A revistinha com tamanho A5 era distribuída pela Livraria Bertrand e dedicava-se inteiramente à música popular de várias expressões, com destaque para a nova canção de protesto e os novos cantores que apareceram no final dos anos sessenta, em Portugal.
Um dos principais motivos de interesse da revista era o da publicação de muitas letras da música popular de expressão anglo-saxónica então em voga, bem como letras de músicas de outras latitudes, como França, Espanha e Itália, países que estavam culturalmente mais próximos e que vendiam discos por cá, passando amiúde no rádio.
O primeiro número saiu no dia 19 de Dezembro de 1969 e tinha este aspecto: agradou-me logo o tipo de letra do título ( Cooper Black...o mesmo da francesa Salut les Copains e também da Rock&Folk do início, presumível fonte de inspiração de Avelino Tavares)
Apresentava-se assim ao leitor:
O discurso não enganava ninguém, a não ser um rapazito então com 13 anos que ainda não entendia o que realmente significava uma frase como esta: "Os nossos propósitos: no plano nacional divulgar o mais possível todos aqueles que estão lutando para transformar e dar novos rumos à música Portuguesa".
Os responsáveis pela revista também não se apresentavam, mas o sumário era este:
"E assim se passaram anos, muitos anos e enganos"...até descobrir quem estava por detrás da cortina cultural deste projecto: os comunistas, essencialmente opositores ao regime anterior.
Tal apenas se revelou claramente logo a seguir a Abril de 1974, com a publicação de um manifesto, logo na primeira edição após o golpe militar...
Antes disso havia mais sinais:
A capa do nº 5 trazia o cantor basco Patxi Andión, falecido esta semana num acidente de viação.
Se soubesse então melhor teria compreendido que um tal Barata Moura, com duas letras publicadas ( Ballade du bidonville e Mon enfant fait dodo, tudo em francês, em melopeias intragáveis e inaudíveis) não era uma mera opção inócua do editor, mas mais uma infiltração mediática da "causa".
A primeira vez que comprei a revista foi já no nº6 , de Maio de 1970 e por causa da reportagem, com letras das canções, do Festival da Canção, no caso das quatro melhor classificadas. O vencedor desse ano foi Sérgio Borges, com Onde vais rio que eu canto e em segundo lugar ficou Canção de Madrugar, interpretada por Hugo Maia de Loureiro e com letra de José Carlos Ary dos Santos.
Na altura achei estranho que o vencedor do concurso não tivesse a honra da capa, mas depois, mais tarde, entendi: a revista era uma arma, contra o regime. Sérgio Borges era inócuo; Paulo de Caravalho, empenhado. Tanto que a cantiga que anunciou aos militares revoltosos o início do golpe de 1974 tinha sido cantada por ele, no festival desse ano ( E depois do adeus, aliás bem melhor do que a Corre Nina, de 1970)
Quando chegou ao nº 12, de 15.11.1970, lembro-me de o ver exposto num quiosque de rua, daqueles redondos e que aliás ainda existe, em Braga, na Senhora-a-Branca.
A capa...era a cores, para celebrar o primeiro aniversário! E tinha uma imagem de um cantor que mal conhecia: José Afonso.
Sei agora que a foto provinha das sessões que deram as fotos para Cantares do Andarilho, de 1968, por causa da capa do disco que mostra a mesma camisa verde com presilha no colarinho.
A revistinha trazia ainda uma recompilação de todas as letras publicadas até então, mas o principal tema era o artista, filho de um juiz, que passou por Angola e desembocou em 1974 no poder popular:
Na fotobiografia de José Afonso, de Joaquim Vieira, publicada em 2009 pela Círculo de Leitores, escreve-se que José Afonso foi sempre muito vigiado pela PIDE/DGS, viu alguns dos seus discos proibidos, foi impedido de participar no Zip-Zip, mas, hélas, não há notícia de nenhuma estadia prolongada nas celas reservadas a comunistas. Em 1970 foi aliciado para se inscrever no PCP e recusou, aparentemente com medo de ser preso e falar...
Tudo isto era desconhecido para mim, nesse tempo.
A revista publicou-se até aos anos oitenta. Em 1985 cessou a publicação. Foi sempre esquerdista. Primeiro ligada ao PCP e depois do 25 de Abril de 1974, ao MRPP e extrema-esquerda, voltando ao antigo redil dali a algum tempo.
É um marco importante na história das publicações sobre música popular em Portugal.
Em 1972 publicou as letras todas do disco Harvest de Neil Young, tal como tinha publicado as letras todas do LP Sticky Fingers dos Rolling Stones, no ano anterior.
Os Beatles eram presença constante nas páginas de letras de canções. Bob Dylan, idem. A letra de American Pie, de Don McLean, também lá apareceu nesse anode 1972.
Fez uma extensa reportagem sobre o Festival de Vilar de Mouros, de 1971. Tinha transcrições pautadas de alguns êxitos do momento ( Have you ever seen the rain, dos CCR, por exemplo).
Nenhum artista de vulto na cena musical internacional e corrente escapou à atenção da revista, com excepção de alguns americanos então pouco conhecidos por cá ( Grateful Dead, Little Feat, Hot Tuna e alguns outros, por exemplo) e quanto aos portugueses praticamente nada lhe escapou, com excepção de um, talvez o melhor: a Banda do Casaco não lhe mereceu nenhuma atenção, em 1974 e depois. Já a Filarmónica Fraude, antecessor do grupo, pouco lhes dizia...
No nº 25, de 20.12.1971, mudou de formato, para A4 e com capa a cores de José Mário Branco, o que só repetiu depois com Adriano Correia de Oliveira, no nº 27 de 20.3.1972.
Em 19 de Dezembro de 1999, o Público, então com outra direcção deu-lhe o destaque de um artigo de página, assinado por José Manuel Lopes Cordeiro.
Aí se conta que aquele primeiro número é da inteira autoria do fundador da revista, Avelino Tavares ( um homem das artes gráficas que nutria um forte interesse pela música) .
A história da revista contada pelo próprio Avelino Tavares aparece aqui, numa entrevista de Viriato Teles.
Diz o Avelino Tavares que tinha três ou quatro coisas pensadas para comemorar a efeméride dos 50 anos do lançamento da revista.
Ainda não soube de nenhuma, porque se fossem públicas, apareceria. Tal como fico à espera do lançamento do livro comemorativo...
E só agora é que reparei que este gajo já anda metido nisto...mas ainda bem. Aposto é que não consegue contar uma história da revista tão interessante e pessoal como a minha...ahahaha.
E dei agora conta, também, de que já há estudos académicos sobre a revista...
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