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quinta-feira, outubro 08, 2020

A amnistia que aí vem, uma fábula à antiga portuguesa

 Em 1976, ainda no rescaldo do PREC apareceu em Portugal a revista Opção, dirigida por um socialista democrático que tinha assinado uma Funda contra o regime anterior, um livro medíocre mas com um certo estilo. Artur Portela Filho era o autor e director da revista e escrevia duas páginas em cada edição a contar fábulas sobre a situação política.

Uma delas, saída no nº 7 de de 10 de Junho de 1976 era esta em que se relatava uma reunião fantasiosa para tratar de assuntos magnos entre certos figurões da classe política de então:

 



Tal como hoje, o estilo de efabulação pode servir para contar a história seguinte que relata uma conspiração de silêncio comprometido com malfeitorias no Estado de todos nós.

Segue o plágio desavergonhado de todo:

   Estava Lisboa num corropio de motoristas de limusinas do Estado que temos,  de marcas alemãs e algumas já electrizadas, largando ocupantes do banco traseiro que entraram na casa de um deles, convocados pelo Manhoso.

 Estava, perfilado de medo futuro o homónimo do Arquitecto; estava, tranquilo como sempre o novel Azeiteiro de Sentenças, sempre pronto a ajudar manhosos e sempre principescamente retribuído por isso; estava a nata administradora das cadeiras eléctricas de ceo e derivados; estavam mandatários dos “Frugais” que tinham alargado os cordões à bolsa, prontos a receber o porco pelo presunto oferecido;  estava o viola de gamba, pivot deste samba e outros interessados em saber o que interessava saber.

O Manhoso já sabia: espiões bem colocados na colina das ameixoeiras tinham detectado movimentos suspeitos de escutas das conversetas de alguns dos convivas em várias ocasiões e lugares. Todas as que interessavam ao caso e ligadas ao ar que se respira. As conversetas já estavam enlatadas e prontas a usar pelo Inimigo da Escola. 

Avisou os circunstantes, particularmente o Azeiteiro que tinha mudado de ramo temporariamente, para se relançar outra vez em projectos de milhões à solta, lançados como isco pelos “Frugais” que viriam mais tarde recolher os frutos.

“Cuidado!” avisou o Manhoso. “Já sabem de tudo e vão-nos tramar tarda nada! O que podemos e devemos fazer, desde já é o seguinte:

Como alguns já se abotoaram com massa adiantada pelos Frugais, para nos darem o que devia ser nosso, o Inimigo da Escola anda já em cima dos suspeitos e um dia destes atravanca-nos o caminho do sucesso e temos que devolver tudo, mais os lugares que ocupamos e nos dão as vantagens todas da boa vidinha que temos. Acabam as limusines, as viagens de borla, as prebendas e lugares para amigos. 

Ora o problema é que para recebermos a pipa das massas temos que mostrar o jogo a quem não nos interessa e isso implica exposição pública das ofertas dos Frugais, em concursos públicos e anúncios demorados, esperando que apareça alguém mais habilitado a recolher o pecúlio.  Ora isso é que não convém mesmo nada. Para os amigos tudo; para os outros, a Lei. É essa a regra de sempre e não convém abrir excepções“

 Então, perante este discurso circunstanciado do Manhoso, o homónimo do Arquitecto, perfilado de sabedoria colhida na chico-espertice dos gabinetes causídicos calafetados, apresentou a solução milagrosa: uma Amnistia em forma de lei ainda mais manhosa que as ditas- uma Proposta para legislar facilitismos nas concursatas públicas, apagando males já passados e sem remédio.

E assim apareceu a Proposta que elimina todos os escolhos que poderiam sustentar a prática de vários crimes contra interesses patrimoniais do Estado de Direito.

De uma penada, a agilização de procedimentos concursais nos contratos financiados pelos Frugais para pagarmos algum ar que respiramos elimina os obstáculos que qualquer Inimigo da Escola poderia opor aos desejos realizados. Ficaria tudo num poço sem fundo de irrelevância criminal.

Retroactivamente, como qualquer boa amnistia que se preze, o que se fez de mal e criminoso passa a estar mais branqueado que as camisas brancas que usam os engravatados.

Genial! Disseram todos, incluindo o Manhoso, sacudindo a caspa.

E assim foram à vidinha de sempre, reentrando nas limusines. Um deles foi para Estarreja e outros para mais longe, ainda.

 Entretanto, alguns ingénuos ainda esbracejam por aí, como no Público de hoje: 



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