Como companhia preferencial à música que ouvia nos anos das décadas de setenta e oitenta, havia os jornais e revistas de música, ingleses, americanos e franceses que me ajudavam a conhecer novidades e a ler críticas sobre alguns discos que ouvia.
Em finais de 1974 o jornal New Musical Expresse publicou pela primeira vez uma página destinada aos leitores escreverem as suas preferências musicais.
As minhas eram estas, ainda incipientes e incompletas. A escolha de Maddy Prior ficou certamente a dever-se a discos dos Steeleye Span que tinha ouvido no rádio:
Dez anos depois, o mesmo jornal publicou nova sondagem e desta vez os resultados foram coligidos e explicadas as diferenças com as escolhas feitas pelos leitores dez anos antes. Uma das considerações é óbvia: poucos discos dos anos oitenta entre os melhores 100. E o primeiro da lista nem aparecia mencionado em 1974.
Que significam estas escolhas? Que o gosto e preferências variam com o tempo e o contexto.
Durante os anos setenta o mesmo jornal vendia mais de 200 mil exemplares e uma década depois foi caindo nas vendas até chegar a metade, desaparecendo depois de ter originado a revista Q, depois a Mojo e a Uncut, com alguns jornalistas britânicos que chegaram a escrever nuns e noutros.
Em finais de 2012, já transformado em transformado em revista, publicou uma resenha dos 60 anos de publicações e uma breve apreciação das décadas em causa.
Qual o disco seleccionado para iniciar a década de setenta? Um disco "ao vivo" e puro rock n` roll, em que o escriba menciona a introdução do primeiro tema com um som de baixo e bateria seguido de um "BAM!", o "mais pesado acorde de sol jamais metido num plástico negro".
Quem ouvir hoje tal introdução, ficará com uma ideia do som dos setentas, mas aconselha-se a audição em vinil. Tenho a edição "Deluxe" em cd de 2002 e fico com a sensação de algo que falta ouvir e sei imediatamente o que é: o som analógico das percussões.
Os discos seguintes da década são What´s going on de Marvin Gaye; Master of Reality dos Black Sabath;The rise an fall of Ziggy Stardust de David Bowie e Dark Side if the moon dos Pink Floyd, além de outros.
O primeiro dos oitenta é um disco dos Joy Division,
Closer que só gravei em cassete em Maio (?) de 1980 ( é a data da gravação, embora o disco tenha sido originalmente lançado em 18 Julho de 1980, o que deve ter uma explicação que não encontro).
É um disco que marca a década, vindo da anterior. O que se seguiu do grupo, rebaptizado New Order, pouco tem a ver com esse disco e no entanto foram os discos dos New Order que depois fui comprando.
A seguir na década estão Remain in Light dos Talking Heads; Thriller de Michael Jackson; Purple Rain de Prince e Psychocandy de The Jesus and the Mary Chain. Só tenho Thriller...e adquirido recentemente.
Uma boa forma de explicar a diferença nas décadas reside nestes dois discos do mesmo grupo, J. Geils Band:
O disco da esquerda é de 1970, o primeiro do grupo; e o da direita é de 1980. A revista Rock & Folk fez assim a recensão dos dois, sendo a do primeiro de uma edição de Dezembro de 1999 acerca dos 2000 discos indispensáveis...
A crítica realça a extraordinária qualidade musical do disco em causa e cuja gravação original também faz jus a tal qualidade. É um disco em que os blues tocados por um grupo branco atingem uma suprema qualidade interpretativa que apetece ouvir.
Dez anos depois, em Março de 1980, o grande crítico Philippe Manoeuvre escreve sobre o disco da direita, saído nessa altura, em termos quase semelhantes sem que o disco mereça o esforço.
Não é a mesma coisa, nem sequer se assemelha porque é um disco que se ouve bem, particularmente o que dá o título ao album ( e por causa do qual o comprei) e ainda o tema seguinte "Trying not to think about it". Porém, o tom geral é de sonoridade dos oitenta, sem o toque bluesy antigo ou a instrumentação e mesmo a qualidade de gravação do primeiro que me parece excepcional, tal como outros da mesma altura.
O que se passou em dez anos?
O NME da edição dos 50 anos, em 20 de Abril de 2002 tentava explicar "os anos dourados" que foram também os do jornal:
Portanto, não é de nostalgia que se trata mas de algo mais profundo: uma mudança do estilo, no tempo e na substância, entre uma década, a de 70 e as que se lhe seguiram.
O final dos anos setenta, particularmente a segunda metade distanciava-se já bastante dos primeiros anos que para mim misturava Cat Stevens ou James Taylor com Led Zeppelin ou CSN&Y. A grande época da música rock.
