A música é a arte dos sons, agradáveis ao ouvido- ouvi dizer há muitos anos. De produzir sons e para mim também de os reproduzir, artificialmente e depois de gravados, através de aparelhagem electrónica.
É sobre reprodução sonora que vou escrever a propósito dos sons dos discos, particularmente em vinil.
Não sei como foi mas em 1975 soube que havia um programa de rádio na BBC Radio One, animado por um dj chamado John Peel e que passava à noite as novidades da música popular.
Assim, lembro-me de ouvir, porque apontei por escrito num papel, em 19 de Dezembro de 1975, uma emissão desse programa, chamado Top Gear, apresentado por John Peel e que aliás pode ser ouvido aqui numa outra emissão, alguns dias antes, em 9 de Dezembro desse ano.
Nessa emissão de 19 de Dezembro de 1975 foram divulgados 15 temas dos melhores discos do ano, que ouvi com a atenção exigida pela onda curta do rádio e as interrupções das ondas sonoras a viajar milhares de quilómetros até ao meu aparelho de rádio, no quarto, no silêncio de uma noite de inverno.
Essa emissão começava com esta introdução:
Start of show: "Well, good evening once again, and on tonight's programme, we're going to be playing you my own favourite fifteen singles for the year, so, er, that could be quite interesting, I think. It might not be but I hope you'll find it so. Also, the last broadcast of our Christmas mystery group. If nobody gets it now, I'm not going to play it again: I'm getting fed up with it. Your chance to win 5 LPs, a Christmas card signed by Stephanie De Sykes, a cheap alarm clock, two Top Gear pens, and one Radio 1 calendar. I'm going to start the programme off, though, by playing you, in its entirety, our signature tune once again, because a lot of people write in and ask what it is and they say they'd like to hear the whole thing, so here's the whole thing."'
Como se pode ler, foi nesse dia que John Peel passou integralmente o indicativo do programa, um tema de blues que na altura não sabia a quem pertencia porque o nome do grupo me escapou. No entanto com os anos descobri tratar-se do tema
Picking the blues dos americanos Grinderswitch que pode ser
ouvido aqui, tal como a história do tema.
O som desse programa vindo da BBC Radio One que ouvia no rádio da época, um Grundig Melody Boy 2000, portátil e de transistores, era em onda curta e portanto com qualidade abaixo da média que o aparelho transmitia habitualmente.
Ainda assim, a novidade dos temas, ouvidos pela primeira vez e alguns deles tornados clássicos com as décadas que entretanto passaram, compensavam tal qualidade medíocre. Nessa altura era a música que se impunha ao som, porque era novidade e o som apenas veiculava tal novidade essencial da época.
Actualmente, tal novidade é passado e recorda-se com o acrescento de um som que se torna agora primordial para recordar a música. Daí que a busca pelo melhor som possível se torne exigência corrente.
Na emissão de 9 de Dezembro acima indicada e disponível na internet, os temas e o encadeamento radiofónico dos mesmos parecem-me de antologia que ainda hoje se ouve com proveito e prazer.
John Peel passou nesse programa o dito lp dos Gentle Giant, com o tema referido e mais tarde, On Reflection, e mais para o fim da emissão, um outro tema do disco, Free hand, todos do mesmo lado um e numa sequência que se encadeia na perfeição, ainda hoje com a audição extemporânea.
Toda a sequência merece ser ouvida, desde os sons de Rory Gallagher no início e do album Against Grain passando pelo tema reggae, um estilo ainda novo por cá e mesmo no final o tema de Leo Kottke, Wheels, instrumental, do lp Chewing Pine, de 1975 que termina o programa.
Todo o programa é uma pequena maravilha musical com discos que então sairam e alguns se tornaram clássicos.
A emissão de 19 de Dezembro de 1975, dos 15 mais, nos singles, e
stá disponível apenas em pequeno excerto dos temas apresentados, mas permitiu a rectificação e complementos ao escrito de então, neste caso a lápis, em 2013 e em 2015.
