Álvaro Cunhal tão orgulhosamente reivindicou. A diferença é que hoje já se abandonaram palavras como “proletariado” e “luta de classes”, trocando-as por temas mais “urbanos” e preferindo os corredores das universidades às cantinas das fábricas para difundirem a sua doutrina (nisso são muito mais gramscianos do que leninistas). A diferença é que a esquerda chique é mesmo só ideologia e complexo de culpa (pela sua condição burguesa), o que a torna ainda muito mais amoral.
Se não fosse este o ar que o Bloco respira não se tinham unido todos e todas da forma como uniram na defesa do indefensável.
Os comunistas, sejam bloquistas ou ortodoxos, não podem ser de outro modo senão profundamente hipócritas quando defendem a igualdade de todos e a abolição das classes em nome de um ideal utópico e irrealizável. O combustível intelectual para tal é a inveja e por isso a hipocrisia o seu produto natural.
Assim, a moral da seita comunista, com o Bloco à ilharga é profundamente nociva, nutrida a ódio e congruente com a violência física e verbal.
Em 1974, na "superioridade moral dos comunistas", uma pequena tese do mestre Álvaro Cunhal, este defendia o sectarismo moral agarrado ideologicamente ao comunismo.
A seita comunista, para além da superior ideia de organização económica e política, sufraga uma doutrina de mais-valia relativamente à corrente do capitalismo burguês, os seus concorrentes no mercado das ideias.
Neste mercado ideológico, Álvaro Cunhal, Francisco Louçã, a pobre de espírito Catarina Martins ou o espertalhaço Robles estarão sempre do mesmo lado: o dos vendedores especulativos que procuram o lucro das suas ideias, traduzido em votos.
Dantes estavam em barracas de feira, sem condições e com cheiro a mijo. Agora, frequentam os centros comerciais, mas continuam com o fedor inerente.
Mas há mais que eles: o Livre Tavares é outro que frequenta esse mercado, com barraca à parte. Hoje no Público, berra a anunciar o seu produto: Ó fregueses, o meu peixe é o mais fresco!
segunda-feira, julho 23, 2018
PPP: se for assim, qualquer um pode assinar...
CM de hoje, antes de férias:
Quem é que pode recusar uma poupança de 11 mil milhões nas contas públicas? Só um tolo. Daí que o velho ditado da esmola grande de que o pobre desconfia se aplique com propriedade.
Por outro lado alguns dos subscritores sabem de outras coisas mas de economia macro julgo que não. E ainda aparece o cromo do lateiro Vasco Lourenço, o eterno capitão de Abril. Sinal para desconfiar a dobrar. E triplicar se lhe juntarmos Ana Gomes.
Quem fez as contas, às tantas, deve seguir regras muito próximas destas, mostradas pelo Expresso de Sábado:
Tout va bien, madame la marquise...até acabar tudo num estouro. Estas pessoas servem para quê, afinal? Para fazer de conta que conferem sinais de confiança à economia?
No fim, quando tudo corre mal há sempre desculpas esfarrapadas e negações do próprio princípio. Em cada intervenção que fazem deveriam rotular os prognósticos ou as análises com um caveat assinalado a vermelho fosforescente: cuidado que estes dados matemáticos podem enganar e provavelmente enganam.
Toda a gente ficaria a aperceber que são apenas uns prestidigitadores de números, uns malabaristas da contabilidade e uns falsários, no fim de contas.
Com um acrescento: alguns percebem tanto do assunto como eu de porcas parideiras. Costumava vê-las cheias mas ainda nem sabia como tal acontecia e depois via-as com os bácoros todos a mamar na mãe refastelada no chiqueiro.
A imagem sugere alguma coisa? Talvez: para além do cheiro óbvio a porcaria, um livro de Orwell, Animal Farm.
Quem é que pode recusar uma poupança de 11 mil milhões nas contas públicas? Só um tolo. Daí que o velho ditado da esmola grande de que o pobre desconfia se aplique com propriedade.
Por outro lado alguns dos subscritores sabem de outras coisas mas de economia macro julgo que não. E ainda aparece o cromo do lateiro Vasco Lourenço, o eterno capitão de Abril. Sinal para desconfiar a dobrar. E triplicar se lhe juntarmos Ana Gomes.
Quem fez as contas, às tantas, deve seguir regras muito próximas destas, mostradas pelo Expresso de Sábado:
Tout va bien, madame la marquise...até acabar tudo num estouro. Estas pessoas servem para quê, afinal? Para fazer de conta que conferem sinais de confiança à economia?