Em 1976 comecei a apontar as preferências por anos.
Em 1977 surgiu o "punk", mas antes disso havia Roy Harper que se tornara muito ouvido nos programas de Jaime Fernandes e tinha lançado um disco fabuloso, Bullinamingvase. Os Van der Graaf lançaram nesse ano o seu último disco com interesse para mim. The Quiet Zone/the Pleasure dome e faltava-me descobrir os discos anteriores dos primeiros anos dos setenta.
Jethro Tull também já tinha dado tudo o que me interessava ouvir e em 1977, com Songs from the wood, parecia-me inferior ao do ano anterior, Too old to rock n roll que aliás ainda ouvia, tal como o anterior, ainda mais interessante para mim, The Minstrel in the Gallery de 1975.
Os Kinks em 1977 lançaram o disco Sleepwalker, uma das bandas sonoras desse ano, para mim, com baladas do melhor que Ray Davies compôs.
Peter Gabriel lançou o seu primeiro disco a solo, um disco maravilhoso que só ganha com audição em boa aparelhagem. A par do primeiro disco a solo de Steve Winwood, também desse ano é outro dos discos dessa banda sonora.
O punk era o típico fenómeno musical do compre, use e deite fora. O primeiro disco dos Jam, no entanto, era bastante bom em melodias que cativavam a atenção a um ritmo aceleradíssimo. Cheguei a gravar e escutar várias vezes, particularmente Slow down que era infeccioso.
Os Sex Pistols, esses, eram insuportáveis para além de cinco minutos.
Os Television eram provavelmente os melhores e ainda hoje tenho os primeiros discos, particularmente Marquee moon com a sua sonoridade típica.
Em 1978 a lista aproxima-se mais da sonoridade que passei a apreciar e perdura até hoje, de facto muito marcada pelo tempo.
Os Dire Straits da época eram Sultans of swing e pouco mais. Actualmente são todos os álbuns até à primeira metade dos oitenta. A sonoridade melhora muito com a qualidade da aparelhagem que a reproduz.
De todos estes discos então fundamentais para mim, o que sobrou incólume no teste do tempo foi Studio Tan de Frank Zappa e Before and after science de Brian Eno. Os demais, tenho os discos e gosto de ouvir, particularmente Gerry Rafferty, em City to city cuja sonoridade me encanta sempre que ouço.
Os ELO de Out of the blue eram então um dos grupos que mais gostava de ouvir, particularmente nesse álbum que tem muitas canções que cantarolava.
This Years model de Elvis Costello confirma-o como um grande artista, logo no primeiro disco e ganha muito em ser ouvido em condições sonoras aperfeiçoadas, tal como Darkness on the edge of town de Bruce Springsteen. London Town dos Wings é praticamente um roteiro doss dias de Outono de 1978 e por isso para mim um dos melhores discos de Paul McCartney.
Kaya de Bob Marley tem várias canções memoráveis do reggae cuja divulgação alargada começara quatro anos antes por...John Peel e a etiqueta
Island que popularizara essa música jamaicana e muitos outros que são a estrutura principal do rock dos anos setenta, para o meu gosto.
Em 1979 já se anunciava a década seguinte. Communiqué dos Dire Straits parecia-me muito melhor que o primeiro. Pink Floyd e The Wall era incontournable na sonoridade mas Rust neves sleeps de Neil Young ainda me encantava, como os primeiros discos. O disco do ano seguinte, Hawks and Doves, pôs fim ao encanto. Neil Young é um artista dos anos setenta, para mim.
Bob Dylan já não era o que fora, mas hoje ouve-se bem Slow train coming que tem uns bocadinhos da sonoridade da guitarra de Mark Knopfler.
Zappa e Sheik yer Bouti é o que sobra disto para ser ouvido em ilha deserta. Ian Dury também se ouve bem, nesse seu segundo disco que tem várias capas a imitar tonalidades de papel de parede.
E JJ Cale tornou-se intemporal, tal como todos os seus discos, anteriores e futuros. Os Eagles tinham acabado no ano antes do anterior com Hotel California que aliás não figura nas listas mas podia figurar porque é um álbum que aprecio e então se ouvia muitas vezes.
O que se nota é a decadência gradual relativamente à primeira metade da década. Ainda assim foi nesta altura da segunda metade dos anos setenta que conheci os discos e músicas anteriores que moldaram o gosto pela música rock.
Parafraseando Milton Nascimento no tema
Saudade dos aviões, a música que ouço hoje é apenas em memória dos tempos dos setentas. O que veio a seguir só o confirmou.
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