O resto dos apontamentos referem-se a gravações em cassete de emissões de rádio diversas e nacionais, particularmente no Espaço 3p ( Boa noite em FM, Banda Sonora e Perspectiva), Dois Pontos e outros.
Entre os grupos mencionados, há vários cujos discos arranjei ao longo dos anos, particularmente em vinil e pelos mesmos fui apreciando a evolução de qualidade sonora de tais temas musicais.
Uma das canções indicadas,
I´m not in love, dos 10cc, não me impressionava na época, apesar de ler que fora uma das composições mais complexas de gravar e que demorara horas a sobrepor vocalizações, o
que agora é fácil de verificar quanto ao modo de produção.
Torna-se óbvio que o efeito pretendido pelo grupo inglês com tal gravação fora o de apresentar algo inovador e a sonoridade da mesma começa com um sussurro de vozes amplificadas progressivamente em crescendo, de modo a obter uma pequena muralha sonora com as vozes misturadas a cantarem ohs e ahs em mantra improvável, afogadas em sons de teclados e vocalização do músico Eric Stewart a dizer que não está apaixonado e que se tal parecer será mera ilusão, apesar de manter um retrato dela na parede, mas apenas para tapar uma mancha.
Esse tema é uma música com determinado som, original na altura e quando foi publicada em single, no ano de 1975 foi um sucesso, ocupando lugares cimeiros nas tabelas de vendas de música desse ano, o que sempre me admirou porque então preferia ouvir Better off dead, do lp Captain fantastic, de Elton John.
Os singles Sailing, de Rod Stewart e Imagine de John Lennon, este de alguns anos antes, mas publicado em single no Reino Unido apenas nesse ano de 1975, são essencialmente música cujo som é relativamente indiferente. São cânticos que se tornaram êxitos que toda a gente ouviu na altura. Os álbuns de que fazem parte têm outros temas que são mais interessantes e cujo som é importante e por isso os arranjei.
Portanto há uma diferença entre músicas e o som das mesmas, tal como gravado. Sailing e Imagine ouvem-se em rádio de pilhas com a mesma força interpretativa que numa aparelhagem de alta fidelidade de topo.
I´m not in love dos 10cc é mais uma canção cujo som lhe empresta o sucesso obtido, porque não pode prescindir do mesmo tal como foi gravado enquanto aquelas duas canções podem ser cantaroladas sem instrumentação, com efeito semelhante. Para além disso, a gravação sonora de I´m not in love não tem particular relevância audiófila, podendo ser reproduzira em rádios de onda média sem grande perda de qualidade sonora.
Entre tais polos, conjugando música e som, está o tema de Bob Marley, No Woman no cry, ao vivo, em tonalidade reggae, uma sonoridade então recente e que atingiu também um grande sucesso de audição pública.
Este tema congrega a música, a melodia, o acompanhamento e ritmo musical e a sonoridade de ser tocada em ambiente ao vivo. Tal como o tema de Peter Frampton, Show me the way que no ano seguinte atingiria ainda um maior sucesso ao integrar o disco Frampton comes alive que vendeu milhões de exemplares e em parte devido a essa canção.
Em 1975 a emissão de John Peel passou vários discos que se tornaram fundamentais na minha colecção de música preferida dos anos setenta. Apontei tais discos num papel, nessa altura:
A audição destes discos tem muito a ganhar com a escolha do melhor meio de reprodução, como seja o disco em vinil, o lp original, de preferência, amplificado por um bom sistema sonoro e reproduzido por altifalantes igualmente de qualidade superior, em colunas de som ou auscultadores.
De resto, quem ouvir a
transmissão gravada do programa de John Peel de 9 de Dezembro de 1975, mesmo com a resolução que a internet permite, raramente superior à de um cd, poderá comparar a sonoridade dos temas apresentados, com a sonoridade obtida numa aparelhagem caseira, analógica e tudo.