No fim, quando tudo corre mal há sempre desculpas esfarrapadas e negações do próprio princípio. Em cada intervenção que fazem deveriam rotular os prognósticos ou as análises com um caveat assinalado a vermelho fosforescente: cuidado que estes dados matemáticos podem enganar e provavelmente enganam.
Toda a gente ficaria a aperceber que são apenas uns prestidigitadores de números, uns malabaristas da contabilidade e uns falsários, no fim de contas.
Com um acrescento: alguns percebem tanto do assunto como eu de porcas parideiras. Costumava vê-las cheias mas ainda nem sabia como tal acontecia e depois via-as com os bácoros todos a mamar na mãe refastelada no chiqueiro.
A imagem sugere alguma coisa? Talvez: para além do cheiro óbvio a porcaria, um livro de Orwell, Animal Farm.
Férias com Salazar
Aviso: este postal é extenso e quem quiser poderá ler com calma, durante uma semana que é de férias. É sobre Salazar e daí o título...
Vasco Pulido Valente foi alvo de atenção do Expresso de ontem que o entrevistou para falar sobre tudo, a propósito da oportunidade do lançamento de um livro que o autor procura vender, sobre aspectos da sociedade portuguesa do séc. XIX. O autor acha que tem muitos paralelos com a actual, daí o interesse eventual do livro. Ainda não decidi se compro, mas leio as entrevistas que entretanto já se multiplicaram por três ou mais.
A entrevista começa por uma declaração de princípios que parece evidente: " As notícias são feitas por uma parte da classe média. (...) Os noticiários são muito enviesados . Sobretudo enviesados à esquerda. "
Depois avança para terreno minado como seja a apreciação que faz do salazarismo, no tempo do imediato pós-guerra.
"Convencido de que os portugueses lhe estavam muito agradecidos por ele ter conservado o país fora da guerra, consentiu que se fizesse o MUD, Movimento de Unidade Democrática. Julgava que ia ganhar as eleições. Mas a reacção dessa pequeníssima abertura foi avassaladora", diz. "Porque as listas da MUD tinham milhares de assinaturas em muitos poucos dias, e ele ficou embasbacado. Como é que havia dezenas de milhares de cidadãos portugueses que iam assinar as listas da MUD. O ditador terá tido uma depressão nessa altura, segundo contam biógrafos".
Vejamos. VPV foi um dos redactores da revista O Tempo e o Modo, aqui referida num postal anterior. No tempo em que VPV integrava o mítico Movimento de Acção Revolucionária que gerou luminárias impressionantes como luzicus. A publicação era de esquerda, próxima de um comunismo serôdio, já em meados dos anos sessenta, depois da denúncia do estalinismo, da colonização forçada da Hungria e perto da breve incursão em Praga. Tudo isso que era muito chegaria para afastar o PCP do convívio democrático para todo o sempre, tal como o fascismo, o verdadeiro, o era para estes revolucionários de pacotilha e máquina de escrever, ao qual aliás, associavam o regime de Salazar, prestes a terminar.
Tal faceta jornalística com laivos políticos inquina a objectividade seja de quem for se proponha escrever sobre Salazar e o Estado Novo, porque sai sempre do espírito de oposição a tal regime. É por isso que hoje pululam em todos os media os analistas políticos que se referem a tal período como sendo o do "fascismo", numa semântica maior que a realidade. O enviesamento é maior ainda que aqueloutro citado mais acima.
Apesar de VPV reconhecer que Salazar ou o regime que instituiu, não eram fascistas, assume na prática que seria uma espécie de regime cripto-fascista, "uma ditadura conservadora católica", como escreveu para o definir, perdendo a oportunidade de questionar a essência do regime, para além das aparências e renegando-lhe qualquer virtualidade positiva.
Salazar e o regime censuravam os escritos e actividades eventualmente subversivas destes democratas que afinal e na melhor das hipóteses queriam o regime que temos e que deram à luz. Estes parteiros da democracia tornada uma espécie de oligarquia partidária criticam o salazarismo que criou a União Nacional e o corporativismo que ligaram Portugal a uma época de prosperidade crescente, indesmentível, de paz, ordem social e valores que ainda hoje merecem atenção, no mínimo.
