Antes de 25 de Abril de 1974 a greve não era permitida, em Portugal. A concertação social fazia-se no seio de organizações corporativas e com o advento da liberalização das associações, tornou-se possível o sindicalismo, logo a partir de Maio de 1974, embora o diploma que regulamentou o direito à greve só aparecesse em finais de Agosto desse ano.
Tal como relatava o Sempre Fixe de 31 de Agosto de 1974:
A lei não agradou a todos e um dos que então se manifestou foi Augusto Mateus, futuro ministro da Economia do governo de Guterres.
As greves eram então o prato do dia...
De tal forma assim era que o PCP entrava por vezes em colisão e conflito com outras forças políticas à sua esquerda, a quem chamavam doentes infantis do comunismo, tal como relatado num insuspeito estudo de Raquel Varela:
Tal como hoje o PCP só aprova as greves que comanda. A greve é sempre uma arma de luta política e quem a maneja é o PCP em nome dos trabalhadores. E quem não quiser que assim seja é reaccionário, fascista ou doente infantil. Ainda hoje é assim.
Com o IV e V Governos Provisórios, já em pleno PREC o PCP era quem mais ordenava em nome do povo, dentro e fora de Grândola, a vila morena.
Como é que o PCP, "o partido dos trabalhadores" iria resolver este conflito aparente? Simples: depois de deixarem os "trabalhadores" arruinarem a economia do país em poucos meses, apesar de apelarem à razoabilidade das reivindicações e condenarem as greves "selvagens" com ocupações de instalações fabris e tudo, o PCP gizou o que tinha no seu programa marxista-leninista: o Partido é quem deve mandar e os sindicatos devem ser únicos e não diversificados e à vontade do freguês. A "unidade" sindical tornou-se assim a pedra de toque durante o resto do ano de 1974 e 1975, durante todo o prec .
Só que este toque a finados para os partidos "burgueses" como o PS se deixara classificar depois de abandonar e meter na gaveta o marxismo programático, ficando apenas com o socialismo democrático, era insuportável porque significava o comunismo sem socialismo democrático algum. E logo os dirigentes do PS deram acordo de si. Mário Soares e Salgado Zenha e também os rapazolas do República, como um tal Eduardo Paz Ferreira ( não é por acaso que este antigo rapazola de fretes ganha agora centenas e centenas de milhar em ajustes directos...porque também é um dos muito inteligentes, como a mulher Van Dunem) escreviam e rasgavam as vestes e até fizeram uma manifestação gigantesca na Alameda, dali a uns meses, para protestar contra o que se aproximaria caso o PCP ganhasse a contenda.
República, 13.1.1975 ( o artigo do Paz Ferreira não aparece todo porque não vale a pena; o resto é um chorrilho de ideias feitas já expostas aqui em modo de escrita típica destes neófitos do socialismo, alimentados a leite de burras marxistas):
Em Julho de 1974 um economista de esquerda, Pereira de Moura, dizia ao Diário de Lisboa de 12 desse mês que havia sinais de sabotagem económica e que era preciso mais e mais investimento...
Mas...investimentos de quem? Obviamente de quem tinha dinheiro para investir: empresas e empresários, nacionais e estrangeiros.
Havia já um artolas ( artífice de artes menores como a arte de passar entre os pingos da chuva dos escândalos graves e que arruínam países) que dizia quase, quase a mesma coisa. Como artolas compunha uma pequena variação do discurso para defender uma economia de países já ricos, como os nórdicos. Por aí se vê o calibre da inteligência de alguém...
O mesmo número de 31 de Agosto de 1974, o jornal que melhor exemplifica o que foi o prec em Portugal, o dito inteligente botava assim a sua faladura habitual:
Dois anos depois era a bancarrota, a ajuda externa de sempre desde esse tempo e a desonra de uma nação e de um país, de cócoras perante o estrangeiro e que teve já que vender todos os principais activos que podiam ser transformados em dinheiro, quais fruteiras de José Afonso e pelos mesmíssimos motivos: má gestão, estupidez inata e ideias erradas.
