A TVI ( Ana Leal) ontem divulgou um apontamento de reportagem no qual se mostram casas reconstruídas em Pedrógão, após o incêndio do ano passado e ainda outras por reconstruir. Entrevistou pessoas que denunciaram claramente favorecimentos pessoais nos subsídios concedidos por diversas entidades, para reconstrução das casas ardidas.
Alguns depoimentos foram muito concretos em mostrar diversas casas que seriam de segunda habitação dos donos, ou mesmo terceira e que beneficiaram indevidamente de tais subsídios e donativos.
A reportagem pecou pela ausência de cuidados na explicação dos critérios legais ou regulamentares ou mesmo convencionados para atribuição daquelas benesses às vítimas dos incêndios.
Ficou a impressão que houve falcatruas derivadas de um simples estratagema: a mudança de domicílio fiscal de alguns beneficiários que assim puderam candidatar-se a tais benefícios quando de outro modo o não poderiam fazer. Ficou ainda a impressão que houve conivência e cumplicidade nos serviços camarários para tal efeito e eventualmente favorecimentos avulsos. Compadrios, chamou-lhe a reportagem.
Há uma distinção a fazer entre a (i)moralidade na eventual actuação de alguns e a ilegalidade flagrante de outros e tal não ficou devidamente explicado e exposto.
Estas confusões são propícias a actuações destas:
O presidente da Câmara de Pedrógão Grande, Valdemar Alves, pediu ao Ministério Público para averiguar as denúncias divulgadas na reportagem da TVI sobre um alegado esquema de desvio de fundos e de donativos na reconstrução das casas ardidas durante o incêndio do ano passado. Além disso, o autarca diz que vai apresentar queixa-crima contra a jornalista Ana Leal e todos os responsáveis editoriais da estação de Queluz de Baixo.
Quem viu a reportagem ficou com a impressão nítida que o presidente da câmara em causa é simplesmente um mentiroso. Porém, tal não é suficiente para que a reportagem tenha um valor inequívoco de peça de jornalismo de qualidade irrefutável. E poderia ter sido. Bastava à jornalista especificar os diversos aspectos do que estava em causa, distinguindo o género de subsídios referidos, quem os atribuiu especificamente e a que regulamentação obedeceu.
Meter tudo no mesmo saco vai dar uma carga de trabalhos ao MºPº e a quem investigar a participação criminal efectuada. Com um risco grande de quem fez o mal poder fazer também a caramunha...
Desde já porém se adianta que pode haver um crime no caso concreto: o de obtenção e ainda de desvio de subsídio que se enuncia assim, tal como o ac. da Relação do Porto o fez em 25.9.2002:
Relativamente ao crime de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção (artigo 36º do Decreto-Lei n.28/84, de 20 de Janeiro, consideram-se importantes para a concessão de um subsídio ou subvenção tanto os factos declarados importantes pela Lei ou entidade que os concede, como aqueles de que dependa legalmente a autorização, concessão, reembolso, subsídio ou vantagem daí resultante.
Tanto nos casos de fraude como nos de desvio dos fundos obtidos numa actividade subvencionada o bem jurídico protegido identifica-se com a liberdade de disposição e planificação da entidade que concede a prestação.
No crime de desvio de subsídio (artigo 37 do Decreto-Lei n.28/84, de 20 de Janeiro) a conduta típica consiste em utilizar prestações obtidas para fins diferentes daqueles a que legalmente se destinam, e não propriamente no incumprimento das condições estabelecidas.
O crime de fraude na obtenção de subsídio e o de desvio não podem coexistir em relação à mesma fatia que foi concedida, não se concebendo um desvio em relação a verbas fraudulentamente obtidas. O próprio desvio será a concretização da fraude e por isso seu elemento constituinte.
E a pena para este crime? Enfim...coisa simbólica: dois anos de prisão. Ou seis meses a seis anos se o prejuízo for consideravelmente elevado, como é. A verdadeira pena, porém, é a devolução do recebido indevidamente...
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