Analfabetismo? Sem dúvida e que vinha, maciço e alargado, do tempo da monarquia republicana e maçónica. Pobreza? Idem, aspas. Alguém escreve para dizer o que o Estado Novo fez para melhorar tal panorama? Escrevem, sim, para dizer que era um país analfabeto e pobre. E basta-lhes como razão.
E esta história do MUD e a sua extensão juvenil tem o mesmo contorno enviesado e apresentação histórica, mesmo com o contexto apresentado.
Serve aliás para desmentir o carácter ditatorial do regime, com aproximação ao fascismo. Obviamente nenhum regime fascista admitiria um movimento "democrático" desse género num regime que se pretendia totalitário. Nem o comunismo, cujos adeptos fervorosos se acoitavam clandestinamente no MUD. Essa contradição, aliás, nunca os incomodou por uma razão simples e paradoxal: consideram-se os verdadeiros democratas...e com essa mentira enganam os tolos há décadas.
Portanto, será verdadeira a análise de VPV sobre um suposto engano fatal de Salazar ao "consentir" um movimento democrático, concorrente a eleições em 1945, logo no pós-guerra e subsequente arrependimento?
Ingenuidade de Salazar que era tudo menos isso? As provas de um realismo indeclinável podem ser lidas nos Discursos, obra censurada na prática pelo actual regime democrático que publica resmas de compilações dos próceres da oligarquia actual, mas esquece voluntariamente os seis volumes que se encontram apenas nos alfarrabistas e a preço proibitivo e numa edição obscura de uma editora de Coimbra que vende pela internet?
Para se entender o que foi o MUD e a sua extensão "Juvenil", congregando toda a oposição ao regime do Estado Novo e a "reboque do PCP" ( como escreve Filipe Ribeiro de Menezes na sua biografia de Salazar) é preciso entender o que era a sociedade portuguesa desse tempo.
E já agora a que se lhe seguiu. No Público de hoje ( terça-feira) há um artigo de José Pereira Costa, um "Investigador de Relações Internacionais, antigo funcionário da Comissão Europeia", antifassista pela certa) sobre o que foi o MDP/CDE do falecido Tengarrinha e uma pequena revisão histórica do que foi o período de Marcello Caetano. Não se vislumbra fascismo algum, mas para toda a gente mediática tal foi um período negro e obscurantista de um fascismo atroz. E isto nem é caricatura porque é o que dizem, escrevem e tentam mostrar a cada artigo que escrevem ( menos este, claro).
Nele se diz que o MUD deu origem ao MDP/CDE. Ou seja, a outro rebocado pelo PCP. Condiz com a História...mas será que nãos e dão conta que se o PCP chegasse ao poder, o MDP era um ar que se lhe dera? Alguém pode ter ilusões acerca disso e não tirar as respectivas conclusões? E alguém pode escrever como escreve, defendendo um sistema de regime que logicamente iria parar aí, a um totalitarismo implacável, como existiu nos antigos países de Leste? E alguém pode censurar o regime de Salazar e Caetano de terem impedido tal coisa? Sim, que respondem a isto que é claro, lógico e indesmentível?
Tinham passado cerca de 20 anos da Revolução do Estado Novo e tinha acabado a II Guerra Mundial, com todas as mudanças que trouxe. Não se sabia ainda muito bem o que tinha sido o comunismo soviético, sob Estaline, apesar de alguns portugueses terem estado em Moscovo na época de maior perseguição política a adversários de Estaline. Os assassínios de adversários políticos era coisa corrente e já tinha ocorrido o horror do Holodomor.
Em Portugal, em 1945, Salazar, com o regime, procurou uma legitimação suplementar, eleitoral e tal ocorreu com a marcação de eleições em finais desse ano. Havia uma oposição que se atrelava toda ao PCP, que desde os anos trinta procurava minar o regime e depôr Salazar, mesmo pela força se tal lhe fora possível. Que não era. Salazar tinha sofrido um atentado pessoal em 1937 e se não fora orquestrado pelos comunistas, estes aplaudiram e se tivesse sido bem sucedido provavelmente teriam aproveitado a oportunidade de chegar ao poder e instaurar o regime totalitário que vigorava na então URSS.
O contexto social, urbano, de Portugal poderia ser mostrado deste modo, tal como o fez há uns anos Joaquim Vieira numa série de volumes ilustrados e editados pela Bertrand.
O Portugal dos anos 40 não era como o costumam pintar os historiadores actuais hostis a Salazar.