Apesar destes apelos ao investimento, nem todos queriam qualquer investimento. Para esses, os comunistas do PCP ao actual BE, dispersos então pelas udp´s lci´s e quejandas organizações de malfeitores da nossa economia, havia apenas a solução do investimento do Estado totalitário, copiando as soluções da União Soviética dos primórdios dos anos vinte. Não é fantasia, mas simples realidade.
Para tal era necessário diabolizar primeiro os detentores do capital privado para investir, com o fito de lhes sacar o guito todo. Foi o que fizeram a partir de 11 de Março de 1975, mas começou assim, com esta propaganda, aparecida no mesmíssimo número do mesmo jornal que daria para mestrados e doutoramentos, só com as asneiras bolsadas nas oito páginas de "documentos" dedicadas à "Economia na prática" tal como um Jerónimo ou um Louçã a entende ainda hoje:
Em Portugal, ao contrário do que hoje sucede por causa da mentalidade daqueles dois e seus antepassados directos, ainda havia dinheiro para mandar cantar um cego. Hoje nem isso.
E os que tinham dinheiro porque efectivamente o investiram cá, cumprindo o desejo daqueles líricos da "economia prática" apostaram novamente em investir o seu dinheiro, não o do Estado, em novos projectos e com o objectivo de criarem mais riqueza para o país, ganhando naturalmente a sua quota-parte.
Era precisamente esta quota-parte que aquela gente não tolerava. A "economia prática" que defenciam não aceitava tal modelo capitalista ocidental mas apenas o capitalismo de Estado, tal como existia no Leste europeu, com os resultados que se viriam a impôr à evidência de todos dez anos depois.
Nessa altura, em Portugal e em consequência de um fenómeno estranhíssimo que ocorreu na sociedade em geral, incluindo partidos políticos "democráticos" a ideia do capitalismo ocidental, mesmo à sueca, foi arredada da Constituição aprovada maioritariamente em 1976.
Em Agosto de 1974, conforme o tal número daquele jornal, ainda havia uma ténue esperança que tudo isso fosse postergado e continuasse o sistema económico que vinha de trás e tinha dados frutos de desenvolvimento acelerado a taxas de 7%.
Essa esperança chamou-se MDE/S e vem no mesmo número daquele jornal, nas tais oito páginas:
No final do artigo o assunto é arrumado do modo mais fenomenal: " daqui se conclui a demagogia do presente documento, que tende a mascarar a luta de classes sob a capa do interesse social do qual o empresário é o motor, quando o objectivo fundamental é desenvolver e reforçar a exploração da classe trabalhadora sob o domínio da classe burguesa"
Em duas penadas ficou arrumado o caso único na democracia portuguesa: uma plêiade de empresários portugueses, com capitais portugueses e empenhados em investir em Portugal, com um plano concreto, afastados do convívio democrático por serem exploradores da classe operária e burgueses sem lei...
Vendo os jornais da época só este Sempre Fixe deu importância devida ao assunto.
Durante o resto do ano de 1974 foi o que se viu: os trabalhadores a lutarem contra a burguesia e a arruinarem as empresas em que trabalhavam e lhes davam de comer. Tudo em prol do socialismo, em que as classes trabalhadoras tomam o poder e substituem os exploradores por uma verdadeira democracia. Ainda hoje o PCP e o Bloco de Esquerda pensam assim.
Sempre Fixe de 7 Setembro de 1974:
Em 30 de Setembro na sequência da última tentativa da oposição ao comunismo que se queria instalar em Portugal, houve reacções destes indivíduos que chamavam reaccionários aos que queriam impedir aquele desiderato...
Quanto à Intersindical, a correia de transmissão do PCP para os sindicatos amestrados, não havia dúvidas que alguns trabalhadores faziam o jogo do paatronato. Tal como agora...
E como é que o problema se iria resolver? O da Intersindical tinha ficado em águas de bacalhau, mas apenas a demolhar o que viria a seguir: a batalha da produção! Sem investiodres privados, sem investimento estrangeiro e com os capitais a fugirem o mais rápido que podiam, acompanhando os seus donos, para o Brasil, Espanha ou Suíça, havia que encontrar alternativa.
