Hoje celebra-se o centenário do nascimento de Amália Rodrigues, uma cantora, fadista que foi um pouco mais além nesse estilo de cantoria porque tinha uma voz excepcional.
É impressionante como a Esquerda que a vilipendiou logo a seguir à Revolução de 1974 anda agora a mimar a memória do seu nome, como se fosse artista de sempre, lá dessa casa deles, loca infecta de todas as maleitas sociais.
O Público dá-lhe a capa e várias páginas. A primeira começa logo por dizer exactamente o que é preciso dizer e que foi entrevisto pela mesma artista aquando da realização da sua biografia: "Sei que a minha história vai ser aquela que escolherem, aquela que é mais interessante, aquela que não é a minha".
Fica tudo dito e muito mais a propósito desta canalha que não tem pudor em recuperar para proveito próprio, ideológico, tudo o que lhe possa valer culturalmente, tirando-lhe e extirpando-lhe o contexto, apropriando-se abusivamente de um nome de pessoa que era livre e por isso apoiou e apoiou-se onde pôde e quando pôde.
Amália Rodrigues foi salazarista, por muito que esta canalha pretenda que não e que até ajudou comunistas.
Ajudou, de facto, em modo oportunista e porque lhe convinha também fazê-lo. Afinal, alguns dos seus colaboradores e autores de letras eram pró-comunistas. Mas tal não olvida o facto de na altura em que Salazar ficou doente, em 1968, ter escrito uma quadra inequívoca em que manifestava o seu afecto e o apoio que dava ao mesmo.
Está aqui, lembrada neste escrito recente de José António Saraiva e que agora é convenientemente esquecido.
"Ponha-se bom depressa/ meu querido Presidente/Depressa que essa cabeça/não merece estar doente."
Claro que esta faceta inequívoca de Amália Rodrigues não escapou ao comunismo e esquerdismo pós-Revolução e Amália Rodrigues foi ostracizada por isso e atacada nos media de então. Esquecida mesmo durante um período, felizmente curto porque houve quem se apercebesse da estupidez comunista, particularmente do PCP e a recuperasse para a luz da ribalta, literalmente.
Como diz um dos estudiosos do Fado, Rui V. Nery, no mesmo Público de hoje, Amália foi atacada no pós-25 de Abril e tal "marcou-a de uma forma trágica para o resto da vida".
Para se ver onde chegou a confusão derivada do desejo de recuperação, aliás frustrado, da artista, basta ler este recorte do Sete de 5.11.1980.
O seu oportunismo, aliás revela-se muito bem naquilo que então disse: " Tem-me dirigido as acusações mais estúpidas que se possa imaginar. Já fui acusada de pertencer à PIDE. Agora sei que também me apontaram como comunista. As duas acusações são igualmente parvas, mas, se tivesse sido alguma dessas coisas, esta última acusação era a mais natural". Em vez de assumir a realidade do que eram optou pela oportuna declaração de afecto a uma esquerda, então prevalecente.
Então não era mais natural ser comunista?! E se assim fosse onde ficaria o seu "querido Presidente"? Enfim...
Por outro lado a indecência e o despudor também se revela neste artigo do Observador que recolhe o depoimento de várias personalidades públicas sobre "Amália" que agora até já deixou de ser Rodrigues.
Esta pequena palerma, filha de um pirata que devia execrar Amália Rodrigues na altura da Revolução e antes dela, nos anos oitenta já tinha uma cassete com músicas da mesma.
A filha, agora, é toda afectos pela diva recuperada para a democracia, depois de tecer as loas ao "meu querido Presidente":
O pirata Mortágua dos anos oitenta ou mesmo noventa, pelos vistos gostava desta musiquinha da "Amália" de 1957, altura em que Salazar dominava o comunismo como só ele o soube fazer: desgraçadamente.
Como se pode ouvir, é uma musiquinha que se fosse cantada pelo Marco Paulo, aliás um artista que deve ter vendido mais discos que a Amália Rodrigues, seria simplesmente desprezada. Afinal é uma história da classe piscatória...e por isso do afecto do pirata e filha que a ouviu naturalmente nos anos oitenta, já no tempo em que a fã do Presidente do Conselho, Salazar, estava mais que recuperada.
E O pirata também, porque se reconverteu às delícias dos terratenentes agrários e latifundiários.
Uns aldrabões, oportunistas, todos. Incluindo a pobre Amália Rodrigues.
Amália Rodrigues e o Fado, nos anos anteriores e imediatamente posteriores à Revolução era artista esquecida dos media de esquerda. Totalmente. O Fado era estilo execrado porque então só havia o "canto de intervenção" e os baladeiros.
Amália Rodrigues não foi ao Zip-Zip de 1969. E nunca iria, pelos motivos expostos. O Fado era um estilo considerado caduco e da plebe, nos tempos dos finais dos anos sessenta em que surgiu o rock. Tal como o estilo de Marco Paulo ou António Mourão ou mesmo António Calvário.
Se Amália Rodrigues não pertencia ao nacional-cançonetismo, andava lá perto, para toda essa canalha de esquerda.
A primeira pessoa a recuperar mediaticamente Amália Rodrigues para a ribalta do reconhecimento artístico da modernidade dos anos oitenta e noventa foi Miguel Esteves Cardoso, nos escritos de Inglaterra. Aliás fiquei espantado, então, por causa disso. O Jornal, Julho de 1980:
Também eu não ligava pevide a Amália Rodrigues e ao seu Povo que lavas no rio.
Queria lá saber desta composição genial se tinha Onde vais rio que eu canto ( Sérgio Borges, de 1970), para ouvir nessa época?
Enquanto em Portugal Amália Rodrigues era relativamente esquecida na época e andava em tournées por esse mundo fora da emigração e não só ( os japoneses gostavam do Fado...) por cá ouviam-se outras coisas e a juventude não queria saber nada de nada sobre o tal Fado, fosse da Amália Rodrigues ou da Hermínia Silva ou do António Mourão, do genial Ó tempo volta p´ra trás...
É por isso que esta recuperação da artista Amália Rodrigues se torna algo estranha, mas interessante ao mesmo tempo.
Afinal, Amália Rodrigues era uma grande artista e cantava temas bem escritos, com letras interessantes e com voz excepcional.
Não temos muitos artistas assim, mas tal nunca foi suficiente para comprar um disco de Amália Rodrigues. Nem sequer o Busto. Mas ainda vou a tempo, até porque se vendem baratos, apesar da raridade...
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