A guerra, no início da década era uma realidade para todos e no meio urbano era assim, com a apreensão diária de um eventual ataque que nem se sabia de onde poderia provir. Este é um facto que as pessoas costumam ignorar.
Depois da guerra e da penúria generalizada ( da sardinha para três) surgiu um período de maior distensão e progresso que continuaria nas décadas seguintes.
A "situação" apresentara os seus trunfos em modo de propaganda que espelhava uma realidade comprovável:
Mas tal não era suficiente. Havia quem quisesse correr com Salazar e o regime para o substituir por algo indefinido e que poderia muito bem ser um regime totalitário, verdadeiramente comunista. E Salazar tinha consciência plena disso mesmo.
Internacionalmente, em 1946 era uma figura isolada. Dez anos depois, como já vimos num postal anterior, era uma figura respeitada, até pelos mesmos que o criticavam antes ( Times de Londres, por exemplo).
Se quisermos saber o que era o regime, sob o ponto de vista da oposição, não faltam fontes de informação: era fascista e falseava as eleições. Basta ler o que Mário Soares escreveu no Portugal amordaçado e nas entrevistas que ia concedendo, reunidas no volume Escritos do Exílio para o entender.
A oposição, nos anos 40: grandes esperanças!
Em Portugal a questão foi sempre esta: o fascínio do comunismo. Estranho fascínio que para mim só se explica pela inveja.
O tal MUD foi o agregador de todas as esperanças comunistas. Tal como explicava o "biógrafo" de Salazar , Ribeiro de Menezes, provável fonte directa da afirmação de Vasco Pulido Valente.
E como é que outros, para além da oposição cuja versão é a corrente, hoje em dia, explicavam o que foi o MUD e as eleições de 1945?
Marcello Caetano sobre Salazar nessa época, no livro As minhas memórias de Salazar, Verbo, 1975:
Marcello Caetano escreveu este livro com esta justificação:
Para além deste testemunho há o de Franco Nogueira reunido no Vol. IV da sua biografia de Salazar, outro livro raro...
Para além destes testemunhos há ainda o discurso directo do próprio Salazar reunido no IV volume dos Discursos reunidos em seis volumes. Vale a pena ler com atenção.
Com estes documentos duvido que alguém seja capaz de confirmar a afirmação de VPV sobre o MUD e as eleições de 1945, com o modo peremptório com que aquele o faz.
O MUD, "a reboque do PCP" continuou e só se tornou proibido em 1947. Por causa dos comunistas. E Salazar, nisso, como noutras coisas, provavelmente tinha razão.
PS: O Correio da Manhã e a Sábado prometem um volume sobre Salazar-só a cadeira o derrubou, da autoria de Manuel Catarino que não sei quem seja, com um prefácio que prenuncia o pior, de Moita Flores. Sai na próxima quinta-feira e conto ler para contar como é.
Vasco Pulido Valente foi alvo de atenção do Expresso de ontem que o entrevistou para falar sobre tudo, a propósito da oportunidade do lançamento de um livro que o autor procura vender, sobre aspectos da sociedade portuguesa do séc. XIX. O autor acha que tem muitos paralelos com a actual, daí o interesse eventual do livro. Ainda não decidi se compro, mas leio as entrevistas que entretanto já se multiplicaram por três ou mais.
A entrevista começa por uma declaração de princípios que parece evidente: " As notícias são feitas por uma parte da classe média. (...) Os noticiários são muito enviesados . Sobretudo enviesados à esquerda. "
Depois avança para terreno minado como seja a apreciação que faz do salazarismo, no tempo do imediato pós-guerra.
"Convencido de que os portugueses lhe estavam muito agradecidos por ele ter conservado o país fora da guerra, consentiu que se fizesse o MUD, Movimento de Unidade Democrática. Julgava que ia ganhar as eleições. Mas a reacção dessa pequeníssima abertura foi avassaladora", diz. "Porque as listas da MUD tinham milhares de assinaturas em muitos poucos dias, e ele ficou embasbacado. Como é que havia dezenas de milhares de cidadãos portugueses que iam assinar as listas da MUD. O ditador terá tido uma depressão nessa altura, segundo contam biógrafos".