Fiz a experiência com o disco de Leo Kottke, Chewing Pine, na versão original americana, da Capitol, de 1975 e o tema Wheels apresentado mesmo no fim do programa.
A comparação é favorável ao disco original por uma pequena margem porque a transmissão do Top Gear em 1975, por rádio, então gravada e colocada no sítio para ser ouvida, por um aficionado, é de grande qualidade sonora.
Já o mesmo não acontece com o tema dos Led Zeppelin, Down by the seaside, também passado quase a meio do programa em que a sonoridade da transmissão fica alguns furos abaixo da que se obtém da audição do lp original, britânico, com uma dinâmica impressionante e algo naturalmente ausente na gravação do Top Gear. O Wheels de Leo Kottke é mais contido na dinâmica, praticamente apenas com a guitarra acústica e o disco original não prima pela excelência de gravação.
Como é que a Radio One da BBC obtinha tal qualidade que aliás era relativamente vulgar nas transmissões do rádio da época? Simples: tinham os melhores gira-discos.
Segundo se
explica aqui, a BBC usava os gira-discos alemães da
EMT, de qualidade profissional e ainda hoje procurados.
A marca alemã tinha mesmo cultores em Portugal como se nota por esta foto colocada
neste sítio dedicado ao assunto.
Aqui a imagem é já dos anos oitenta ou mesmo posterior e o programa era da responsabilidade de Luís Pinheiro de Almeida, sobre os Beatles ou coisa que o valha:
Por outro lado, havia outros gira-discos no rádio da época e uma das emissoras mais importantes do início dos anos sessenta e setenta era a Rádio Luxemburgo, também recomendada para ouvir novidades. O estúdio era
aqui numa foto com John Peel ao volante de um gira-discos...Garrard, neste caso britânico.
Uma coisa é certa: era com a sonoridade que estes dj transmitiam em programas de rádio que aprendi a gostar de música popular e tal sonoridade era marcada por uma grande qualidade de reprodução.
O disco dos Led Zeppelin que John Peel passou na emissão, Physical Graffiti ouvi-o em vários temas, no mês de Abril de 1975 no programa Página Um, da Rádio Renascença, repetidas vezes, tendo ficado impressionado com a sonoridade do mesmo, mesmo no rádio Grundig de transistores e em mono.
Tal disco de Led Zeppelin era já o sexto e último verdadeiramente interessante da carreira do grupo, sendo os anteriores de qualidade sonora elevada e provavelmente superior, mesmo na gravação do vinil. Physical Graffiti fora gravado na sua maior parte, num estúdio móvel, o que deve ter influenciado tal qualidade.
Não obstante, o disco surgia na altura em que andava a descobrir todas estas novidades da música rock, sendo muito publicitado nos media da especialidade.
Em Dezembro de 1974 o jornal NME ( o tal que Miguel Esteves Cardoso leria desde os cinco anos de idade...) publicou em duas páginas a recensão crítica do disco, pelo menino bonito da crítica rock de então, Nick Kent. Comprei o exemplar também por causa de tal crítica, ainda à espera de o ouvir:
E quem senão o enfant terrible da crítica francesa para dar o seu parecer na edição de Abril de 1975 da Rock & Folk, precisamente na altura em que o andava a ouvir no Página Um?
Em Fevereiro tinham mesmo publicado a recensão de Nick Kent e davam a capa ao grupo:
Em Abril a crítica de Philippe Manoeuvre, para criticar Nick Kent pelo cinismo do dito:
Manoeuvre, em Dezembro de 1999 numa edição especial da Rock & Folk explicava em duas páginas como ouvia dos discos e que aparelhagem tinha enquanto crítico de rock.
Na altura de Physical Grafitti provavelmente em aparelhagem japonesa, como então era moda nos EUA. E Manoeuvre aconselhava a ouvir o disco em som puxado, para suprir algumas deficiências de gravação, no seu entender comprometedoras relativamente ao anterior disco do grupo ( Houses of the Holy).