E ela existia, como mostra o semanário O Jornal inteiramente rendido a estas maravilhas das experiências produtivas do Leste europeu onde corria leite e mel...
Em 16 de Maio de 1975, no número e do jornal havia a grande esperança, lançada com as nacionalizações do 11 de Março, da banca e dos seguros a que se seguiram as de grandes empresas.
Resumindo: o segredo estava nesta experiência já registada noutras latitudes com o sucesso que se conhece agora e se poderia ter conhecido naquela altura, mas não era preciso porque essencial é ter fé na "economia prática".
Os profetas desta fantástica profissão de fé assinam o artigo. Um deles era economista, Sarsfield Cabral. Outro especialista era um tal José Luís Judas, da Intersindical e que anos depois deu em autarca com fumos largos de corrupção.
Escrevia-se no artigo que "o mau estado da economia não é o reflexo de uma herança envenenada- de uma política que deu a primazia à guerra colonial e aos interesses dos grandes grupos financeiros-industriais. Em parte também consequência dessa política , a economia portuguesa tornou-se extremamente dependente do exterior ( leia-se: sobretudo da Europa Ocidental) e, por isso, sofre com redobrada violência os efeitos da crise do capitalismo internacional". A justificação para a incompetência, os erros e as grandes asneiras continua a ser a mesma, nos dia de hoje...e os portugueses em geral continuam a acreditar nesta grande balela.
Ora com o agudizar da luta política, as greves tornaram-se novamente uma das armas preferidas da esquerda comunista para se amparar de todo o poder que a Constituição já lhe garantia até no preâmbulo: a tomada do poder pelos trabalhadores e o início do caminho para a sociedade sem classes. Tal e qual e durou esta utopia constitucional até 1989 porque os que nela não acreditavam piamente, nem ligavam à letra da lei fundamental. Tal como hoje não ligam à letra das leis que consideram absurdas, mas que aprovaram plenamente.
Em Novembro de 1975 o PCP e a extrema-esquerda comunista queriam o poder todo e para isso tinham que abater o poder legislativo e executivo, em primeiro lugar. O resto, o poder militar viria a seguir se tudo corresse bem.
Em primeiro lugar manipularam os trabalhadores da construção civil e puseram-nos a cercar o Parlamento, com o Governo lá dentro. Foi épico e até permitiu a célebre frase do tido de Bruno de Carvalho: "vão bardamerda!" Isso!
O mesmo jornal, esse interrogava-se seriamente na mesma edição acerca de uma questão transcendental e a que não sabiam responder:
Será que as organizações dos trabalhadores são dominadas partidariamente? Não, pá! Não são, claro que não. o Arménio e a Avoila mai-los outros são anjinhos de coro e não representam senão os trabalhadores. Tal como o Mário Nogueira, pá.
Quem disse o contrário é burguês, reaccionário e fassista.
Passados 40 anos ainda estamos nisto.
De todos os episódios caricatos deste período destaco dois:
Um deles relativo à greve que mais me afectou: a da Rádio Renascença que começou em 15 de Fevereiro de 1975 e durou mais de um mês, até 5 de Abril. Durante todo esse tempo, às 7 e meia da tarde lá sintonizava o meu Grundig Melody Boy 2000 à procura de som na estação e que deveria ser o da Página Um, para ouvir as novidades do pop/rock. Nessa altura, por exemplo, os Led Zeppelin, com o disco Physical Graffiti. Em vão. Os motivos da greve? Simples, como explicava o Sempre Fixe de 15 de Fevereiro desse ano:
Outro fait-divers delicioso é este, muito convenientemente esquecido, relatado no Sempre Fixe de
31 de Agosto de 1974:
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Eusébio tal como outros, e neste caso lembro a actual ministra da Justiça Francisca Van Dunem, estavam em vias de optar pela nacionalidade de nascença. E foram para lá nesta altura. Mas regressaram a penates. Não se adaptaram...sendo que a tal Van Dunem até se filiou no MPLA para aprender militância miliciana.
E ninguém lhe pergunta estas coisas, a esta inteligente. Muito inteligente...
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