Vejamos. VPV foi um dos redactores da revista O Tempo e o Modo, aqui referida num postal anterior. No tempo em que VPV integrava o mítico Movimento de Acção Revolucionária que gerou luminárias impressionantes como luzicus. A publicação era de esquerda, próxima de um comunismo serôdio, já em meados dos anos sessenta, depois da denúncia do estalinismo, da colonização forçada da Hungria e perto da breve incursão em Praga. Tudo isso que era muito chegaria para afastar o PCP do convívio democrático para todo o sempre, tal como o fascismo, o verdadeiro, o era para estes revolucionários de pacotilha e máquina de escrever, ao qual aliás, associavam o regime de Salazar, prestes a terminar.
Tal faceta jornalística com laivos políticos inquina a objectividade seja de quem for se proponha escrever sobre Salazar e o Estado Novo, porque sai sempre do espírito de oposição a tal regime. É por isso que hoje pululam em todos os media os analistas políticos que se referem a tal período como sendo o do "fascismo", numa semântica maior que a realidade. O enviesamento é maior ainda que aqueloutro citado mais acima.
Apesar de VPV reconhecer que Salazar ou o regime que instituiu, não eram fascistas, assume na prática que seria uma espécie de regime cripto-fascista, "uma ditadura conservadora católica", como escreveu para o definir, perdendo a oportunidade de questionar a essência do regime, para além das aparências e renegando-lhe qualquer virtualidade positiva.
Salazar e o regime censuravam os escritos e actividades eventualmente subversivas destes democratas que afinal e na melhor das hipóteses queriam o regime que temos e que deram à luz. Estes parteiros da democracia tornada uma espécie de oligarquia partidária criticam o salazarismo que criou a União Nacional e o corporativismo que ligaram Portugal a uma época de prosperidade crescente, indesmentível, de paz, ordem social e valores que ainda hoje merecem atenção, no mínimo.
Analfabetismo? Sem dúvida e que vinha, maciço e alargado, do tempo da monarquia republicana e maçónica. Pobreza? Idem, aspas. Alguém escreve para dizer o que o Estado Novo fez para melhorar tal panorama? Escrevem, sim, para dizer que era um país analfabeto e pobre. E basta-lhes como razão.
E esta história do MUD e a sua extensão juvenil tem o mesmo contorno enviesado e apresentação histórica, mesmo com o contexto apresentado.
Serve aliás para desmentir o carácter ditatorial do regime, com aproximação ao fascismo. Obviamente nenhum regime fascista admitiria um movimento "democrático" desse género num regime que se pretendia totalitário. Nem o comunismo, cujos adeptos fervorosos se acoitavam clandestinamente no MUD. Essa contradição, aliás, nunca os incomodou por uma razão simples e paradoxal: consideram-se os verdadeiros democratas...e com essa mentira enganam os tolos há décadas.
Portanto, será verdadeira a análise de VPV sobre um suposto engano fatal de Salazar ao "consentir" um movimento democrático, concorrente a eleições em 1945, logo no pós-guerra e subsequente arrependimento?
Ingenuidade de Salazar que era tudo menos isso? As provas de um realismo indeclinável podem ser lidas nos Discursos, obra censurada na prática pelo actual regime democrático que publica resmas de compilações dos próceres da oligarquia actual, mas esquece voluntariamente os seis volumes que se encontram apenas nos alfarrabistas e a preço proibitivo e numa edição obscura de uma editora de Coimbra que vende pela internet?
Para se entender o que foi o MUD e a sua extensão "Juvenil", congregando toda a oposição ao regime do Estado Novo e a "reboque do PCP" ( como escreve Filipe Ribeiro de Menezes na sua biografia de Salazar) é preciso entender o que era a sociedade portuguesa desse tempo.
E já agora a que se lhe seguiu. No Público de hoje ( terça-feira) há um artigo de José Pereira Costa, um "Investigador de Relações Internacionais, antigo funcionário da Comissão Europeia", antifassista pela certa) sobre o que foi o MDP/CDE do falecido Tengarrinha e uma pequena revisão histórica do que foi o período de Marcello Caetano. Não se vislumbra fascismo algum, mas para toda a gente mediática tal foi um período negro e obscurantista de um fascismo atroz. E isto nem é caricatura porque é o que dizem, escrevem e tentam mostrar a cada artigo que escrevem ( menos este, claro).
Nele se diz que o MUD deu origem ao MDP/CDE. Ou seja, a outro rebocado pelo PCP. Condiz com a História...mas será que nãos e dão conta que se o PCP chegasse ao poder, o MDP era um ar que se lhe dera? Alguém pode ter ilusões acerca disso e não tirar as respectivas conclusões? E alguém pode escrever como escreve, defendendo um sistema de regime que logicamente iria parar aí, a um totalitarismo implacável, como existiu nos antigos países de Leste? E alguém pode censurar o regime de Salazar e Caetano de terem impedido tal coisa? Sim, que respondem a isto que é claro, lógico e indesmentível?
