Páginas

sexta-feira, junho 17, 2022

O caso Comporta na actualidade ou l´arroseur arrosé

 O Público de hoje reproduz um artigo do Washington Post acerca do caso Watergate que hoje perfaz 50 anos do seu evento inicial, o assalto à sede do partido Democrata, no edifício com aquele nome.


 


Qual o interesse disto 50 anos depois e quando sabemos o que aconteceu a seguir? O artigo o diz: há um paralelo com a actualidade; mas não do modo como é apresentado pelo jornal. 
Há 50 anos o assalto ao Watergate só veio a tornar-se escândalo de proporções nacionais que conduziu à demissão de Nixon, após dois anos de investigação por uma comissão de inquérito do Senado americano que devia fazer inveja às pífias comissões que tem havido por cá em escândalos de proporção infinitamente maior que aquele. 
Se as comissões parlamentares de inquérito a diversas falências bancárias que por cá ocorreram ( BPN e BES/GES, por exemplo, com os episódios Berardo etc etc) tivessem funcionado como a comissão que investigou o caso Watergate, as nossas instituições seriam outras e com certeza absoluta não estava a governar quem está, ou seja o PS de António Costa. De certeza absoluta.

Portanto, o caso da Comporta americana começou a ser investigado num jornal, precisamente o Washington Post, através de dois jornalistas- Carl Bernstein e Bob Woodward- que em 1974 escreveram um livro contando a aventura por que passaram nessa investigação. O livro, publicado no Reino Unido em 1998, em capa mole, é este, já com imagem do filme de 1976, sobre o mesmo assunto e começa assim com a história que começou precisamente há 50 anos:





Como se lê, o assunto parecia anódino até que alguém deu o tom certo à narrativa, fazendo suscitar suspeitas. Esse alguém foi precisamente um dos assaltantes presos, James McCord que se identificou ao juiz de turno como tendo sido consultor na CIA.  
Assim, a primeira notícia sobre o assunto no Washington Post, assinada por Bob Woodward,  mencionava o assalto realizado por cinco mânfios, um dos quais antigo empregado da CIA. Como Bernstein assinou outro artigo sobre os assaltantes, formaram equipa. E o resto é História. 

Porém, uma História curiosa que também foi seguida em Portugal na época. Em finais de 1972, mesmo após as eleições americanas de Novembro desse ano, ninguém ainda tinha mencionado qualquer coisa de especialmente relevante sobre o assunto, cá em Portugal. 
Em 1973 e segundo a cronologia dos acontecimentos, estes precipitaram-se e na Primavera tudo era diferente.
Em 30 de Março e 6 de Abril de 1973 a revista Vida Mundial dava espavento noticioso deste modo:




Nestas notícias não aparece a menção às fontes de informação, no caso agências ou jornais americanos. Por outro lado, há uma atenção a factos, sem prejuízos opinativos por aí além. 

Na revista Observador, da mesma altura, nota-se uma diferença, particularmente nas notícias tingidas de forte opinião que esclarecem um pouco mais do ambiente em que se produziam os factos relatados. 
Em 7 de Setembro de 1973 o cronista António Lopes Ribeiro ( também cinéfilo e apresentador de um programa na tv sobre filmes mudos) escrevia assim, identificando claramente quem tinha interesse na investigação do caso Watergate e como tal era tangido pelos media afectos à oposição democrata a Nixon, tornando-se acima de tudo um caso político. Faz lembrar o Fripó? Pois fará, mas sabemos como este acabou e como acabou o Face Oculta e outros como o da Tecnoforma.  





Aliás em 1 de Junho de 1973 a revista considerava o caso como uma "fornalha" para queimar Nixon.


E porquê? Simplesmente por causa desta análise publicada em 17 de Novembro de 1972 que ainda é válida nos dias de hoje- e daí o paralelo:







Segundo a revista que cita o vice-presidente Agnew, tido como candidato à presidência dali a quatro anos, em 1976, por Nixon já não poder concorrer mais,  existia então, visível e actuante, "a manipulação da informação por uma minoria que controla e selecciona o consumo de notícias e informações a dar à opinião pública". 
Em causa estavam precisamente o New York Times e o Washington Post, "bem como as grandes cadeias de televisão e rádio controlados pelo Eastern Establishment, formado geralmente pelos falsos intelectuais das universidades liberais do Leste americano".
Assim, tal e qual. E que podia ser dito hoje, a propósito do wokismo, por exemplo, porque vem tudo do mesmo lado. A afirmação é de um discurso de 1969,  do então vice-presidente Agnew, que aliás se demitiu em 1973 na sequência de acusações de corrupção e fraude fiscal. Porca miseria!

O Observador não tinha razão quanto às dúvidas sobre a responsabilidade de Nixon e à lisura de Agnew, como se veio a provar. Mas tinha quanto ao resto. E o escrito poderia ser publicado ainda hoje, porque mantém a actualidade, como o Público e as nossas televisões demonstram todos os dias, particularmente a SIC de Balsemão. 

Por outro lado, o papel de investigação dos dois jornalistas do Washington Post foi muito facilitado por um indivíduo que fazia parte da organização de topo do FBI ( fora braço direito de J. Edgar Hoover). Este que escreveu um livro em 2006, confessando o feito: era ele o "garganta funda" ( nome tirado de um filme pornográfico da época)  que ajudara Bob Woodward a descobrir a verdade do caso da Comporta americana:


Quanto ao "método" usado para encalacrar Nixon, pode citar-se o que António Lopes Ribeiro escreveu, porque tem paralelo hoje em dia com o caso Lula e com o caso Sócrates.
Relativamente às gravações efectuadas por Nixon, na Casa Branca, por sua livre iniciativa e registando tudo o que lá se dizia, sem excepções, contribuindo desse modo para a inevitabilidade da demissão daquele, ALR escrevia:

" a sua escuta indiscriminada equivaleria a uma violação de confidência da mesma ordem, pelo menos, daquela de que são acusados os "canalizadores" e os seus pretensos mandantes"

Ou seja, o que os assaltantes do Watergate pretendiam era colocar sistemas de escuta na sede do partido Democrata para apanhar manigâncias dos mesmos, por exemplo quanto a recolha de fundos criminosamente angariados. 
Se tivessem tido sucesso e não tivessem sido presos, provavelmente gravariam as malfeitorias dos democratas, nesse e noutros aspectos. O que valeria então tal gravação? Que destino lhe daria quem aceitou como válidas as gravações de Nixon? 
È uma incógnita. Assim, deu-se a velha história do l´arroseur arrosé. Que era uma cena de um filme mudo, que me lembro de o referido António Lopes Ribeiro apresentar na RTP, na época. 

E sobra assim o relato do Washington Post como expressão mais fidedigna de uma verdade. Que verdade? A de quem ganhou...e que o Público e outros, quase todos, seguem acriticamente. 
Contraditório? Que é isso?! Algo que se coma? 

Sem comentários:

Enviar um comentário

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.