Passaram vários anos, décadas, até arranjar o disco em vinil original, depois de ter experimentado uma versão saída nos anos oitenta, em prensagem alemã da Allsdorf, que tinha a particularidade de me deixar sempre a pensar no som que tinha ouvido no rádio e que era superior ao que obtinha com tal disco, com pouca presença de frequências baixas e me frustrava sempre a sensação de reviver a sonoridade então escutada.
Experimentei uma
primeira versão que julgava ser a primeira, mas não era. Depois dei com a original, com referência SSK 89400, resultado de
primeira prensagem, saída em 24 de Fevereiro de 1975, "the real thing".
A preferência foi logo para a versão inglesa original, mais próxima do que tinha então ouvido e que me satisfaz plenamente a audição porque é um disco com melhor gravação e prensagem que outro qualquer.
No entanto, a diferença sonora entre a versão sem data e parecida com a original com a verdadeiramente saída em 24 de Fevereiro de 1975 é notória, logo nos primeiros compassos de Custard Pie, incluindo particularidades da própria gravação, com colocação diferenciada, no espaço auditivo, dos instrumentos e da voz.
As diferenças entre ambas as prensagens é algo subtil, notando-se apenas nos rótulos. A original não tem o símbolo da Warner Bros, no texto que circunda o rótulo, aqui no lado esquerdo da imagem.
O som das baixas frequências, particularmente as batidas da bateria de John Bonham, secas e mais profundas, a fazer vibrar as peles do bombo, denotam logo a qualidade inultrapassável de tal gravação original que se distingue das demais prensagens.
O terceiro tema, In my time of dying, um dos que passava repetidas vezes no Página Um, de Abril de 1975, com predominância da percussão logo nos compassos iniciais é exemplar do que se pretende enunciar.
Este é um disco que carece de uma boa prensagem do vinil, para a música dar tudo o que tem, tal como a maioria dos discos de hard-rock que precisam de boas edições discográficas, geralmente as primeiras, dos países de origem e aparelhagens adequadas. Quanto melhores forem estas mais qualidade se extrai da sonoridade gravada.
Por causa destas diferenças sonoras que implicam com a reprodução musical atingi o zénite do particularismo explorador com o disco
Eldorado dos Electric Light Orchestra, publicado no Outono de 1974 e divulgado na altura daqueloutro.
Eldorado, logo que o ouvi no rádio, pareceu-me um disco fantástico porque misturava elementos sinfónicos com som orquestral associado a música rock, dos primórdios de Chuck Berry e também de feição romântica e melodiosa.
Logo que pude arranjei o disco, embora já nos primórdios dos oitenta, sendo o primeiro exemplar a
edição portuguesa, fabricada e distribuída pela Rádio Triunfo, ainda em 1974. Não era má, mas faltava-lhe um não sei quê de específico que ouvira na emissão radiofónica, certamente reproduzida nos aparelhos de gira-discos EMT.
O som, no entanto, apresenta-se algo nebuloso e sem clareza instrumental ou dinâmica suficiente, como é apanágio das prensagens portuguesas ( e espanholas) dos discos de vinil.
Por isso ao longo dos anos coleccionei sete edições até chegar à realmente interessante e original e que é afinal mesmo
a original publicada no Reino Unido em 1974 sob o selo da Warner Brothers com referência K56090 e que comprei a dobrar.
Sete exemplares do mesmo disco para concluir que afinal as primeiras edições são geralmente preferíveis a reedições posteriores. Como já repeti isto com vários discos de outros tantos artistas, ao longo dos anos, a conclusão impõe-se naturalmente.
Julgo que não é um cd que pode prestar justiça auditiva a uma gravação deste tipo. O cd chega mais alto e até mais profundo mas deixa a desejar o ar que respira nas faixas de vinilo que parece estar gravado em tais espiras e dá vida própria ao vinil, por contraposição à gravação digital que pode apanhar o que lá está gravado mas apenas com o esforço de gravação em muito altas resoluções, designadamente em
dsd 256.
Porém, isso é outra conversa, para outro postal.
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