Tinham passado cerca de 20 anos da Revolução do Estado Novo e tinha acabado a II Guerra Mundial, com todas as mudanças que trouxe. Não se sabia ainda muito bem o que tinha sido o comunismo soviético, sob Estaline, apesar de alguns portugueses terem estado em Moscovo na época de maior perseguição política a adversários de Estaline. Os assassínios de adversários políticos era coisa corrente e já tinha ocorrido o horror do Holodomor.
Em Portugal, em 1945, Salazar, com o regime, procurou uma legitimação suplementar, eleitoral e tal ocorreu com a marcação de eleições em finais desse ano. Havia uma oposição que se atrelava toda ao PCP, que desde os anos trinta procurava minar o regime e depôr Salazar, mesmo pela força se tal lhe fora possível. Que não era. Salazar tinha sofrido um atentado pessoal em 1937 e se não fora orquestrado pelos comunistas, estes aplaudiram e se tivesse sido bem sucedido provavelmente teriam aproveitado a oportunidade de chegar ao poder e instaurar o regime totalitário que vigorava na então URSS.
O contexto social, urbano, de Portugal poderia ser mostrado deste modo, tal como o fez há uns anos Joaquim Vieira numa série de volumes ilustrados e editados pela Bertrand.
O Portugal dos anos 40 não era como o costumam pintar os historiadores actuais hostis a Salazar.
A guerra, no início da década era uma realidade para todos e no meio urbano era assim, com a apreensão diária de um eventual ataque que nem se sabia de onde poderia provir. Este é um facto que as pessoas costumam ignorar.
Depois da guerra e da penúria generalizada ( da sardinha para três) surgiu um período de maior distensão e progresso que continuaria nas décadas seguintes.
A "situação" apresentara os seus trunfos em modo de propaganda que espelhava uma realidade comprovável:
Mas tal não era suficiente. Havia quem quisesse correr com Salazar e o regime para o substituir por algo indefinido e que poderia muito bem ser um regime totalitário, verdadeiramente comunista. E Salazar tinha consciência plena disso mesmo.
Internacionalmente, em 1946 era uma figura isolada. Dez anos depois, como já vimos num postal anterior, era uma figura respeitada, até pelos mesmos que o criticavam antes ( Times de Londres, por exemplo).
Se quisermos saber o que era o regime, sob o ponto de vista da oposição, não faltam fontes de informação: era fascista e falseava as eleições. Basta ler o que Mário Soares escreveu no Portugal amordaçado e nas entrevistas que ia concedendo, reunidas no volume Escritos do Exílio para o entender.
A oposição, nos anos 40: grandes esperanças!
Em Portugal a questão foi sempre esta: o fascínio do comunismo. Estranho fascínio que para mim só se explica pela inveja.
O tal MUD foi o agregador de todas as esperanças comunistas. Tal como explicava o "biógrafo" de Salazar , Ribeiro de Menezes, provável fonte directa da afirmação de Vasco Pulido Valente.
E como é que outros, para além da oposição cuja versão é a corrente, hoje em dia, explicavam o que foi o MUD e as eleições de 1945?
Marcello Caetano sobre Salazar nessa época, no livro As minhas memórias de Salazar, Verbo, 1975:
Marcello Caetano escreveu este livro com esta justificação:
Para além deste testemunho há o de Franco Nogueira reunido no Vol. IV da sua biografia de Salazar, outro livro raro...
Para além destes testemunhos há ainda o discurso directo do próprio Salazar reunido no IV volume dos Discursos reunidos em seis volumes. Vale a pena ler com atenção.
Com estes documentos duvido que alguém seja capaz de confirmar a afirmação de VPV sobre o MUD e as eleições de 1945, com o modo peremptório com que aquele o faz.
O MUD, "a reboque do PCP" continuou e só se tornou proibido em 1947. Por causa dos comunistas. E Salazar, nisso, como noutras coisas, provavelmente tinha razão.
PS: O Correio da Manhã e a Sábado prometem um volume sobre Salazar-só a cadeira o derrubou, da autoria de Manuel Catarino que não sei quem seja, com um prefácio que prenuncia o pior, de Moita Flores. Sai na próxima quinta-feira e conto ler para contar como é.